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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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20
Jul17

Poema Infinito (364): A brevidade da sedução

João Madureira

 

 

 

O campo impõe-me o redemoinho infinito do desassossego. Todo o fim contém a sua porta de entrada. Também o Éden possui o seu portão secreto. As fontes do futuro alimentam o tempo enquanto os galos anunciam a alba. Os ventos mais capazes acariciam as flores. Continuamos a sentir o apocalipse das emoções. Tentamos medir a paixão, o deslumbramento das estimativas, o difícil fascínio da devastação. Todos os deuses são desconhecidos, todas as palavras respiram, todas as palavras amam e as mais certeiras podem mesmo chegar a matar. Os céticos contentam-se com radiografar os sentimentos e babá-los com promessas. A terra move-se desde antes de Galileu. Interpõe-se agora a noite com o seu silêncio frio, com a sua verdade espiralada, com a sua quinta dimensão. O esplendor cresce no meio das nossas mãos dadas. Desenhamos os gestos e as metáforas como outrora o fazíamos: a gratidão como um caminho retilíneo, a claridade como um manto resplandecente, os anjos como círculos quebrados, as máscaras como cenários vazios. Os elogios não podem ser lamentos, os beijos não devem ser adjetivados, nem o amor pode ser uma antologia da brevidade. Todos os dramas possuem a mesma raiz, a mesma memória silenciosa, a mesma forma de esquecimento. Deus desenhou sempre o mesmo ponto de fuga para a perspetiva celeste do coito interrompido. E soube concretizar o seu sacrifício, impor a sua insatisfação, dominar a frustração e evocar a traição da ejaculação precoce. O seu frio cósmico esgotou a beleza do erotismo. Vim-me com a sedução perene, vou-me com o desejo intacto. Continuo a beber declarações de amor, a escolher os beijos, a encolher as ereções, a sonhar com as divindades femininas, com as fitas multicolores das festas, com a elevação das palavras ocultas, com os mais insólitos coitos, com as penetrações mais absolutas. Por vezes sou atravessado pelo princípio da destruição. Multiplico as epifanias como se fosse um pastorinho de Fátima. Devolvo os beijos e os júbilos e os pecados e as absolvições. Levantam-se do chão as mensagens mais densas como se fossem aves de arribação. A sedução é como um sismo. Eu, por precaução, deixo-me ficar quieto. São tantas as palavras que, para não me afogar, me abraço ao teu corpo como se ele fosse uma boia. Desfaz-se a luz enquanto me envolvo nos teus braços. As estrelas insatisfeitas são as que mais me atraem. Saem mariposas dos teus olhos acesos. Eu tento organizar o caos. A luz ideal para cruzarmos os nossos corpos é a do crepúsculo. Seduz-me a linha semântica do teu sexo, a sintaxe dos teus beijos mais profundos, o tempo possessivo dos teus orgasmos. A realidade é outra escala de grandeza. Estendo as mãos num ritual de purificação, o tempo aparece do outro lado do espelho. Apesar de tudo, continuamos a acreditar no batismo das pombas, na virtude dos anjos, no futuro das amizades, no cúmulo da sedução, na cumplicidade dos cometas, na adjetivação da importância, no oceano das incertezas, nas pontes que ligam as margens da transcendência, nos coros dos anjos, na lamentação da violência, nas danças subversivas, nos cânones da alegria, na expansão das utopias, no advento das manhãs que cantam, nos dias que choram por dentro, e nas épicas posições dos dançarinos de tango. Jesus, como é bonito o Coliseu de Roma.

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