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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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08
Jun17

Poema Infinito (358): O domínio público

João Madureira

 

 

 

Oiço o eco da tua figura interna. No entanto, os lábios mantêm a mesma inocência. Olhamo-nos no espelho do deslumbramento. Imaginamos tudo aquilo que é verdade. O caminho das emoções está repleto de riscos. Os cuidados são sempre intuitivos. Quem não quer nada enfeita-se de palavras. Ouvimos o silêncio. A cidade inteira estremece. A casa está cheia de luz. Estamos no caminho certo, já não nos afligimos por não entender. É o brinquedo quem atualmente brinca connosco. O mundo é agora automático, cheio de responsabilidades, necessariamente lógico, com sustos criteriosamente estudados, com alegrias programadas e apropriadas, com mapas precisos, cheio de grandes nostalgias inalcançáveis, repleto de acasos, feito com a pressa dos cientistas. A beleza é mais breve e acessível. Os grandes discursos confundem-se com os lugares-comuns. Todos cumprimos com a função do raciocínio, com a necessidade da missão, com a inteligência que preside à dinâmica de grupos. Continuamos a lutar contra os preconceitos. Os destinos são quase imediatos. Transformamo-nos na própria esperança da alegria. O tempo torna-se indefinido, escorre-nos pelo corpo. A dificuldade também gera felicidade. Os hábitos ajudam-nos a amortecer as quedas. Sabemos que o futuro é sempre feito de movimentos caóticos, que a inquietação é endémica, que as novas primaveras correrão ao sabor das máquinas. Os néscios sorriem com a idiotice dos anjos. Está para chegar o vento carregado de tepidez e de lembranças indivisas. Os seus ecos são mornos. Prolongam-se as promessas, a alegria primaveril é líquida, os seus frutos serão enormes, suculentos, cheios da sabedoria dos bichos. A tua delicadeza parece-me infinita. Vou comemorar o Dia dos Analfabetos. Talvez a loucura tenha uma explicação plausível, por isso é que por vezes amanhecemos carregados de cólera, pensando na forma de agradar aos outros e de ler o mundo, de esperar pelos milagres, de temer que volte o dilúvio. Os dedos revelam as flores no papel, abrem a claridade, separam a brisa das folhas, escrevem hinos de meditação e esboçam planos novos. Nas colinas aparecem faunos modernos assustando os sonhos das cabras. Na primavera não existe piedade. O tempo começa a derreter. As conversas ficam mais cansadas. Por vezes abrigamo-nos na escuridão. A nostalgia torna as árvores mais frondosas. O medo fica mais vertical, as dúvidas ficam mais tépidas, a fronteira entre o bem e o mal fica mais definida. A sabedoria corre na direção dos ventos, orientando-se pelo instinto, amarrando o diabo à sua linha vermelha. É estranho dizerem que a inocência é natural. A razão faz parte dos corações indiretos. Por isso, a arte é um misto de lucidez e instinto. Por isso, eu me costumo encontrar na hora da despedida, dando-me conta do trabalho que dá a vida quotidiana, que o sucesso surge depois das atrapalhações e que são sempre prematuros os gestos simbólicos. Eu vejo a aflição a emergir nos poemas, as vinganças a tornarem-se injustas, o alívio a esgotar as lágrimas, o respeito a transformar-se em fraqueza, a comoção a ficar inútil. Eu sou um homem que chora. A manhã arrumará a angústia num canto da sala. Chegou o tempo de geminar as horas, de inventar outra espécie de música, de estudar o infinito. Calo-me. Olho de frente para o perigo e penso: agora sou do domínio público. A liberdade não pede licença a ninguém.

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