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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

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27
Fev13

O Poema Infinito (135): fogo

João Madureira


A luz profunda das lareiras funde as labaredas e aprofunda os rostos das mulheres que ficam perpendiculares como sexos reluzentes. E as mulheres ficam abismadas dentro dos seus olhares diretos. E gemem. E ciciam. E absorvem as radiações dos astros centrais que se entretecem no âmago das constelações da carne. E os seus membros ligam as estrelas. E agitam-se vibrando dentro das suas fibras repletas de desejo e abandono. E os seus sexos abrem-se e as suas bocas flamejam e tudo se incendeia e os seus rostos tornam-se circulares e respiram e os lençóis brilham e os corpos arrepiam-se e giram. As flores nos canteiros estremecem e sorvem os suspiros subterrâneos daqueles que se amam dentro da sua loucura imensa. E o prazer sopra todo o seu oxigénio e clarifica os órgãos agora afinados pela dor e pela paixão. As habitações supersticiosas navegam atónitas pela noite. E os corpos descansam envoltos na sua doçura e na sua febre momentânea e no seu medo sombrio que se agrava com os limites da luz. O mundo pesa. A memória dói. Por isso a infância se torna imóvel e fica estranha como uma doença. Não é fácil usar o medo como substituto da paixão. Por isso o mundo escurece dentro das nossas mãos como se fossemos buracos negros e as nossas imagens incendeiam-se dentro dos espelhos. Sentimo-nos como crisálidas presas dentro de estrelas. Afastamos as nuvens do tempo com as mãos e tudo se incendeia de novo. Enxames de astros circulam em roda da nossa infância e a espuma atravessa todas as fotografias e os ecos das primaveras atravessam a infância como planetas de fotões que retêm o mundo dentro da sua lógica material. Os olhos dos amantes tornam-se secretos e fecham-se dentro da sua perfeição de lágrimas ávidas de abismos. As labaredas soltam-se e o poder do fogo agarra-se às mãos dos homens e das mulheres que se amam dentro dos vórtices dos seus quartos e agarram todos os instantes dos seus orgasmos velozes e depois adormecem ateados pelas chamas das árvores que agora aquecem o seu sono. Os rostos que dormem tornam-se soberanos. A claridade evapora-se. Os abismos ascendem e gemem dentro da sua poderosa violência astrológica. Reparo agora na nossa elegância de mamíferos lívidos. Fotografo-te de bruços e lembro-me do genial movimento dos teus membros e das tuas asas de prazer e do teu rosto rápido que flutua no meio das constelações das labaredas que dançam e mergulham na luz e irradiam astros e se desorientam quando te entram nos olhos fixos. O meu sexo é de novo um poema que gravita em redor do teu sexo. Todo o teu corpo se transformou num sistema planetário. Eu flutuo no centro dessa constelação. E o teu corpo turva os astros. Brilha na noite a arte secreta do adeus. A fogueira extingue-se. Por fim sonhamos que o mundo é um lugar de silêncio e calma. O nosso sonho já rola pela noite com o que ficou em nós das labaredas de luz. Descansemos. 

25
Fev13

Pérolas e diamantes (26): obsessões

João Madureira


Enquanto fotografo a Rua Direita, situada bem no centro da minha cidade em ruínas, fixo-me no meu rosto refletido nos vidros das montras das lojas vazias e abandonadas e reparo na minha cara triste e magoada. Penso: Tenho a cara de feição com os tempos que correm. E tento sorrir, mas até o sorriso me sai triste.

 

Penso de seguida, e por um momento, nos homens que dizem que a governam e fico impressionado com tanta palavra vã e com tanto sorriso tonto. Eu sei que o hábito faz o monge, que a sela faz o cavalo, mas não sei se um fato e uma ambição desmedida fazem um bom presidente de câmara.

 

Obsessões, dirão uns, mas eu contraponho que não é por uma mentira ser muitas vezes repetida que passa a ser verdade. E o alardeado progresso dos últimos dez anos de gestão autárquica não passa disso mesmo, de uma mentira constantemente repetida, por muito que se afirme o contrário.

 

E os argumentos que se invocam são tão desfasados da realidade que chegam a ser confrangedores. E olhem que não é por evidenciarem um simplismo aflitivo. Não. O problema está mesmo na sua total falta à verdade. É claro que, como muito bem lembra António Aleixo: «P'ra mentira ser segura / e atingir profundidade / tem de trazer à mistura / qualquer coisa de verdade.»

 

Se tivessem existido políticas de desenvolvimento e progresso, o coração da nossa cidade não estava a cair aos pedaços, o hospital não se tinha transformado num mero centro de saúde, o tribunal não se tinha transfigurado num “juízo de paz” para brincar à justiça, nem os nossos jovens tinham rumado a outras terras à procura de um futuro que a sua lhe nega.

 

Sim, reconheço, essas são as minhas obsessões. Mas a maior é Chaves e a sua defesa intransigente. Essa é a minha obsessão de décadas. Por isso é que continuo a falar de coisas incómodas e de pessoas importantes. Importantes, é bom dizê-lo, no cargo que exercem, mas quase insignificantes na qualidade do seu desempenho.

 

Obsessivos são esses senhores que não querem largar o poder, que se agarram a ele como lapas, que utilizam todas as estratégias para calar e silenciar as vozes incómodas. Esses sim, são obsessivos e a sua obsessão destrói. Destrói casas, ruas, centros históricos, hospitais, tribunais e, o que ainda é mais grave, destrói o futuro e a esperança. Destrói a nossa juventude.

 

E fazem-no porque em vez de tentar compreender e dialogar com os cidadãos do seu concelho e de aproveitarem o saber dos mais capazes e sérios para defenderem a causa pública, são apenas bons a utilizar o trunfo de saber de cor o nome e a morada de todos os militantes e respetivos cônjuges e filhos, a quem, de vez em quando, fazem favores ou arranjam empregos para compensar a militância partidária. Por isso é que não existem na nossa terra associações ou instituições públicas que não sejam controladas por militantes, ou simpatizantes, do PSD. Uma mão chega, e sobra, para enumerar as honrosas exceções.

 

A política, para ser nobre e justa, tem de se basear na defesa de ideais e convicções e não ter um pé na demagogia e outro no arranjismo. Por isso é que os portugueses acham que quem vai para a política vai para fazer o mal e não para fazer o bem.

 

Eu ainda sou do tempo em que quando um homem tomava uma decisão nem duas juntas de bois o demoviam da sua intenção. E lembro-me bem que as pessoas lutavam por um argumento imparcial e não por um tacho ou prebendas. Antigamente os homens justos e honrados negavam-se a apanhar as migalhas que os poderosos, e os seus lacaios, lhes ofereciam. Preferiam passar fome. Podia faltar-lhes o pão, mas nunca lhes faltava a honra e a dignidade.

 

Atualmente tudo se compra e tudo se vende ao desbarato. Eu sei que a honra não se come e a palavra dada não alimenta ninguém, mas é triste ver o preço tão baixo da desonra e assistir aos saldos da palavra dada, dos princípios, da coerência e da honestidade. É triste e confrangedor.

 

Já me tentaram envergonhar pelos meus presumíveis excessos argumentativos em defesa de Chaves e das suas gentes, pelo meu idealismo, aconselhando-me a autocensura, ou a escrever sobre música. Mas eu não segui o conselho porque não consigo. Sou vítima dos princípios indomáveis com que fui criado. E também sei que aquela nossa tão conhecida capacidade de aguentar o inaguentável se volta inexoravelmente contra nós.

 

Eu milito no grupo dos que consideram que é preferível uma derrota a seguir à qual possamos eleger pessoas novas, do que uma vitória e manter os mesmos de ontem. E daqui não saio. O poder pelo poder é uma estupidez.

 

Para terminar, e com a vossa licença, não resisto a citar o Cântico Negro de José Régio: «"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces / Estendendo-me os braços, e seguros / De que seria bom que eu os ouvisse / Quando me dizem: "vem por aqui!" / Eu olho-os com olhos lassos, / (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) / E cruzo os braços, / E nunca vou por ali...»

22
Fev13

O Homem Sem Memória - 148

João Madureira


148 – Como uma aparição virginal, vaginal e demoníaca, uma camarada entrou-lhe pela portas dos Canários dentro pronta a fazer das suas. Camarada é uma maneira de dizer, pois a verdade é que era assim considerada por ser sobrinha de um camarada angolano que estava de férias em Névoa. Mas nem tudo o que parece é. Mesmo entre camaradas.


Com idade para ainda ser considerada menina, mas com corpo para já ser observada como moçoila, esta angolana roliça com cheiro a frutas tropicais e com sabor a gindungo, era conhecida no grupo de amigos e camaradas do seu tio como uma fêmea quente como a terra onde nasceu e foi criada. Os seus pais, angolanos de nascimento, ao contrário de muito outros descendentes de portugueses da metrópole, tendo aderido há muito tempo ao MPLA e sendo seus dirigentes intermédios, com algum prestígio e certo proveito, resolveram adotar a nacionalidade angolana e ficar a construir um país novo, sem racismo, livre do colonialismo e da exploração do homem pelo homem. Em suma, eram comunistas convictos e de princípios sãos, predicados que lhes viriam a ser fatais nas diversas lutas que se travaram dentro do MPLA na luta pelo poder. A sua adesão ao Nitismo encostou-os à parede, encheu-os de chumbo e seguidamente depositou-os numa vala comum. Malhas que a revolução tece. Mas, nesta altura, ainda a procissão ia no adro e todos os militantes nitistas, chipendistas, pintistas, netistas ou de outro género semelhante, eram um por todos e todos por um no combate à UNITA e à FNLA.


Mal a fêmea entrou, sentiu o cheiro da excitação do José, e enganchou-se nele como se fosse a Jane do Tarzan. O nosso herói vacilou, mas não caiu. Isto apesar do fator surpresa, do forte impulso da arremetida e, ainda, devido ao facto da angolana ser avantajada de carnes, particularidade que ao José até lhe caía bem, pelo menos naquela altura.


Filada nele ao estilo do alien no filme que viria a ser realizado alguns anos mais tarde, Madalena, pois assim era a sua graça, chupou-lhe a boca com a mesma intensidade dos aspiradores de saliva dos odontologistas. Passado um minuto, as pernas começaram a fraquejar-lhe. Mas ele, sabendo bem onde estava, deu um passo atrás e encostou-se à parede, no espaço justo e disponível que sobejava entre dois quadros da exposição. Aquilo foi ereção para uma dezena de minutos, ou mais.


A Madalena porfiou no linguado ainda durante bastante tempo. Mas dali não passava. Era mais fogo de vista do que outra coisa qualquer. Para ela, tal acontecimento não passava de uma brincadeira, como quem vê uma atriz famosa num filme a beijar o namorado e depois a quer imitar. Já para o José, como todos sabemos, mas não contamos a ninguém como mandam as regras da boa educação, a excitação punha-o a arfar e com uma vontade louca de consumar o ato. Mas teve de se contentar com uma masturbação displicente e até custosa. A angolana era mesmo má de mãos. Para sexo explícito, dizia ela com um sorriso cândido nos lábios, ainda era muito nova.


Dois atos não consumados deixaram o José muito desanimado, sobretudo porque não conseguia convencer as suas parceiras para o ato final. Se fosse assim em relação às massas proletárias, a revolução nunca chegaria a ter sucesso, nunca chegaria a consumar-se, nunca chegaria a triunfar. E isso punha-o à beira de uma crise de confiança. Abalou-lhe profundamente a autoestima.


O José, cansado e desiludido, sentou-se numa cadeira e pôs-se a observar os quadros. A Madalena fez o mesmo, mastigando um chiclete com a mesma intensidade com que há momentos lhe enrolava a língua na boca. Ele nem queria acreditar, gozado por uma garota e desprezado por uma estudante do Liceu armada em dirigente associativa zeladora da sua virgindade. Era mau de mais para ser verdade.


“Para o que olhas tu?”, perguntou-lhe a angolana, versão república popular. “Para nada”, respondeu-lhe ele com a fadiga e a deceção estampadas no rosto e refletidas na voz. “A mim parece-me que estás a olhar para essa ginasta loira que tem as pernas demasiado abertas. Ou melhor, parece-me que estás a olhar para o meio das pernas dela. Não te chegou?”, disse ela. E ele, cansado, retorquiu: “Praticar a sexualidade da maneira como nós o fizemos parece coisa de crianças quando brincam aos médicos ou aos namorados.”


Ela não disse nada, limitou-se a sorrir e a avisá-lo que lhe desse espaço para poder mostrar tudo aquilo de que era capaz enquanto ginasta. Como as calças lhe eram apertadas, despiu-as, despiu também a blusa, descalçou os sapatos e em cuecas e sutiã começou para ali a cabriolar em posições tão estranhas e arrojadas que o José chegou a temer pela sua integridade física. Ela só dizia: “Olha para mim. Olha para mim. Não te excito. Vês como sou boa. Eu também sou capaz de abrir as pernas tanto como a russa. Ou ainda mais.”


O José, tonto por ver a rapariga a rodopiar, a fazer a espargata, glosas e flique-flaques, mandou-a parar, antes que fosse tarde de mais, partisse algum membro e tivesse de a levar ao hospital.


Ela obedeceu. Foi sentar-se a seu lado e estabeleceram o seguinte diálogo: “Queres que te beije de novo?” “Não.” “Queres que te… como se diz em português de cá?” “Que te masturbe…” “Não, eu não estou habituada a chamar-lhe assim. Os meus colegas chamam-lhe outra coisa…” “Não.” “Mesmo.” “Sim.” “Sim, o quê? Que te mas…” “Não.” “Porquê?” “És má de mãos.” “O quê?” “Estou a brincar. Mais a mais, estamos aqui na presença dos maiores comunistas do mundo. Estão a olhar para nós. O Brejnev e o Alberto Punhal estão a olhar para nós.” “Sim, estão, mas não nos veem. Os dirigentes só veem o que lhes interessa.” “Não digas isso.”


Ela então levantou-se, deu mais uns quantos pulos e vestiu-se. O José também se levantou para a observar melhor. Ela então preparou-se para mais um assalto, pelo menos foi isso o que o José pensou. Pelo sim, pelo não, sentou-se de imediato. Ela sentou-se a seu lado. O José então contou-lhe que a sua excitação lhe tinha vindo diretamente da observação da real beleza do socialismo que as fotografias mostravam.


Ela riu-se e disse: “Excitas-te com pouco. E com mentiras.” “Como assim?” “Tudo o que aí vês é mentira. Ou melhor, todo o ar de felicidade que as fotografias espelham é falso. Eu já lá estive e vi. Os russos são um povo triste e desalentado. Vestem mal, comem mal, não têm roupa digna, não têm papel higiénico, nem sabão. Achas que uma sociedade avançada não é capaz de produzir papel suficiente para os seus cidadãos limparem o cu? Achas que uma sociedade desenvolvida não é capaz de fabricar sabão para o seu povo tomar banho? Os soviéticos estão tão contentes com o socialismo que se emborracham com vodka até caírem para o lado. Eu vi como muitos deles eram encontrados pela manhã mortos e enregelados, como as pescadas que vemos nos frigoríficos. Isto apesar das bebidas alcoólicas estarem praticamente proibidas. Bem, lá quase tudo está proibido. O que vês nas fotos é uma realidade fabricada. É tudo montagem. Eu vi o Brejnev na Praça Vermelha. Em relação ao que aí vês, o real tem mais cem anos. O Palácio de Inverno, o Bolshoi e alguns edifícios são idênticos, mas o resto é fabricado. É apenas um filme onde só passam as cenas bonitas. A grande maioria dos apartamentos é miserável, além de pequenos. A maioria deles são habitados por várias famílias. Os hotéis são miseráveis. As lojas não têm o que vender, quase não há carros. Lá é tudo frio…”


“Então como explicas as viagens espaciais, os mísseis, as bombas atómicas, os navios de guerra, as…”


“Pois, é isso mesmo: o comunismo soviético é apenas uma máquina de guerra. Para que ela exista o seu povo morre à míngua de pão, de liberdade, sabão e papel higiénico. O socialismo colocou um homem, uma mulher e uma cadela no espaço, fabricou bombas nucleares para destruir o mundo inteiro, mas foi incapaz de produzir máquinas de calcular para que os funcionários das lojas façam as contas. Na URSS usa-se ainda o ábaco.”


“Não acredito”, disse o José. “Nem eu quero que acredites tão depressa”, avisou-o a Madalena. “Senão eras bem capaz de pegares fogo a isto tudo. Leva-me a casa que estou cansada.”

 

“Queres que te leve às carrachulas?” “Às quê?” “Às costas.” “Não é preciso.”

 

20
Fev13

O Poema Infinito (134): o cavalo de sangue

João Madureira


Um cavalo de sangue galopa dentro do meu corpo fazendo do meu coração uma montanha vazia. Sou alguém que se perdeu no musgo denso das estrelas. De repente fico com a boca iluminada e inclino-me para a clareira densa do teu sexo. Todo o amor é uma loucura que o delírio purifica. Por isso é que o sémen é uma constelação densa. Por isso é que o silêncio arde nas nossas bocas que tremem e sussurram palavras reanimadas. Sinto a tua fragilidade dentro da minha fragilidade como se fosse uma estrela branca. O teu sorriso é de novo uma linha renovada. O espaço transforma-se de imediato num círculo vazio onde todas as imagens se reúnem para nascerem de novo.  E eu nasço com elas. Por isso, o meu corpo é uma flecha de murmúrios. Estou cada vez mais cercado pela espessa nitidez do teu olhar. E nele me afogo. Deus é um satélite do tempo que procura a sua identidade na ignorância imprevisível do desastre. A vida é um ponto vazio de sons e sombras onde germinam os abismos da matéria. As aparências apagaram-se-me dos olhos. As aparências apagaram-me os olhos. E as coisas oscilam e concentram-se e dilatam-se. E vacilam. Sou outra vez uma criança brincando na parte inacessível dos sonhos. E surpreendo-me com a inocência aberta do desejo. Por isso tudo se incendeia à nossa volta: o silêncio, o vento, as variações do dia, as tempestades do esquecimento, a terra árdua dos equilíbrios. A ausência. Toda a ausência é uma sombra dentro de outra sombra e esta dentro da claridade, daí as páginas se incendiarem com a criação e a destruição da poesia. Por isso as palavras sufocam nas gargantas dos humanos. Por isso todas as imagens ficam suspensas. Por isso a linguagem se apaga dos livros onde foi presa. A arca da aliança gravita na pobreza nua da verdade. Os nomes caminham pela senda dos bichos. A nossa forma animal estende-se para o futuro e acorda o desejo. O cavalo de sangue continua a correr dentro do meu corpo. Sinto-lhe o silêncio dos nervos. Por muito que galope nunca encontrará a fluência dos versos límpidos, nem as palavras de angústia, nem a vertigem das lágrimas. Aves frias trazem o som do silêncio e deixam-no cair no meio de gestos em chamas. As palavras caminham ávidas de corpos e de gestos e de delírios. As evidências crescem-nos na garganta. Trago nos olhos as marcas do deserto. Máscaras de água gritam a sua paixão líquida. Surge de novo o cavalo de sangue com a sua aflição milimétrica, com a sua limpidez única, com o seu fluxo de fúria. Do lado forte da vida brilham os declives como referências de paz. A mão prolonga a distância. É essa a fascinação do vazio: a longínqua proximidade do adeus. Os nossos corpos revelam-se na infinita contemplação da beleza. Por isso, o cavalo de sangue continua na sua incessante teimosia. Na sua incerteza exata de felicidade. Na sua passagem para um outro corpo imprevisível. A inocência mora tão longe que já não a conseguimos reaver. 

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