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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

28
Fev06

Moléculas

João Madureira
DSCF0026.JPG
Estabelece-se o tempo como uma maldição.
O nevoeiro submerge com pequeníssimas gotas os cumes das montanhas.
Parece um véu amortalhando o que resistiu durante milhões de anos.
27
Fev06

Lá no alto

João Madureira
2005_1126ChavesA11nov0056.JPG
Há sempre algo na tarefa dos humanos que aspira à perenidade.
Um indivíduo que olha pensa compreender a relação entre o trabalho, o desígnio e a utilidade de uma construção.
As formas dirigem-nos até ao seu mundo inteligível.
Mas quando observamos bem o que fica indelével no seu sentido é o espírito do autor.
26
Fev06

A química dos fluídos

João Madureira
DSCF0027.JPG
Todos os dias o céu, em algum lugar do mundo, satisfaz-se de absoluto e vagueia.
Flutua o firmamento desde o início dos tempos.
“Cronos” nos primórdios era um segundo. Agora são dois.
Compasso binário, ritmo de vida.
Alguém cavalga na inércia das oportunidades. E sacia-se.
Há algo de enigmático na subserviência.
Mas o servilismo não passa disso mesmo, por mais que nos digam ou, até, escrevam o contrário.
Existe algo incompatível com a verdade: a realidade travestida de comprazimento.
Que a consciência lhes seja devedora.

25
Fev06

Até amanhã

João Madureira
DSCF0002.JPG
Cheguei à cidade, nevou na montanha.
Tudo volta ao normal, menos aquilo que é normal.
As casas estão seguras na sua tranquilidade efémera.
Pensam-se dominadoras quando apenas são fixas.
O nevoeiro caminhante desce abençoando o olhar daqueles que observam perplexos a beleza eterna da vida e do movimento.
Olho e invento mais um dia: o dia de amanhã.
24
Fev06

Espectros

João Madureira
2004_1218torrervededo0047.JPG
À medida que desço em direcção à minha terra, arrasam-se-me os olhos de água.
Tudo o que me precedeu já morreu.
Choro em silêncio a ausência definitiva dos meus avós e de meu pai.
Agora na povoação há dois cemitérios, o dos corpos e um outro, bem mais estranho: a própria aldeia.
Vejo os que aqui vivem como espectros.
Até eu já sou um deles.
23
Fev06

Espécie em vias de extinção

João Madureira
2004_1218torrervededo0002.JPG
Actualmente os homens das aldeias olham os forasteiros com indiferença.
Antigamente olhavam-nos com agrado.
Cansado e triste, o homem toca o cavalo para chegar a casa.
Já não aguenta o som triste dos lamentos, a quietude dos ciprestes, o vento assobiando nas casas desertas e esventradas.
Antigamente, um homem da aldeia era um ser orgulhoso, respeitado e admirado.
Hoje é apenas uma espécie em vias de extinção.
22
Fev06

Lamentos

João Madureira
2004_1218torrervededo0001.JPG
Lá em cima as nuvens fazem cócegas umas às outras.
A brisa da tarde acaricia as montanhas, os outeiros e os vales.
A luz do sol ilumina as paredes voltadas a poente.
Lá ao fundo, a aldeia deseja adormecer calmamente.
Alguém fecha os olhos para meditar. Outros fazem-nos para esquecer.
Alguns expiram evocando o momento em que foram venturosos namorando, bailando, labutando e beijando as suas mulheres e os seus filhos.
Os cães ladram pesarosos.
As crianças vêem televisão e sonham em ir embora desta desilusão.
21
Fev06

Porque as nuvens sempre afagaram as montanhas

João Madureira
2004_1218torrervededo0022.JPG
Só quem nasceu numa aldeia sabe da relação telúrica e indestrutível que o Homem estabelece com o sítio onde viu a luz pela primeira vez.
O verde, desde logo, passa a ser um sinal vital. O azul a rutilação das manhãs. E o vermelho a ferocidade animal da carne e do sangue vertido para alimentar a comunidade.
Depois há os pinheiros, os carvalhos, as videiras, a erva dos lameiros, as hortas, as macieiras, as pereiras, as oliveiras. E as giestas. E o tojo. E a urze. E a flor do sabugueiro.
Pelo Natal acorda a musgo e o azevinho.
Há ainda o orvalho carinhoso e mágico, o nevoeiro misterioso, a chuva benfazeja, a neve purificadora.
E as geadas também nos lembram a urgência do fogo.
E ainda há as montanhas que sempre me pareceram mulheres estendidas em serenidade absoluta.
Agora, muitos aprendizes de feiticeiro, armados em liberais alterosos, perseguem este mundo ancestral com verdadeira tenacidade predadora na tentativa última de o liquidar para sempre.
Mas – eu persinto-o – o remorso acabará por ensandecê-los de desonra.
20
Fev06

Morte lenta

João Madureira
2004_1218torrervededo0007.JPG
Uma a uma, quase todas as aldeias do nosso concelho vão ter que encerrar dentro de alguns anos.
Os velhos esperam morrer na terra que os viu nascer.
Esperam e desesperam.
Sentem-se sós, desprezados e desrespeitados.
Já choram, porque vêem que a terra que amaram e onde foram felizes, mesmo na necessidade e na canseira, está ao abandono.
Adivinham que os homens e mulheres que ali nasceram e se foram embora só os visitam para comer, beber, defecar e urinar ao ar livre.
Explicam esses filhos adoptivos da urbanidade que é assim que se sentem bem.
Afirmam que amam a sua terra, mas essa não é a verdade, porque quem ama não trata com tanto desprezo aquilo que estima, respeita e defende.
Quase todos os políticos que conheço são oriundos das nossa aldeias. Sempre os ouvi dizer que uma das suas principais preocupações era defender o mundo rural, o seu mundo, o nosso mundo.
Afinal iludiram-nos e iludiram-se.
Mas as almas dos nossos antepassados hão-de persegui-los com a perseverança do respeito que lhes é devido.
19
Fev06

Os actos definem os homens

João Madureira
2004_1218torrervededo0035.JPG
Esta é a escola da minha terra.
Ou melhor, esta era a escola da minha terra porque para o ano vai encerrar.
Esta é a construção moderna que veio substituir o edifício antigo situado no centro da Torre de Ervededo e que antes de ser escola foi tribunal e prisão.
Agora as crianças da minha localidade vão rumar a outro edifício situado no Couto de Ervededo para aí aprenderem as primeiras letras.
Isto porque o Ministério da Educação vai fechar as escolas do primeiro ciclo com menos de dez alunos. Isto é, cerca de mil e quinhentas em todo o país.
Na escola para onde se deslocam nada vão encontrar de melhor nem de mais específico do que na que vão deixar. O que quer dizer que as condições de aprendizagem vão continuar a ser irrisórias. Nada acrescentam. Tudo fica na mesma perante o argumento falacioso da aposta na qualidade pedagógica invocada pelo Ministério da Educação.
O encerramento de estabelecimentos de ensino num país que precisa tanto de apostar na educação é, apesar dos argumentos invocados, um contra-senso. Porque por cada escola que se fecha, ainda que tenha poucos alunos, criam-se vários problemas, nomeadamente aos alunos, aos pais e até às comunidades onde estão inseridas.
Então se a tudo isto juntarmos o facto desta cega e autista decisão ter sido tomada por um Governo que enche a boca na aposta do conhecimento, da qualificação, do desenvolvimento e da luta contra a desertificação do interior, vemos quanto as palavras sobram na boca dos políticos.
Por isso os protestos já se iniciaram e, estou em crer, vão alastrar por esse interior fora.
Quem encerra uma escola sabe perfeitamente que essa decisão vai ser definitiva em termos da liquidação dessa mesma localidade, transformando-a num cemitério fantasmagórico, onde os espectros e os espíritos se instalarão e aí bailarão com os espíritos dos nossos antepassados.
Porque uma escola sempre foi para nós um símbolo – um símbolo de progresso a que tivemos direito enquanto cidadãos de um país que precisava de um povo culto e civilizado.
E é este símbolo que agora acaba.
Mas lá diz o povo que quem ferros mata com ferros morre.

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