A borbulha desintegradora de Virgínia Woolf
Quando passava a mão pelo teu rosto espelhado ele desintegrou-se de imediato. E não eras um sonho. Nem sequer eras uma miragem. Eras uma possibilidade.
Não sei bem o que eras, só sei que quando deslizava a mão pelo teu rosto espelhado te desintegraste como se tivesses vontade disso.
Os teus olhos estavam carregados de desilusão. E espelhados, tal e qual o teu rosto.
Sei que eras tu pelos suspiros que desenhavas com os lábios. Depois desintegraste-te. E não eras um sonho. Nem sequer uma memória. Eras tu reflectida nos teus próprios olhos. Espreitando-te num espelho revelador, como se necessitasses de uma derradeira imagem antes de desapareceres.
E choraste. Sei que choraste porque o adivinhei na tua ausência. A tua ausência era pranto. E mágoa. E desespero. Um desespero lacrimejante, como uma chuva contínua e oblíqua.
Os teus olhos reflexivos também eram oblíquos. Como oblíqua era a tua vontade. A tua desesperada vontade de desintegração.
Os teus olhos eram casas. Casas aristocráticas inundadas de vento, repletas de ar oprimido, de partículas alegóricas.
Tu eras uma presença oblíqua à janela quando a chuva caía ainda obliquamente no rio.
O rio era o teu olhar apaixonado. O rio era a tua existência. O rio era a tua morte. E as ondas. E os juncos. E as pedras. As pedras nos teus bolsos. E a loucura oblíqua da chuva. E a demência inclinada das ondas. E o desvario ambíguo dos salgueiros.
A tua loucura era líquida.
O fumo triste do teu cigarro sem filtro também era líquido.
E a tua inquietação também era líquida.
Entraste dentro da tua borbulha desintegradora e foste nas ondas até ao mar. Só depois desististe de escrever. Por fim.