A verdade redentora das pontes
Se há coisa que aprecio é a sensatez. A sensatez dos delírios. A alteração objectiva das impressões rotineiras, pois é nesse interstício onde muitas vezes encontro o meu pendor natural para a abstracção.
Fora isso, deslumbro-me sempre com a tentação solitária das pontes, com a minúcia dos seus arcos introspectivos, com a lúcida paciência das suas pedras, com o tabuleiro admiravelmente plano da sua vontade.
Admiro também os caminhos, todos os caminhos que ando até lá chegar.
As curvas mais ou menos acentuadas, as rectas determinadas, as ladeiras sensíveis, o objectivo exclusivo em ir e vir, a poesia sadia da superstição de caminhante.
E por aí vamos sempre vacilantes na nossa determinação objectiva. Porque é objectiva a própria intenção de chegar e partir sem sair do lugar.
Quando há vontade anda sempre muito próxima a sensatez. E se há coisa que a sensatez aprecie é uma ponte.
Porque as pontes – sobretudo elas – contêm o pragmático princípio que faculta a passagem das pessoas de uma margem para a outra de um rio sem se molharem.
É essa a sua verdade redentora.