Poema Infinito (174): arte insensata
Sou incendiado pela tua forte delicadeza, eu que sou esguio e alteroso. Os dedos trabalham o movimento branco das aparições. Sou dominado pelas paisagens constituídas por letras e pela sua ardente cavalgada e pela luz impressa em papel esférico e pela eterna solidão do céu e das estrelas. Os cavalos são números e os homens que os montam tremem e por isso as mulheres se transformam em catedrais góticas e esgotadas. Essas mulheres enchem-se de maçãs e de pecado e trepam as cobras e amassam os homens como se fossem de barro. O problema dos homens é que não desistem de pintar quadros insidiosos, tentando dar-lhes uma ordenação, experimentado forçá-los a constituírem a ordem dentro do caos. Todas as paisagens são escorregadias. Todas as paisagens são mulheres ardentes cavalgando palavras vermelhas. O mundo é um lugar ameaçado porque não percebe as metamorfoses da imaginação. E também não entende os homens que amam as mulheres e a sua prestidigitação amorosa. Toda a arte é uma espécie de fidelização aos abismos primitivos. As mãos multiplicam-se por causa das vozes que são cores e que são estátuas que abrangem os parques inteiros. Todas as vítimas caminham com a boca impressa de uma amabilidade biliosa. E escutam a nudez do silêncio e as fotografias bêbedas e a perfeição repentina do amanhecer e a urgência terrível da beleza e ainda os outros homens e as distintas mulheres que habitam as montanhas violentas. É durante a noite que se plantam os espelhos nos jardins, enquanto o luar desce até ficar imóvel nas ruas. Todo esse assombro linear cavalga de cidade em cidade espantado com a ambígua fama do amor. Por isso as cores são silenciosas. Por isso o seu perfume dança fazendo nascer novos espaços. Todas as pessoas são duas pessoas criadas pelo Deus supremo da imprevisibilidade. Por isso os anjos se escondem atrás das portas e lá penduram as suas asas de cera arrefecida. O meu tempo é feito de uma seda ambígua nascido na interseção dos espaços que dançam. Tenho por vezes aparições de frases escritas que lacrimejam gotas de sangue geométrico. Costumo pensar em ti a dançar ao ritmo da tua respiração, como se a beleza fosse um pavor de destinos. E depois tremo. Então desapareces antes de te revelares. Sinto a música como uma sucessão de crianças que desaparecem nas pautas. Agora o luar de inverno devora as aldeias. E as varandas desaparecem das casas a uma velocidade branda. Novamente os dias se atrasaram em relação à razão. O fim é uma dança leve e silenciosa. Vejo nos lugares o começo eterno da vida e a dança da morte. E o princípio das linhas puras e o vento que atiça a solidão. Atrás de mim ardem as noites e as imagens e a ressurreição do tempo e as raízes brancas da paciência. Sou um pintor de letras que se evaporam. E de mulheres que se vestem de magnólias e que suspiram temeridades e que são livros tranquilos que observam os factos como se fossem corpos nus. Ouve-se a água a levitar por cima da extensa profusão da terra. Absorvemos a delicadeza das estações que empunham a pressa invulgar dos camponeses. As montanhas descem pelo lado esquerdo do quadro contrariando a intenção impressa do pintor. Os animais estremecem antes de adormecer. Adivinham outra alvorada monótona. A minha voz emigra para a terra do silêncio. É aí onde se encontra o perfume implacável da razão. Ter razão antes de tempo é uma arte insensata.