Poema Infinito (356): O amor inflexível das mães
Compreendo as palavras, mas não as consigo traduzir ou dizer. Eu sou a tua língua. Menciono o amor e a morte. Compreendo também a altura dos montes, a explicação das aves, o movimento das ondas, as janelas fechadas e a comunhão simples das crianças. Compreendo o lenhador, o machado que traz consigo e o cântaro que leva a água na cabeça da mulher. Sinto-me bem a ouvir a tua voz. Sinto-me bem observando as palavras a navegarem e os pescadores a deitarem as suas redes. O caçador deita-se à espera da sua presa e adormece. Compreendo as almas que tomam conta dos corpos. Caem nas ruas as folhas das árvores como se fossem cartas de Deus. Os anciãos pressionam as portas com as mãos e reclinam-se ao andar. Os melões e as melancias crescem nos campos. Toco com os lábios a polpa dulcificada das pavias. Oiço o murmúrio das estrelas e apercebo-me da perpétua mudança do Sol. Tudo parece excesso. O outono tomou conta da floresta. A Lua desce para o seu abismo e sussurra para o crepúsculo. Sinto o lamento incompreensível dos ramos secos. Oscilam os símbolos sobre a terra. O passado e o presente perdem força enquanto o futuro nos escuta. Falamos sobre o momento de irmos embora. Tentamos atrasar o dia. As imagens do tempo tornam-se intraduzíveis. Os caminhos estão cobertos de sombras. O mundo está de novo em ascensão. Os filhos são um renovado prelúdio. Sente-se a essência da vida, a ressurreição dos instintos, os círculos rotativos de tudo aquilo que é novo. O silêncio é a principal razão dos prodígios. Brincamos com a razão. Decidimos glorificar os rios, as vozes que ressoam, os cânticos da procriação, a ânsia irresistível da atração. O teu corpo é complementar do meu. Cheira a maçãs e a limões. As aves acasalam. A humidade penetra nos bosques. Aproximo-me da tua forma feminina e a carne treme de amor. É uma espécie de dor divina. A paixão é uma espécie de frio que nos causa febre. Voltaremos a este lugar pela hora das estrelas resplandecentes. Os mais profundos sentimentos escondem-se dentro dos corpos mais frágeis. As mulheres levam a merenda aos seus homens. Os homens comem das cestas descobertas e bebem o vinho pelas cabaças. As mulheres acariciam os seus filhos. Os rapazes sacham o milho e as batatas. O pastor acaricia as vacas e leva-as a beber no tanque do chafariz da aldeia. Alguns dos homens descansam à sombra em cima das samarras estendidas no chão. Sonham em ir à pesca e à caça. Depois olham fixamente para as suas mulheres e adormecem por instantes. O tempo senta-se ao seu lado. Pensam em como manipular a mentira pois aprenderam que a verdade é ingovernável. A natureza reflete-se na sua alma. Os equilíbrios são instáveis. Tudo na vida é instável. Os homens inclinam a cabeça, descruzam os braços e beijam as suas mulheres. A sua rudeza é feita de timidez. Os prodígios cabem todos dentro da sua imaginação. A sua glória confunde-se com o seu suor. Murmuram os seus gritos. As mulheres esperam por eles com o sexo cheio de intenção e desassombro enquanto cantam lindas canções seminais. Orgulham-se do mistério da maternidade. Deliciam-se com a esperança dos campos fertilizados. Afastam de si a insensibilidade da vergonha. São sempre inflexíveis no amor e fiéis nos partos. Procuram as colheitas do seu amor na ternura que dedicam aos filhos. Em si, a natureza é espontânea.