Poema Infinito (363): Meditação crepuscular
Cai-me nos olhos a sossegada e monótona paciência da água. O horizonte fica redondo, expondo cintilantes círculos e deixa-se abraçar. O percurso da paixão é longo e construído sobre os escombros sólidos das construções mais antigas. As nossas metamorfoses são incessantes. Respiramos os nomes e suspiramos beijos. Os odores mais profundos possuem a insolência do pólen e a identidade do mar. O tempo desmorona-se e renova-se a cada instante e irrompe pelo meio das grandes massas do universo. A frescura dos segredos fica mais violenta e transforma-se em fonte plácida. O planeta azul fica mais melancólico, expondo a materna abundância dos desejos. Os corpos retemperam-se, as fábulas regeneram-se, a terra fica mais pesada, as portas do desejo mais espessas. A nudez reconhece a seda e a seda reconhece as curvas do teu corpo. A ternura recupera da sua embriaguez, desperta do seu sono. Continuo a procurar o segredo da lentidão materna, a sua equivalência volúvel, o ritmo indecifrável da leveza dos sopros, a melodia vaga do adeus, a frescura imensa do azul. O fogo nasce no meio das pernas, encostado ao púbis, surge como uma pancada leve, nomeando lábios e ereções e silêncios densos que são como sombras. Oiço a terra, o vislumbre ténue das tuas pálpebras, o frémito redondo dos orgasmos, o gérmen da luz, o esplendor repousante dos subterrâneos, o desejo das mariposas, o mistério puro da transparência, a magia oceanográfica de todos os nomes, a nudez clara e enigmática do teu corpo, todas as evidências, todos os deltas do desejo, a obstinação doce e insaciável do prazer, a expansão das partituras de Bach, os prismas ramificados das caudas dos pavões, as evidencias mais perdulárias, a multiforme dança do desejo, o êxtase dinâmico da sedução, as penetrações mais minuciosas. A verdade expande-se, divide-se e ramifica-se. Os amantes projectam o seu mundo, o deslumbramento da sua energia e das suas evidências. O desejo dança. O desejo deseja-se. O desejo consome, dilata-se e esgota-se. As diferenças assemelham-se, as distâncias libertam-se, os volumes incendeiam-se. A cabeça do universo acende-se. Procuramos lucidez no sono e nos sonhos. As pálpebras acendem-se como linhas lúcidas. Um silêncio voluptuoso toma conta dos montes. As surpresas são mais lúcidas, as palavras mais vagas e o amor mais ténue. As nuvens surpreendem-nos com a sua vaga monotonia. Aprendemos a voluptuosidade com a lentidão do mar. Adormecemos envoltos na lucidez dos amantes. É vagarosa a luz. Os corpos cintilam. A matéria encontrou o seu ritmo e a sua integridade. A germinação do futuro é irrevogável. Os enigmas precisam de mediação. As texturas do tempo ficam mais secretas. Comovemo-nos com a fragilidade essencial dos seres humanos. O sossego convida a nova fuga. A noite fica negra como se fosse um diamante raro. A virgindade continua a ser o supremo elemento de defesa. A brisa fica mais flexível, as falésias mais abismadas e o rio mais tranquilo. Todas as paisagens são divididas segundo o princípio de individuação do ser e construídas tendo em conta a sua integridade solar. O crepúsculo já começou a construir novas torres de luz e sombra plenas de tranquilidade. Regressou o momento de meditar.