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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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07
Set17

Poema Infinito (370): A razão das árvores

João Madureira

 

 

A existência exige palavras discretas, como se tivéssemos vontade de fechar um círculo, como se uníssemos as extremidades de um poema, como se girássemos de corpo inteiro sobre nós próprios. Regressámos sempre de uma viagem sem percebermos bem o contorno dos nossos movimentos. As nossas horas chegam ao fim exaustas. Nós apoiamo-nos no muro para as segurarmos. Os problemas iniciam-se nos seus distintos aspetos sucessivos, voltam sempre ao fim da tarde, intervalados pela sucessão da partida, levantando as âncoras do mar do desespero. Os vários atos formam um conjunto de culpas. O silêncio regressa. O infinito dos espaços organiza uma nova teoria do universo. O divino define-se dentro da sua própria convicção. A sua indecisão é aparente. A luz do tempo vibra no frio, os reflexos repartem-se pelas folhas do outono e espalham-se pelos nossos olhos. As nuvens recortam o céu. A chuva acalma as marés. Toda a matéria contamina a vida. A razão das árvores nasce dentro dos frutos. A memória invoca-nos com o mesmo tom de voz, com o mesmo ideal poético. Pela janela aberta entra o vento norte arrastando atrás de si a sua solidão irremediável. Fecho o livro antes de fechar a janela. A madrugada começou de véspera. A sua claridade baça anuncia o frio. Sentamo-nos no chão de madeira velha como se não existisse mais ninguém no mundo. Os sonhos acontecem-nos de forma orgânica. A pele dos nossos corpos parece veludo arrepiado. Os nossos dedos hesitam nos gestos. A esperança dura o tempo da aparência. O canto das aves anuncia o mecanismo subtil da fragmentação. O excesso de densidade cromática segmenta a luz. Incomoda-me o conceito da simplicidade da alma. O seu perfil poético continua amargo. Os meses mais tardios ardem como florestas de pinho e eucalipto.  Os corpos aflitos encaminham-se para a morte, abrasam-se nas largas margens da loucura. Os sobreviventes mais afetados nunca mais vão conseguir acender o lume. O inferno cabe por inteiro dentro de uma caixa de fósforos. O desespero visitou a cidade, bebeu vinho nas tabernas e encostou-se às chapas metálicas para afastar de si a ideia de combustão. Acalma-se quando ouve o barulho da água. Conhece de cor o violento sabor das vigílias, as noites que voltam do frio, o vento que varre os espíritos e agita os ramos altos dos ciprestes, os rostos iluminados pelo álcool, o brilho das cinzas, o nome escuro das lápides, a anunciação subterrânea das catástrofes, o riso colérico dos bichos, a frieza dos ossos, a brevidade dos corpos e as circunstâncias insólitas do Juízo Final. Os traços dos rostos vão-se modificando aos poucos. E também as vozes. Os estudos biográficos mudam o íntimo da afetividade. Com a idade, tudo se torna mais interior. Até o brilho dos teus olhos se dissipa. Nós ardemos dentro das dúvidas. A razão e a loucura possuem uma dupla distância. Agora, as tempestades nascem já com grandes braços. Os filhos pródigos deixaram de ser abençoados. Atualmente são um fardo pesado. Todos nós sofremos de uma indecisão original. O vazio vem do centro. O campo enche-se de pequenos barulhos, a luz, novamente clara, entra pela janela. Fragmentos de tempo são impressos nas flores. O jardim está frio e húmido. O céu encheu-se de um brilho sobrenatural. Os viajantes continuam a errar pelos caminhos. A curiosidade do desejo cresce nos lábios. Oiço ao longe a nitidez da tua voz. Espero, e anseio, os teus gestos coloridos de aproximação.

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