622 - Pérolas e Diamantes: Foxtrote
A História é algo que um pequeno grupo de pessoas faz enquanto todos os outros trabalham para viver ou sobreviver. Por exemplo, a Revolução Francesa foi dirigida por advogados influentes e não por agricultores famintos. Os famosos anfiteatros romanos foram construídos por escravos para que os romanos ricos e ociosos pudessem assistir ao espetáculo de outros escravos a envolverem-se em violentos combates de gladiadores.
A verdade científica diz que Deus não existe. E, muito provavelmente, a maioria da hierarquia social, sobretudo a política e religiosa, sabe disso e pensa em conformidade. Mas então porque afirmam o contrário? Pois, porque todos eles leram Voltaire: “Deus não existe; mas não digam isso ao meu criado, não vá ele matar-me durante a noite.”
Lembro que quando em 1860, uma grande parte de cidadãos norte-americanos conclui que os escravos africanos eram seres humanos e, como tal, tinham de gozar o direito à liberdade, foi necessária uma atroz e sangrenta guerra civil para levar os estados do sul a concordar. Ou a fazer que concordavam.
O príncipe Talleyrand, que serviu a monarquia e também os regimes revolucionário e napoleónico, depois de décadas de experiência governamental afiançou: “Podem fazer-se muitas coisas com baionetas, mas são assentos deveras desconfortáveis.”
Toda a ordem existente no mundo é imaginada. Mas desde que é partilhada por milhões de pessoas, não há forma de lhe escapar. O historiador Yuval Noah Harari diz que quando derrubamos as paredes da prisão e corremos para a liberdade, estamos de facto a correr para o pátio mais espaçoso de uma prisão maior.
Por incrível que pareça, o primeiro nome registado numa tabuinha de cera, da cidade de Uruk (c. 3400-3000 a. C.) é a de um contabilista e não a de um profeta, poeta ou grande conquistador. Isto já vem de longe, de muito longe.
Milénios passados, os teólogos servidores dos senhores arianos europeus argumentavam que os africanos descendiam de Cam, o filho de Noé, que o amaldiçoou afirmando que os seus descendentes seriam escravos.
Ainda estamos para saber a quem os teólogos modernos atribuem as culpas pelas dezenas de milhares de pedófilos que conspurcam a hierarquia católica. Sodoma? Gomorra? Roma? Vaticano? Seminários? Conventos? Sacristias?
Ora tentem lá perceber a razão porque no tempo de Isabel I, de Inglaterra, durante os seus 45 anos de reinado, todos os membros do parlamento eram homens, todos os oficiais da marinha e do exército eram homens, todos os juízes e advogados eram homens, todos os bispos e arcebispos eram homens, todos os teólogos e sacerdotes eram homens, todos os médicos e cirurgiões eram homens, todos os alunos e todos os professores de todas as universidades eram homens e quase todos os escritores, arquitetos, poetas e filósofos, pintores, músicos e cientistas eram homens.
Uma coisa que se aprende com a história é que a maioria das vezes ela tem de ser servida mais vezes com a mentira do que com a verdade. O que satisfaz a populaça é a adoração do bezerro de ouro. O Moisés que vá pregar a outra freguesia. E por aqui andamos a pegar fogo uns aos outros a partir da revelação de que Deus se disfarçou de sarça ardente para falar ao profeta das tábuas testamentárias escritas com pauzinhos na argila do Monte Sinai. A partir daí, a casualidade incendiou-se.
É difícil não respeitar um guerreiro, já o mesmo não se pode dizer dos reis. Os reis até podem ser boas pessoas, mas a sua condição de monarcas é iníqua, abstrusa, indigna, abjeta, atentadora dos direitos humanos, insolente, estúpida, antidemocrática, medíocre e novamente estúpida estúpida estúpida estúpida estúpida, inútil, ignóbil, um circo de palhaços ricos, uma peça de tartufos, uma tribo de manequins armados em pavões, o máximo atentado humano à igualdade, absurda, desprezível, vil, indecorosa, infame, vergonhosa, menosprezível, hipócrita, mentirosa, farsante, enganadora, dissimulada, anacrónica, anacrónica, mentirosa, indecorosa, insolvente, ladra, indecente, ignóbil, aviltanteaviltanteaviltante, afrontosa, indecente. Todos eles parecem cavalos amestrados, ajaezados à inglesa, ao toque das cornetas e excitados pelo ladrar dos cães. Coitadas das raposas.