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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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28
Nov16

317 - Pérolas e diamantes: elogio da vaidade ou a necessidade de entrar no espírito da coisa

João Madureira

 

 

N’As Farpas, Eça de Queirós apelava a que devíamos rir, ora pois, já que o riso é uma filosofia. Ou, talvez ainda mais do que isso, “o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião”.

 

Afinal, na Web, por muito que isso custe a uns poucos, os dichotes de um patusco valem tanto como as ideias de um génio.

 

De facto houve uma mudança de paradigma: a cultura é cada vez mais a cultura da informação, como muito bem diz o poeta árabe Adonis.

 

Não conhecemos a estrada a não ser no fim de a termos percorrido.

 

Existe uma coisa esquisita denominada criptomnésia, que é, no fundo, a crença de que um pensamento é novo quando na verdade é uma memória, ou seja, pensamos que por vezes criamos uma coisa muito interessante mas que, afinal, não passa de um plágio.

 

Quando se acaba um curso e se pensa que agora é que se vai viver, que finalmente se vai pôr a circular esse capital de conhecimentos adquiridos com muito custo, acabamos por chegar à triste conclusão de que a maior parte não nos servirá para nada na vida.

 

Todos sabemos que, por exemplo, a economia política afinal apenas serve para iludir e mentir às pessoas. E que a geometria é boa para desenhar rotundas com que os autarcas enxameiam as vias das nossas cidades, esquecendo-se dos buracos que se vulgarizam pelas estradas como se fossem uma praga daninha.

 

E para que raio serve a História? Para nos deprimir, com toda a certeza.

 

Estudamos que numa determinada época houve terríveis calamidades e que o homem foi infeliz. E que mais à frente no tempo a situação se repetiu. Estudamos que o homem reuniu forças, que trabalhou, que labutou e sofreu imenso, para melhorar a sua sorte.

 

E quando as calamidades descansam um pouco e a história faz uma pausa, eis que surgem novamente as nuvens negras, que os homens morrem de novo como as moscas no inverno, que as casas são todas destruídas, que a guerra se impõe outra vez.

 

Afinal, dizem-nos, a vida continua, sempre a correr, sempre a acontecer, e depois ocorre nova destruição a que se segue mais destruição.  

 

A intervalos regulares aparecem os poetas, com a sua mensagem feliz, enaltecendo o florescimento das novas forças do progresso e da liberdade. Urge, dizem eles, ter esperança na existência, desejar o bem, ter coragem, ser ativo, discursar corretamente e escutar com paciência as prédicas dos outros. E deixar correr, por vezes, algumas lágrimas de felicidade.

 

No fundo enchem-nos a cabeça com um complicado arquivo de coisas e pessoas mortas, com épocas já idas, com datas e números justificativos do triunfo da razão, com o devir das religiões e com todas as problemáticas subsequentes.

 

Resumem-nos a vida a uma tríade: nascimento, casamento e funerais.

 

Depois subdividem de novo a argumentação, distinguindo a alegria da tristeza. E toca-nos então preencher os espaços vazios com os batizados, os aniversários, as festas familiares, os jejuns, as almoçaradas pantagruélicas, as reuniões de amigos, os cumprimentos, as felicitações, as lágrimas e os sorrisos.

 

Por vezes bocejamos por iniciativa própria e outras vezes por ver bocejar os outros. Por vezes rimos para não chorar e outras choramos para não rir. Uns limpam as lágrimas, outros assoam-se, outros tossem e os mais finos espirram, mesmo que seja a custo.

 

Viver em sociedade depende do estado de espírito. Nós a tudo nos acostumamos. Por vezes uma melodia cantada por um cantor roufenho tem até mais encanto do que o próprio Sinatra. Por vezes emocionamo-nos com Marco Paulo e tapamos os ouvidos quando soa uma peça relevante de Mozart. Depende do estado de espírito. De entrar no espírito da coisa.

 

Toda a gente tem vaidade. E muita. Dizem os mais avisados que se calhar é ela o único motor da vontade.

 

É dos vaidosos que reza a História.

24
Nov16

Poema Infinito (330): a nova infância das máquinas

João Madureira

 

 

As realidades são agora mistas. Os sonhos estão trocados. As impressões são longínquas. Algures na vida, alguém é embrulhado e substituído. O sol que entrava pela janela abandonou o seu lugar. As crianças já não querem compreender o mundo. Não comem pão com manteiga, não brincam ao berlinde ou ao peão. Jogam nas máquinas que são jardins de terror. A sua infância encosta-se à parede e espera que chova lá fora. As lágrimas saem já mortas dos seus olhos. Os palhaços não riem nem nos fazem rir. Os bobos fazem de mortos. As charadas têm agora o ritmo mecânico dos computadores. Os sorrisos soam como martelos pneumáticos. Os serões da província adquiriram o sabor a óleo de fígado de bacalhau. Os pescadores já não pescam e os lavradores já não lavram e por isso todos deixámos de entender as parábolas cristãs. Os amantes namoram dentro de uma realidade virtual. Os cães e os gatos têm os músculos cansados de tanta obesidade. Foram substituídos por tamagotchis. Os frangos, os porcos e as vitelas nascem já devidamente pontilhados com as formas com que vão ser recortados quando atingirem o peso ideal de ração e água com abrilhantador. O mar adquiriu a ondulação perfeita com que pretende ser fotografado e filmado. Os poetas sentem a saudade parada depois de tanto exercício físico tendo em vista participar nas olimpíadas das feiras e das festas literárias. Os poemas expõem as suas paixões com o coração fora do peito. Deus e o Diabo disfarçam-se um do outro sempre que lhes dá jeito, ou a isso são convidados. As constipações são metafisicas, os antibióticos inúteis, as malas arrumam-se dentro das próprias viagens, a vontade espera por um comboio que já não vem, as ações já não têm consequências e a alma adquiriu uma epiderme carregada de angústia. A liberdade tornou-se num acidente inconsequente e superficial. Os libertários tornaram-se monótonos e repetitivamente dorminhocos. Todos viajam sem sair do lugar. A raiva é um produto que se transporta nas algibeiras. As brisas de verão já não são agradáveis, limitam-se a ser inconsequentes. A lógica das coisas deixou de ter nexo. Só o sossego é exagerado. Os carinhos e os afetos são apenas memória. A tristeza já não é uma coisa séria. A alegria já não é uma coisa intensa. Já não existem pares românticos, nem ciúme, nem amor. Todo o saber se arrumou em bibliotecas que ninguém visita. A vida arruma-se em prateleiras. Nada é definitivo, nem provisório. É tudo assim-assim. Não há ricos nem pobres, nem hinos que se cantem, nem relógios que consigam medir o tempo.  O tempo é a nova ordem da economia. Os novos profetas sentam-se em secretárias e falam para câmaras instaladas em computadores. O destino nasce já cansado dentro dos bebés cansados que foram paridos por mães cansadas e que foram inseminados artificialmente porque até uma ereção de jeito dá muito trabalho a produzir. O desejo transformou-se num objeto. Já não existe silêncio, apenas se escuta o ruído produzido pelo Big-Bang e amplificado por pesados altifalantes. Esta é a nova música clássica inventada no primeiro momento da criação. Nem sequer resta um pouco de energia para fumar um cigarro, beber um copo de vinho ou desejar bom-dia ao nosso vizinho que já ninguém sabe se mora longe ou perto. Tenho sono mas não durmo, tenho fome mas não como, tenho sede mas não bebo, tenho ereções mas não copulo… A madrugada é tão inútil como o anoitecer. A glória é o próprio momento. Já ninguém consegue morrer de amor. Shakespeare tornou-se inútil. E Cervantes ainda mais. D. Quixote e Sancho Pança travaram finalmente um duelo de morte.

21
Nov16

346 - Pérolas e diamantes: a arrogância é sempre má conselheira

João Madureira

 

 

Durante a campanha eleitoral americana ouvi alguém dizer, amargurado: Entre os dois candidatos, venha o diabo e escolha. E foi isso o que aconteceu. Agora os ditos liberais que descalcem a bota. Se é que podem.

 

No dia da derrota, Hillary Clinton, que poucos admitiam poder ser derrotada, pôs fim à sua carreira política de maneira inglória, decidindo não falar aos apoiantes e ao mundo, quase os culpando do seu desaire eleitoral. Saiu pela porta baixa. O que é inexplicável vindo de quem sempre se afirmou democrata.

 

Contrariando as sondagens, o multimilionário Donald Trump chegou mesmo à Casa Branca e com uma vantagem que ninguém esperava. O seu discurso de vitória foi um ensaio de reconciliação com a América, pena foi que estivesse vazio de conteúdo. Mas ninguém pode dar aquilo que não tem.

 

Carlos Gaspar, investigador de Relações Internacionais afirmou ao Expresso que “só os mais crédulos admitem que Trump desistiu do seu programa”.

 

No fundo, os americanos entenderam que o programa político de Obama estava esgotado e que Hillary Clinton era mais do mesmo. A senhora cometeu dois erros graves: tratou sempre arrogantemente os apoiantes de Trump e resolveu mesmo imitar o adversário, quando desceu ao nível dele, não o cumprimentando no último debate.

 

Todos os jornais diziam que a vitória de Trump era impossível. Quase todos os jornalistas, e a esmagadora maioria dos comentadores e seus congéneres, se limitaram a viver no seu condomínio fechado em círculo onde reproduziam as mesmas piadolas pretensamente liberais, as mesmas ideias pré-fabricadas, as mesmas intrincadas narrativas, a sua facciosa e delirante maneira de ver o mundo, a sua realidade irreal, que depois vendiam às pessoas como se fosse a verdade mais objetiva do mundo.

 

Podem não gostar do Trump, e até possuem muitas razões para isso, mas também têm o dever de perceber a realidade e as pessoas que votaram no vilipendiado republicano. E quando as suas teses não resistem ao embate com a realidade, podem e devem fazer-se encontrados com ela. Ficávamos todos a ganhar.

 

As últimas sondagens americanas diziam que Trump tinha cerca de 35% de probabilidades de ganhar. Mas afinal venceu. E a onda de choque que varreu o mundo logo após a declaração de vitória pelos media foi diretamente proporcional à arrogância das elites ditas progressistas. Mais uma vez não quiseram, ou não conseguiram, ler a realidade e perceber o mundo que os rodeia.

 

Andaram tempos infinitos a diabolizar o adversário da “sua” candidata Hillary, a dizer que só os imbecis, os idiotas e os estouvados votavam no “abominável” homem do capital. Limitaram-se a confundir o seu desejo com a realidade de um povo. Alimentaram-se de distintos preconceitos.

 

Afinal as mulheres abandonaram a candidata democrata e votaram maioritariamente em Trump, os afro-americanos e os latinos não votaram maciçamente em Clinton como se esperava e a grande parte dos brancos educados mantém-se fiel ao Partido Republicano.

 

Hillary Clinton perdeu porque se enfiou dentro da sua bola de cristal e limitou-se a acreditar nas pitonisas de serviço: o New York Times, a CNBC e a CNN.

 

Desta vez, estes poderosos órgãos de informação foram mesmo parte ativa na estratégia da campanha Democrata, em nome da sua superioridade ética e informativa.

 

E nesta dinâmica de derrota, Hillary arrastou consigo o Presidente Obama e o Partido Democrata: perderam de uma assentada a Câmara de Representantes e até o Senado. E vão deixar de controlar o Supremo Tribunal.

 

Neste frenesim, o próprio Obama rompeu todas as convenções para se transformar no speaker de Hillary. No que foi acompanhado por Michelle Obama e até pelo ex-Presidente Bill Clinton.

 

A isenção necessária foi sacrificada no altar das conveniências e das lógicas de poder.

 

Esta vitória de Trump traz para o debate político várias e preocupantes evidências: o declínio da democracia, o bloqueio do sistema político, a importância do dinheiro na ascensão ao poder, o aumento das desigualdades, as questões de identidade, o crescimento significativo das minorias étnicas, a emigração desenfreada e caótica, as questões fraturantes como a legalização do aborto, os direitos dos homossexuais e o consumo das drogas.

 

Ninguém pode negar que existe uma vaga populista, que em alguns casos é mesmo extremista, que se está a espalhar um pouco por todo o lado, desde a América até à Europa de Leste.

 

A atual elite no poder tem necessariamente de pensar se realmente representa o povo ou se está essencialmente preocupada em representar-se a si própria e aos seus interesses bem como os dos grupos económicos onde se apoiam. 

 

Por alguma razão, o eleitorado americano brindou os Democratas do seu país com o pior resultado eleitoral desde 1979. Se os ditos progressistas e liberais continuarem a não considerar este um resultado muito negativo, então é porque insistem em viver na sua realidade paralela. Mas não será por muito tempo. Oxalá me engane.

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