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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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11
Set17

358 - Pérolas e diamantes: O azul, o medo, a engorda e a angústia de dormir para ser brevemente acordado

João Madureira

 

 

Aprendi com a Moira, uma bela personagem do romance A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, de José Eduardo Agualusa, que os antigos gregos, tal como os chineses ou os hebreus, não possuíam uma palavra destinada a nomear o azul. Para todos eles o mar era verde, acastanhado ou cor de vinho. Por vezes negro.

 

Na pintura ocidental o mar apenas começa a ser pintado de azul no século XV. Também o céu não era azul. Os poetas designavam-no como rosado, quando amanhecia; incendiado quando se punha; ou leitoso, nas tristonhas manhãs de inverno.

 

Afinal são os nomes que dão existência às coisas. “No princípio era a palavra…”

 

Ai que sono…

 

Ainda hoje me delicio com o pensamento do primeiro pintor, em plena Idade Média, a escolher o tom de azul para colorir o mar. Momentos antes de existir a cor azul. O que seria de mim sem o azul.

 

Mas não é disto que eu quero falar hoje. Desta vez pretendo dar-vos conta da entrevista que Ricardo Sá Fernandes concedeu ao Expresso, advogado que mesmo não sendo melómano prepara os seus processos a ouvir ópera antes de ir para a barra do tribunal.

 

Dói-me a cabeça. Tenho de dormir…

 

Na Justiça, diz ele, 80% das decisões são com certeza justas e equilibradas. No entanto a margem de erro é muito grande. Ninguém se mete a jogar a roleta russa com a probabilidade de 1/5 em ser liquidado. 

 

Claro que a morosidade é um problema, mas para Sá Fernandes a incerteza da Justiça é que é de temer. Além disso, a Justiça erra vezes demais. Todos podemos, lembra ele, ser enganados por uma testemunha que minta bem. E depois, a preguiça, ajuda muito nas decisões erradas, “porque a decisão formal é sempre a mais fácil”.

 

Além disso, as magistraturas e a advocacia são constituídas por “gente que não gosta de ser escrutinada”. E porquê? Na opinião do advogado, “os portugueses são pouco exigentes com o escrutínio”.

 

Dói-me a cabeça…

 

Além disso, afirma o causídico que já foi secretário de Estado, “o português às vezes é muito corajoso, mas por regra é manhoso”. E depois realça o modelo: “Acho que o exemplo que melhor ilustra o que é ser português é o rei D. João VI, que foi um rei que acabou por ter resultados ótimos. Fugiu para o Brasil, garantiu-nos a independência, andou a enganar os franceses e os ingleses. Foi manhoso. Isto é uma caraterística que reflete uma cultura de medo e de falta de frontalidade.”

 

Ricardo Sá Fernandes disse uma vez que os tribunais são casas de mentira. Desta vez, não só corroborou a ideia, como carregou nas tintas: “Não há sítio onde se minta tanto como nos tribunais.”

 

Quero dormir… já não aguento estar acordado… tanto tempo…

 

Pergunta da jornalista: “Quem mente, as testemunhas, os arguidos, os advogados, os juízes?” Resposta do entrevistado: “Todos. Todos mentem, mas é verdade que a maior responsabilidade é a das testemunhas porque elas é que têm de depor sobre os factos. E nós também somos pouco rigorosos a punir os que mentem nos julgamentos.”

 

Apesar de tudo é um homem de fé. De muita fé, atrevo-me mesmo a dizer. Pois além de cristão, é maçom e socialista.

 

Mas eu tenho tanto sono… Será que tenho de acordar mesmo antes de adormecer?

 

Mas Ricardo Sá Fernandes pontualiza, esclarece e declara: “Sou cristão. Revejo-me na Inquisição? Não. Sou maçom. Revejo-me nestas negociatas que há nas lojas? Não. E nos compadrios também não.”

 

Eu, cá de longe, com vossa licença, atrevo-me a concluir o raciocínio: Também é socialista, mas não se revê no Partido.

 

Tenho de me manter acordado, não vá o Diabo tecê-las…

 

Oiçamos o senhor: “O PS, o PSD e o CDS incentivaram em Portugal uma cultura de favores, de nepotismo. Estou ideologicamente próximo do Partido Socialista, mas tem uma prática politica absolutamente inaceitável, de favores, de complacência, com compadrios e situações pouco claras.”

 

A preocupação está lá: “Sinto-me um cidadão que faz tudo para não agir sob o efeito do medo, mas que também tem medo.”

 

Medo de acordar? Medo de dormir? Medo de dormir acordado? Medo de acordar a meio do sonho?

 

Quando está cansado procura o contacto com a natureza em Trás-os-Montes, onde tem a sua casa-refúgio. Em Oura faz vinho, lê livros, passeia e anda de bicicleta.

 

Jesus, no sermão da Montanha, diz mais ou menos isto: “A razão do homem erra, mas há um que faz todas as coisas bem. Sempre, ao longo da viagem da vida, segue este preceito: «Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti».”

 

Mas também há um ditado popular que diz: “Tudo o que não mata engorda.”

 

Peço desculpa, mas agora vou dormir. É que estou a morrer de sono, depois de tanto tempo acordado. A dor de cabeça é enorme. Eu quero é dormir. Dormir profundamente. A dor de cabeça é enorme.

 

Aspirinas há muitas, seus amáveis palermas.

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