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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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10
Out11

Comentários e doações

João Madureira

 

Não é apenas de finanças que o país anda mal, é, também, de lideranças político-partidárias e governativas. Mesmo os socialistas mais empedernidos sentem que o seu secretário-geral é um erro de casting. Claro que o homem é sério, mas falta-lhe presença, chama e capacidade de chefia. Todos sabemos que não é líder quem quer, mas sim quem desenvolve genuinamente essa predisposição, quem “toca” nas pessoas com as suas palavras, quem emana poder, quem sugere empatia, quem fascina, quem convence e quem consegue ser seguido sem o impor.

 

Vasco Pulido Valente, o colunista mais opinativo e viperino dos media portugueses, arrasou por completo, nas páginas do Público, António José Seguro. Desde logo porque não morre de amores pelos socialistas. Convenhamos, no entanto, que o VPV também não morre de amores por ninguém. Mas, pelo menos, tem a coragem de escrever aquilo que pensa, sem tibiezas, disfarces, meias palavras ou exercícios de retórica. O meu amigo R. é um seu leitor fiel.

 

Uma bela manhã de sábado, entre o alegre e o excitado, o R. citou-me trechos de um artigo do Vasco. Eu, por descargo de consciência, transcrevo parte delas, para que nem ele nem os estimados leitores, me acusem de sectário. Ei-las: “Nunca, em quase 50 anos, conheci um político que se aproximasse tanto de não ser nada como o António José Seguro. Não tem um currículo académico de qualquer distinção. Não tem currículo profissional. Nunca esteve à frente de um grande ministério ou se distinguiu na administração do Estado. E o seu nome não está associado a qualquer grande causa. (…) Em 30 anos de PS raramente se deu por ele. E os socialistas votaram por ele, porque não podiam votar num herdeiro de Sócrates. Até Mário Soares, pela única vez na sua vida, se absteve. E assim ficámos com um chefe da oposição sem uma ideia na cabeça e com um ar irresistível de seminarista. (…) Sucede que (…) Seguro foi apanhado entre um passado impossível e um futuro a que obviamente não pertence.”

 

Reconheço que a última frase é arrasadora. É arrasadora porque encerra em si todo o rigor dramático de um líder que não é querido por quem nele votou e é desprezado pelos seus opositores.

 

O R. também me lembrou, e eu lembro aos estimados leitores, que há gestos e actos que definem uma personalidade. Por exemplo, António José Seguro, contra a tradição estabelecida, indicou o seu próprio nome para conselheiro de Estado. E a eleição pela Assembleia da República é apenas uma formalidade.

 

Nessa mesma manhã de sábado, o F., dividido entre o pastel de carne e a meia de leite, lembrou, e bem, que tanto o secretário-geral do PS, como Pedro Passos Coelho, são o produto de uma “cultura de partido” que tomou conta do nosso sistema político e aproximou a democracia portuguesa duma caricatura. “Actualmente”, disse o F. enquanto mexia o líquido da chávena, “tudo está partidarizado: o funcionalismo, as câmaras, a justiça, o sector público e, para espanto de todos nós, liberais confessos, a maior parte do sector privado.”

 

Eu lembrei que tanto PPC como AJS não possuem carreiras académicas, ou profissionais, relevantes. Ambos e dois cresceram na leira promíscua das juventudes partidárias, que chegaram a presidir. Foi aí, nessa antecâmara do poder partidário, onde viveram, e protagonizaram, rivalidades e intrigas. E é bom que tenhamos presente que AJS foi eleito líder do seu partido com cerca de 15 000 votos e o actual primeiro-ministro com apenas mais uns poucos milhares. E com essa diminuta representatividade, um já chegou a PM e o outro diz ambicionar poder ocupar a mesma cadeira em breve.

 

De repente apareceu o L. e sentou-se ao nosso lado. O bom do L. senta-se sempre com o seu ar de gentelman, honra lhe seja feita. Apercebendo-se do que estávamos a falar, trouxe ao debate a douta opinião de outra comentarista afamada e com reputação de ter mau feitio, que logo de início não acreditava que Passos Coelho tivesse o killer Instinct necessário para um líder, mas a frieza com que o tem visto tomar atitudes fá-la acreditar na nova onda política. Afinal, Maria Filomena Mónica é mesmo uma mulher de ondas.

 

“O seu argumento mais consistente sobre esta governação”, lembrou o L. com o seu semblante de Roger Moore envelhecido, foi o de que Passos Coelho é bonito e que gosta muito do corte de cabelo do ministro das Finanças. Sobre o corte de cabelo de PPC nem uma palavra e sobre a beleza do ministro das Finanças outro tanto. Entrementes, eu pus-me a rememorar e, pretendendo descobrir a opinião de um técnico avalizado, lembrei-me de uma entrevista publicada no jornal I e da resposta do barbeiro Joaquim Pinto, um diplomata da tesoura, que sobre a cabeleira de Passos Coelho afirmou: ‘Acho que poderia ter um corte mais adequado à fisionomia. Talvez ficasse melhor.’ E olhem que ele sabe do que fala, pois o senhor Joaquim cortou o cabelo a Magalhães Mota, Sá Carneiro, Sá Machado, Eurico de Melo e Mota Pinto.

 

Já o professor Marcelo, sobre os 100 dias de governo, expôs este taxativo argumento: “Até agora foi sóbrio, mas correspondendo às expectativas e revelando até agora uma boa forma física que em tempo de crise é notável.” Depois desta apreciação, resta-nos desejar que consiga, o Governo, claro está, os mínimos para poder participar nos Jogos Olímpicos do Brasil.

 

O R., que também gosta de dar um arzinho da sua graça, proferiu: “Na sua última entrevista, o professor Marcelo revelou um dado inquietante. Confirmou que agora está a dormir um pouco mais, entre quatro e quatro horas e meia. E que às vezes vai mesmo até às cinco. O que é sinal de envelhecimento, pois contraria a evolução normal, porque as pessoas costumam começar a dormir menos à medida que envelhecem. Sempre do contra este velho Marcelo!”

 

Estávamos todos nós a digerir a informação prestada pelo R., cogitando se havíamos de chalacear ou de chorar, quando o F. se começou a rir às gargalhadas. O L., de surpreendido, quase cuspiu a pedaço de torrada que estava a mastigar. A maioria dos clientes do café olhou na nossa direcção para se inteirarem do motivo de tal desaforo. E ele, o L., como se fosse autista: “Vem aqui no jornal que António Cabeleira doou, generosamente, 37 livros ao Município de Chaves, todos adquiridos no desempenho do seu cargo de deputado. Agora faz-se alarde de actos tão comezinhos como este.”

 

O R., lembrou, nem de propósito, que ainda há pouco tinha comentado que há gestos e actos que definem uma personalidade. Eu aproveitei a deixa para perguntar ao L. qual o real motivo de tão sonora e inquietante gargalhada. Ele respondeu-me que em política o ridículo mata. “Se ao menos fossem livros comprados pelo senhor ex-deputado”, comentou, “ainda vá que não vá. Agora doar livros que lhe ofereceram dando-se ares de benemérito, anda muito perto do caricato. E que tenha feito disso um facto público, é sinal evidente que a sofreguidão do poder é bem má conselheira. Se o ridículo pagasse imposto… Mas os actos ficam com quem os pratica. Topa-se ao longe que não aprendeu nada com João Batista. A discrição, a coragem e a tolerância, são atributo dos sábios. E a cultura não se compra numa farmácia. Demora anos e anos a adquirir.”

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