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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

26
Fev15

Poema Infinito (239): a Deus

João Madureira

 

 

Crescem nos campos os tolos, os fantasmas, os homens famosos, os sonhos ardentes, a escrita mais engenhosa, as casas velhas, as mulheres ardentes, os filhos já feitos, as couves, os intelectuais, a perfeição dos colegas e as ameixoeiras. As raparigas enlouquecem improvisando sonetos e música jazz, a poesia dança nas praias, as almas dividem-se e trepam pelos troncos das árvores mais altas, os príncipes ajoelham-se em frente das suas princesas e esfolam os joelhos no veludo áspero dos tapetes mais antigos. Declaram-se heroicamente perdidos. Depois deixam-se envolver pela música mais desesperada e constroem a partir daí o seu triunfo. O povo transporta os fardos e carrega os cestos para a festa. A revolução que está para chegar é precedida pelo cheiro a pólvora. Um pobre a cavalo chicoteia um mendigo que o segue a pé. Após a revolução, o mendigo monta num burro e chicoteia o pobre que o segue de joelhos. Os bardos cantam o tempo que se perdeu. Novas batalhas se irão travar. Dizem que o reanimado rei é melhor do que o anterior. Os seus soldados açoitam de forma diferente. Fazem-no apenas quando nasce e se põe o sol. Os economistas planeiam os números com novo vigor. Mesmo não se mexendo, parece que se mexem. A sua lógica é feita de mármore, ferro e bronze. As raparigas e os rapazes ficam pálidos por causa do amor. Tudo volta a ser imaginado. As camas ficam mais isoladas, a paixão desenha-se a prumo, a meia-noite adquire lábios vivos e ardentes, o caráter passa a ser como uma praça pública. Os homens do poder, armados com martelos e cinzeis, modelam o homem novo. Calculam a sua nova dose de vulgaridade, a sua indistinta retidão, o seu imprescindível nível de submissão admitida. Fornecem-lhes os sonhos e as mulheres vestidas dentro dos espelhos. Atravessam-lhes as cabeças com imagens de felicidade. Sentam-nos à sombra, arredondam-lhes a bondade e a vontade, programam-lhes os pecados e as virtudes. Tudo neles cresce como uma irrealidade, transformando-os em espelhos que se refletem noutros espelhos até ao infinito. Benzem-lhes as horas de trabalho e anunciam-lhes a grandiosidade das divindades que estão para chegar do além. Calculam os níveis de orvalho das madrugadas, a intensidade da chuva, a beleza necessária dos rios e dos mares. Escolhem os suspiros de amor, as canções para o coro dos anjos, os níveis de sal para as lágrimas de felicidade e para as de dor. Definem o imprescindível número de jovens mortos para conservar a pureza da literatura de amor. Abrem feridas nas fotografias de arte. Estampam águas atónitas nos olhos da realeza e rodeiam-na de golfinhos majestosos e sorridentes. Os seus gritos são doces, os seus passos ancestrais. Coros de anjos fazem perpassar as suas melodias por cima do clero que abençoa o rei e a sua coroa de louro e azevinho. As ninfas desnudam-se e copulam com os sátiros, perante a raivosa perplexidade dos cavaleiros do apocalipse. O amor voltou a cegá-los. Os construtores do novo mundo inundam-lhes a cabeça com ciúmes. O céu fica frio. Os seus desenhadores não conseguem iluminá-lo com a tradicional miríade de pontos cintilantes. Os homens ficam com os corpos inclinados e separam-se do seu tempo de paixão. É o sétimo dia da criação e o amor declina, os corações ficam inconstantes, Deus lamenta que a eternidade o aguarde de novo. Sente-se como um pastor na margem de um lago vendo cair as folhas de outono. A vida é um contínuo adeus.

23
Fev15

228 - Pérolas e diamantes: O Feiticeiro de Oz e Corin Tellado

João Madureira

 

 

À medida que vamos envelhecendo damo-nos conta de que tudo aquilo que consideramos de vital importância não é tão importante assim.

 

É errado o conceito que diz que um homem deve ser delimitado, imutável nas suas ideias, categórico nas afirmações que profere, inabalável nas suas convicções, perentório nos seus gostos, enfim, resoluto para sempre na sua maneira de ser.

 

Em vez de gritarmos que acreditamos nisto ou naquilo, o mais avisado será defender os nossos pontos de vista com um misto de convicção e ceticismo.

 

Andamos sempre com aquela inquietação que nos aperta a alma e que, por sua vez, nos comprime o corpo. E vice-versa.

 

A nossa vida não pode ser ditada pelo fatalismo e pelo destino.

 

Não podemos permitir que a inépcia e a tacanhez vagabundeiem por aí, proliferando pela cidade e pelas suas instituições.

 

Querem fazer-nos acreditar que a angústia é uma fonte de prazer e um padrão para a força do caráter.

 

Desconfio das pessoas que extraem da impotência dos outros a sua fonte de poder.

 

Fiquei perplexo com a mirabolante, para não dizer patética, história da celebração do amor pelas ruas da cidade, no evento “Aquae Amor – Chaves Romana”.

 

Veio-me logo à ideia o título da obra de Gabriel García Márquez, O Amor nos Tempos de Cólera. Não no sentido literal da doença sugerida no título do livro, mas antes no do sentimento para que nos remete a leitura do romance.

 

Da cólera do livro passei para a raiva que sinto pelo facto desta gestão autárquica celebrar o “Aquae Amor” (ai se o ridículo matasse!), em cima das ruínas do Centro Histórico de Chaves; da desqualificação dos serviços do nosso Hospital e do Tribunal; do desemprego da nossa população, sobretudo a mais jovem; do definhamento irreversível do nosso comércio; da anemia da nossa agricultura; da indigência dos esgotos a céu aberto em Vale de Salgueiro, Outeiro Seco.

 

E como se isso fosse pouco, agora, a seguir à “Sexta-feira 13” em Montalegre, considerada já a capital das Bruxas, Chaves, pela batuta do Procônsul romano António Cabeleira (ai se o ridículo matasse!), pretende passar a ser a cidade do amor.

 

É como passarmos do filme “O Feiticeiro de Oz” para uma fotonovela do Corin Tellado, com todos os riscos associados ao choque cultural que isso comporta.

 

Depois das “Sextas 13” barrosãs, o edil flaviense, teve a criativa ideia de organizar os “Sábados 14”, com os traços de originalidade e arreganho que todos lhe reconhecemos.

 

O Procônsul romano António Cabeleira, baseando-se na História, pretende oferecer aos flavienses pão e circo. Como gesto político é o paradigma perfeito desta gestão autárquica do PSD/João Neves.

 

Como se isto não bastasse, Chaves possui ainda uma oposição, dita socialista, que veio dizer-nos que o preço da água vai aumentar; e tem um poder, apelidado de social-democrata, que confirma a notícia. Ou vice-versa, o que vem a dar no mesmo.

 

Esta conversa da treta entre políticos tradicionais faz-me sempre lembrar um pequeno diálogo, muito ao jeito dos Monty Python, que li no livro Ferdydurke, de Witold Gombrowicz, que reza mais ou menos assim: “Eh, Eh, hum, então amigo, que tal? Que tal amigo?” “Que tal?” redarguiu o outro sujeito. – “Os preços baixaram.” “Baixaram?” – disse o primeiro sujeito. – “Tenho a impressão de que subiram.” “Subiram?” – perguntou o segundo sujeito. – “Acho que qualquer coisa baixou.”

 

Vivemos nesta triste realidade, comprimidos entre um poder camarário frouxo e ridículo e uma oposição dita socialista que não é capaz de se articular como uma alternativa credível, ou, pelo menos, com um projeto portador de forma e sentido.

 

É tempo de possibilitar a alternativa de um projeto realista e sério que nos tire deste atoleiro de vulgaridade política protagonizado pelo BCI (Bloco Central dos Interesses – PSD/PS). Basta da política do faz de conta.

 

 

PS – Seriamente inquieto e preocupado com o que vejo ocorrer de norte a sul de Portugal, incluindo necessariamente as ilhas, relativamente às contas autárquicas, às dos bancos e às do governo do país, venho, em nome de, pelo menos, mais de metade dos eleitores flavienses que votaram nesse sentido, solicitar ao senhor presidente António Cabeleira, e demais vereadores, que aprovem uma auditoria independente às contas da nossa autarquia. Quem não deve não teme. E à mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo. Assim poderemos todos dormir um pouco mais descansados.

 

PS 2 – E, já agora senhor presidente, talvez fosse boa ideia aprovar conjuntamente uma auditoria externa às contas da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, da qual foi digno presidente, até 2013, o atual vereador João Neves (ex-MAI e presentemente do PSD), pois quem não deve não teme; certos de que aquele que tão intrepidamente reclamou, durante toda a campanha eleitoral, uma auditoria às contas da Câmara de Chaves, com toda a certeza verá com bons olhos, e até aclamará de pé, uma auditoria realizada às contas do seu próprio mandato.

19
Fev15

Poema Infinito (238): as duas portas dos sonhos

João Madureira

 

 

Os pais são sábios como as casas. Por vezes parecem insensatos, levantam-se como se fossem estrangeiros e partem das cidades. Percorrem os campos como se fossem servos. As mães indicam-lhes novos caminhos. Chegados a outras cidades, procuram os portos, entram nas ruas estreitas, visitam as tabernas e os templos. E sonham com arcos e flechas como se fossem guerreiros antigos. Depois embarcam em negras naus e agarram-se aos remos e aos mastros e vomitam. São homens da terra, feitos de giestas e urzes. Ninguém os censura, nem Deus. A sua alegria é cinzenta como o mar. A sua tristeza é cinzenta como o mar. Por vezes encontram indivíduos errantes que rezam repetidas súplicas. E choram. Lembram-se de serem estrangeiros na sua própria terra, de regressarem às suas aldeias mesmo antes de partirem, de reconhecerem as suas crianças, de caminharem pelos bosques, de se deitarem à sombra dos choupos na beira dos atalhos, de se deixarem ali ficar esperando o tempo e a sua magnanimidade. Chegam então os guerreiros do desespero, cercam-lhes as torres e os pátios, atravessam as ruas, deitam abaixo os portões das casas e atravessam as salas para se sentarem à lareira como se viessem das florestas geladas do norte. Adoram o fogo e apaixonam-se pelas mulheres que fiam lã da cor púrpura dos mares. À sua volta sentam-se as servas. Passam a idolatrar um homem que se senta numa cadeira alta, que bebe o vinho oferecido pelos devotos, abraçando as mulheres que se ajoelham na sua frente pedindo que as fecunde. Esse deus diz-lhes que a alegria se esconde sempre no tempo do regresso. Depois vão para os portos e embarcam em naus. Ficam tristes e vertem lágrimas. O vento incha as velas. Os homens tentam ser como a água profunda. Esperam que o sol se afaste, para se cobrirem de trevas. As naus chegam aos confins dos oceanos, onde encontram novas terras e novas cidades cobertas de neblina e nuvens. O sol resplandecente nunca ali entra, os seus raios perdem-se no brilho inóspito do firmamento. Um terror pálido apodera-se dos homens. Nunca viram tantas almas juntas. As almas dos mortos. As almas de mulheres jovens, mancebos, velhos e velhas. E de crianças. É-lhes difícil contemplar esses lugares. Os rios são grandes e assustadores. O tempo é como uma cova negra. Os pais permanecem nos campos, não descem às cidades, não possuem camas, dormem no chão como se fossem o inverno. Nenhum cumpre o seu destino. O que lhes aumenta a dor. Ficam todos velhos de repente. As suas mãos transformam-se em sombras. As palavras fogem-lhes da boca. Os seus sonhos possuem duas portas e são preenchidos por olhares vazios. Os estrangeiros asseguram sempre a desgraça dos autóctones. Os homens são involuntariamente tolos. Por isso ficam ansiosos e planeiam voltar às suas terras, mas a viagem de ida foi tão longa que já não têm coragem de se aventurarem no regresso. O mar afinal também é cinzento como a sua tristeza. E como a sua alegria. O sol resplandecente rouba-lhes a vitalidade. Presos no seu destino, veem chegar todas as mulheres em grupos, em grandes lamentações, derramando lágrimas, encostadas umas às outras, procurando os seus novos maridos como se já estivessem mortos. Lavam-nos com esponjas embebidas em lágrimas. Por fim, dormem com os seus pretendentes. Outro mundo vai ali nascer. A infelicidade é infinita. A felicidade também.

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