O inevitável voo das narcejas
Tudo ao monte e fé na beleza.
E eu queria ter fé, nem que fosse na incerteza.
Existe subtileza no voar das narcejas.
Tudo ao monte, pois eu sou a tua fonte.
No monte dos vendavais fugiram os pardais.
Ao longe, as narcejas continuam a voar sem parar.
De encontro à morte vai o mais forte.
E essa é a sua única sorte, a morte.
Voando ao desbarato, as narcejas desmultiplicam-se em penas.
Se existe algo que sobreviva, esse algo é o monte.
E depois do monte, a fonte.
E as narcejas sobem e descem rasgando o ar.
Saltando de fraga em fraga, um lobo velho caça.
As urzes dilatam as suas cores e os seus odores.
Entretanto as narcejas chilreiam de entusiasmo.
Deitado numa cova da encosta, eu, o lobo, bocejo.
Uma cobra ondula pelo meio das carquejas.
E uma narceja, louca de entusiasmo, pousa ao pé de mim.
Um coelho sai da toca e a Alice segue-lhe os passos.
Pudesse eu comer personagens de histórias e acabava mesmo ali o País das Maravilhas.
Outra narceja, presumivelmente enamorada, repenica o canto.
Eu uivo forte, como lobo mau que sou.
Mas o monte não dá acordo, só ressona poeira.
Um par de narcejas levanta voo e desaparece no azul.
Dizem-me que a Alice já não mora aqui, que se divorciou.
Os tempos estão a mudar, e eu com eles.
A narceja que enlouqueceu de entusiasmo caiu a meus pés.
O eco do tiro que a matou ainda ressoa pelo sopé do monte: pum… um… um… um…