09
Nov06
Água perpétua
João Madureira
Por agora entrego-me ao prazer de atravessar a ponte e de olhar o Tâmega como se fosse a primeira vez.
O Tâmega é uma ponte ao contrário. É um vínculo entre sítios e memórias.
Já passou por tudo e por tudo continua a passar.
A ponte é um ponto de encontro.
Também é um andamento íntimo.
Ressoam na nossa memória todas as histórias do mundo.
Uma única história é a história de tudo.
Todas as histórias contêm a água dos rios, os seus segredos, a sua múltipla linearidade líquida.
Um rio vai mas volta sempre. Volta na forma poética de uma nuvem abnegada. Volta em gotas doces de transparência. Em metamorfismos.
Anda a ponte às voltas com a água. Fica a água inquieta com as margens.
Deslizam nela as imagens de quem passa, numa pressa substantiva, ou num vagar sedutor.
Depois tudo se enche de cor, da cor dos olhos de quem observa a vida em reflexos deslumbrantes.
A vida é um rio.
A existência de um rio é um olhar.
Um olhar é uma vida.
Todas as auroras do mundo cantam o ciclo perpétuo da transparência.