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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

30
Mai16

292 - Pérolas e diamantes: o químico e o alquimista

João Madureira

 

 

 

Ao nível da informação em Portugal foi sempre difícil definir o que é o dito interesse público. Quase toda a gente confunde, ou quer confundir, o interesse público com o interesse do público. Cada um escolhe à vez o que lhe dá mais jeito no momento. Mas o que acaba sempre por se impor é o imperativo das audiências. E lá vai o interesse público às malvas. E também a quem é que isso importa?

 

Temos que convir que o equilíbrio nem sempre é fácil. Mesmo a televisão pública tem de ser feita com público.

 

Mas ao que assistimos, tanto nas estações públicas como privadas, é à conjugação dos seus próprios interesses com os interesses dos anunciantes.

 

Há uma lei muito citada no jornalismo, chamada de McLurg, relativa ao facto de a distância geográfica, logo emocional, condicionar o interesse do público, que diz o seguinte: Na imprensa, a morte de um inglês equivale à morte de 5 franceses, de 20 egípcios, de 500 indianos e de 1000 chineses.

 

Dou um exemplo que todos entenderão. A notícia dos acontecimentos de 12 de novembro de 1991 em Díli, onde foram massacradas 200 pessoas pelas autoridades de ocupação indonésia, com expressivas imagens de jovens refugiados na capela do cemitério a rezarem em português, teve um maior impacto e bem mais prolongado destaque em Portugal e nos países de língua portuguesa do que recebeu, três anos mais tarde, o massacre de um milhão de tutsis pelos hútus, no Ruanda.

 

Mas voltemos, com vossa licença, aos níveis de audiência e à mentalidade que os enforma.

 

Nos dias de hoje, o mercado é reconhecido como a instância autêntica de legitimação. Mas se olharmos para a história veremos que todas as produções culturais que todos reconhecemos como sendo as produções mais altas da humanidade, a literatura, a poesia, a filosofia e mesmo a matemática, todas elas foram produzidas contra a lógica do comércio.

 

Os entendidos nestes temas defendem que o serviço público deve implicar “complementaridade face aos difusores públicos”, promovendo a variedade da oferta e da promoção cultural local. Segundo um diretor de pesquisa da BBC, “a sensibilidade do público deve ser auscultada no exterior da própria lógica da medição de audiências”.

 

Como diz Bachelard, “todo o químico deve combater em si o alquimista”.

 

Francisco Rui Cádima, citado por Adelino Gomes, propõe que a RTP complemente a audiometria com uma espécie de “qualimetria” que permita ponderar “a apreciação dos telespectadores sobre a organização das grelhas, sobre os programas concretos e ainda sobre géneros e programas que habitualmente não estão nos melhores segmentos horários”.

 

À proliferação desmesurada de chavões como “mercado”, “custos”, “concorrência”, “consumidores”, “contribuintes”, devemos contrapor os conceitos democráticos e civilizacionais de “interesse público”, “qualidade”, “cultura”, “independência”, “cidadania”.

 

E convém não acreditar muito nos gestores da causa pública pois todos sabemos que as pessoas não fazem necessariamente o que dizem, nem dizem o que fazem.

 

Por alguma razão os autores do atentado das Torres Gémeas levaram a cabo o ataque numa hora em que o terror pôde ser transmitido em direto nos telejornais matutinos da América, nos telejornais da hora de almoço da Europa e nas notícias da noite na China. Como diz Vicente Verdú, “a aspiração máxima de uma notícia é a de ser como uma superprodução de Hollywood que atraia milhões de olhos.”

 

Afinal nós acreditamos mais na televisão do que na realidade.

 

Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, afirmou que nos anos 80 se verificou o auge da capacidade de absorção da informação. E questionou o seguinte: “Não teremos atingido uma fase em que o aumento da informação já não provoca aumento de liberdade? Mais preocupante ainda: Não estaremos a chegar a um mundo em que o aumento da informação provoca uma diminuição da liberdade, mais confusão, mais desinformação?”

 

Não se esqueçam das palavras de Ryszard Kapuscinsk: “De um modo geral, a conquista de cada bocadinho da nossa independência exige uma batalha”.

26
Mai16

Poema Infinito (304): palavras e contextos

João Madureira

 

 

Faço as perguntas que me levam ao silêncio. Esculpo folhas com o olhar, burilo os ramos, enquadro os canteiros e acaricio as cantarias lavradas pelos meus antepassados. Basta tocar nas pedras para elas se abrirem ao tempo, para adquirirem a forma rosácea da eternidade. Os gestos do espírito são matéria pura. Quando as mãos se materializam no sonho alcançam a arte maior. Talham a neve, decantam o frio, lavram no amor a imperfeição que o torna atraente, fazem brilhar a delicadeza extenuante dos afetos. As palavras mais frágeis caem-nos nas mãos como pássaros de inverno. Essas palavras atraem um pouco mais de matéria, ganham peso e tombam tentando amparar-se sobre as asas. A morte insufla-lhes a consistência inútil da queda. O seu triunfo é o seu sofrimento. As palavras ciciam segredos umas às outras, falam da sua condição de sementes, da sua ciência estelar, do aumento da sua massa e da perda do seu peso estrutural. E ali ficam suspensas, irradiando uma espécie de luz continua que ilumina os poetas. As suas vozes poem-se a brilhar, sozinhas, germinando eternamente, amparadas pelos sinais de pontuação. A lei dos corpos vivos é atraírem a morte. Das palavras sai a matéria de que somos feitos. Com a sua verdade erguem-se os castelos de nuvens, iniciam-se revoluções e escrevem-se todos os tratados da incerteza. As palavras mais corajosas já vão lá mais ao longe, fazendo o caminho, observando as palavras paradas que se limitam a observar quem passa com um sorriso safado nos lábios. Nem parado as entendo, quanto mais quando ando de um lado para o outro como um gato desinquieto em busca de uma pássara. As palavras mais sofredoras detêm-se no caminho com a respiração ofegante, ouvindo com prazer o seu coração bater apressadamente como se estivessem a desfalecer depois de uma corrida ou após se terem apaixonado pela paixão de Simão Botelho por Teresa de Albuquerque e de Mariana da Cruz por Simão Botelho e dos três pelo seu amor de perdição. Outras já estão tão cegas como o Camilo nos seus últimos dias, mas não possuem nem metade da sua coragem. Dizem que ainda veem alguma coisa e dão voltas e mais voltas agarradas umas às outras para não se perderem no escuro na noite, dizem elas, apesar de ser dia e de a luz ser tão forte que estraga as fotografias. O seu saber é parado. Nem eu as entendo, nem elas me entendem a mim. As palavras exatas nem sequer começaram a caminhar. O poema, por trás delas, cava um buraco e faz pela vida. Provavelmente aparecerá um pouco lá mais à frente disfarçado de toupeira. As palavras exatas gostam de separar o som, o tom e a magia. Com elas, tudo parece perfeito, mas tudo está errado. Outras palavras amam os ritos, recebem uma espécie de linguagem e transformam-na noutra sem que ninguém se aperceba. São as que repousam na boca dos logocratas e dormem quentinhas nos seus cérebros eruditos junto com os anjos e os deuses. E ainda há outras que lustram os elementos, acendem e apagam os corações dentro do peito, fazem borbulhar o tempo, incomodam os ditadores, os parvos e os fundamentalistas e gostam de ser murmuradas. Por vezes afloram de forma única e espontânea e deixam-se apanhar disfarçadas de borboletas. Há quem as semeie nos campos e depois as lavre com paciência de camponês. Mas as minhas preferidas são ao que parece pobres mas quando são tocadas com sabedoria transformam-se em brasa, mexem-se ao ritmo louco das marés, convertem-se em torrente e fazem incisões profundas em quem as ama e em quem é amado por elas. Quem me olhar com um pouco de atenção poderá observar vestígios dessas palavras espalhados por todo o meu corpo.

23
Mai16

291 - Pérolas e diamantes: as lindas carícias dos avarentos

João Madureira

 

 

Uma das reações, que face à história, sempre me incomodou tem a ver com a forma de configurar o passado como sendo confortavelmente distinto do tempo que nos toca viver.

 

As sociedades que nos precederam são definidas como menos sofisticadas, mais rudimentares, austeras e estranhas. Tais atitudes apenas revelam um desejo coletivo de tranquilizar o cidadão moderno através do aviltamento das práticas do passado.

 

As guerras santas que grassam por esse mundo fora demonstram-nos que, mesmo cedendo ao lugar-comum, a história repete-se, primeiro como tragédia e depois como farsa.

 

Muitas vezes dizem-me, não sei se em forma de sarcasmo ou de elogio: “Não mudaste nada. Tens ainda a mesma aparência, o mesmo feitio”.

 

Penso cá para mim: “Os cegos por vezes também veem. Ou pensam que veem. Talvez não tenha mudado na aparência, aparentemente. Mas mudei em profundidade. A aparência está para chegar. Mas já não será aparência.” Depois sorrio interiormente. A idade permite-nos certos devaneios.

 

Sinto-me como Nino Sarratore, um personagem de Elena Ferrante, a viver num país provinciano onde todas as oportunidades são boas para nos queixarmos, mas entretanto ninguém arregaça as mangas para organizar as coisas e pô-las a funcionar.

 

Por cá mexe-se muito na vontade das pessoas, sempre com o intuito de retirar delas o que mais nos apetece, ou o que nos dá mais jeito. Aprendemos com os bonecreiros o poder de pôr tudo à cabeçada, ou à gargalhada. Levamos ao extremo a arte de agradar que, bem vistas as coisas, não passa da antiga arte de iludir.

 

A vontade das pessoas extingue-se como um fulgor, dissipa-se logo ao virar da esquina. Acariciamos a arte como o avarento faz ao ouro. Possuímos o mesmo sentido de partilha.

 

Damos nas vistas sempre fechados sobre nós próprios, metidos dentro da nossa escuridão pensando que é fulgor.

 

O segredo de manter um lugar consiste em nos movermos quando a populaça se move. O poder gosta de separar a história das suas personagens. E difunde a ideia que não se atraiçoa na política, pois a traição é coisa de novela de aventuras.

 

Aos mais crédulos gosto de lembrar um provérbio escocês que diz que não devemos tocar num felino sem pôr luvas.

 

Há mesmo aqueles que, usando luvas, continuam com as mãos gélidas. Aprendi com Machado de Assis que ninguém finge as mãos frias.

 

Um mestre de Teologia perguntou a um dos seus discípulos se um dia alguém lhe desse um presente e ele o não aceitasse a quem pertenceria esse presente. Ele respondeu que continuava a pertencer a quem o pretendia oferecer. Então o mestre disse que o mesmo é verdadeiro para a fúria, a raiva, a injúria e a inveja. E rematou: “Quando não são aceites continuam a pertencer a quem os carrega consigo.”

 

Conciliar princípios é uma atitude digna, mas creio agora que conciliar homens é, apesar de tarefa mais difícil, uma atitude bem mais sensata e proveitosa.

 

Há um velho ditado árabe que diz: “Não sejas tão mole que te espremam nem tão duro que te partam.”

 

Definitivamente, o mundo não se divide entre bons e maus, progressistas e reacionários. Nós e eles. O mundo real está cheio de grandes combinações cromáticas, que até costumam derivar para outros tons quando se misturam entre si. No mundo real não existe só a cor cinzenta da uniformidade.

 

Por hoje remato com outro axioma muçulmano. Pergunta: “O que é que sugeres para eu castigar um difamador?” Resposta: “Corta as orelhas a todos os que escutam as suas mentiras.”

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