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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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22
Mai17

343 - Pérolas e diamantes: Tudo é relativo

João Madureira

 

 

 

Esta situação aflitiva e inverosímil ligada aos casos mediáticos de corrupção passiva para a prática de atos contrários aos deveres do cargo, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, falsificação, recebimento indevido de vantagem e tráfico de influências imputada a políticos, banqueiros e fauna similar, faz-me lembrar o velho provérbio brasileiro de “quem rouba pouco é ladrão e quem rouba muito é barão”.

 

Mas hoje não quero ir por aí. Prefiro viajar até ao Brasil e lembrar que D. Pedro foi acolhido no Rio de Janeiro, por volta do ano 1821, no tempo da “Independência ou morte” de forma esfuziante. O então Perpétuo defensor do Brasil apercebeu-se de que eram justos os clamores do povo fiel que “preferia um inimigo declarado a um amigo traidor”.

 

Prefiro cair no meio da revolução republicana e, através da leitura de Machado de Assis (Esaú e Jacó), assistir de palanque à condição humana no meio do rebuliço.

 

Aí se narra o hilariante caso do senhor Custódio, proprietário de uma pastelaria, que mal tinha acabado de encomendar uma nova tabuleta para a sua tradicional “Confeitaria do Império”, é informado que no Brasil tinha triunfado a República.

 

Mandou recado ao mestre pintor para interromper o trabalho, que na altura em que o tinha visto pela última vez, exibia a palavra “Confeitaria” e a letra “d”. Pensava que a letra “o” e a palavra “Império” estivessem ainda apenas delineadas a giz. No entanto, para desespero do senhor Custódio, o trabalho já estava terminado.

 

Por que necessitava de uma nova placa, Custódio procurou a ajuda do Conselheiro Aires. Sugeriu que o nome passasse para “Confeitaria da República”. Mas ficaram com medo de que em poucos meses pudesse existir nova revolta e mais uma vez o nome do local tivesse de ser alterado.

 

O sábio Conselheiro sugeriu então o nome “Confeitaria do Governo”, que calhava bem com qualquer regime. No entanto concluíram que qualquer governo tem oposição e que se ela fosse das boas poderia despedaçar a tabuleta.

 

Aires arriscou sugerir que Custódio deixasse o título original: “Confeitaria do Império”, acrescentando apenas “fundada em 1860”, a fim de acabar com as dúvidas.

 

Mas “parecia que o confeiteiro, marcando a data da fundação, fazia timbre em ser antigo”, o que naquela época de modernidade não soava lá muito bem.

 

Decidiu-se então pelo próprio nome do dono: “Confeitaria Custódio”. Terminava assim a complexa conversação. «Gastava alguma cousa com a troca de uma palavra por outra, “Custódio” em vez de “Império”, mas as revoluções trazem sempre despesas.»

 

Problema bicudo surgiu com a escolha de um novo Hino Nacional. O vencedor do concurso foi o Hino da Proclamação da República. Apesar das modernices, o velho marechal Deodoro disse “preferir o velho”, embora existissem suspeitas de que o autor fosse D. Pedro I. Mesmo a Bandeira Nacional, a despeito das interpretações surgidas posteriormente de que o verde era uma referência às matas do país e o amarelo uma alusão às riquezas minerais, seguia ostentando os seus vínculos com a tradição imperial: o verde, cor heráldica da Casa Real Portuguesa de Bragança; e o amarelo, cor da Casa Imperial Austríaca de Habsburgo.

 

Mas as mudanças eram claras: o indígena, símbolo dileto do Império, foi substituído pela figuração republicana de uma mulher heroica. Deste modo, nada ficava como dantes.

 

Coisa de somenos foi o debate em torno do direito de voto. O que era bom tinha de se manter. Como nos bons velhos tempos do “Império”. Só seriam considerados eleitores os brasileiros adultos, do sexo masculino (apesar da heroica figura republicana), que soubessem ler e escrever. Além do voto das mulheres, estava proibido o voto dos mendigos, dos soldados, praças e sargentos, e dos integrantes de ordens religiosas que impunham renúncia à liberdade individual.

 

Nesse republicano e democrático sistema eleitoral três tipos de procedimentos ficaram famosos. A eleição de “bico de pena”, que significava o não reconhecimento do eleito pela Comissão de Verificação da Câmara dos Deputados – procedimento que eliminava os adversários, anulando a sua eleição. O “voto de cabresto”, que era um ato de lealdade do votante ao chefe local. E por fim, o “curral eleitoral”, que aludia ao barracão onde os votantes eram mantidos sob vigilância e ganhavam uma boa refeição, só saindo dali na hora de depositar o voto – que recebiam num envelope fechado – diretamente na urna.

 

Depois veio a ditadura. O general Geisel foi das mais proeminentes figuras da repressão.

 

Em 1977, posto perante as perguntas dos jornalistas sobre os instrumentos de controlo que criou, caraterísticos de um sistema político autoritário, afirmou: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas”. E rematou: “O Brasil vive um regime democrático dentro de sua relatividade.”

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