02
Nov06
Mortes cíclicas
João Madureira
Está o porco no banco e por isso o texto fica fora de contexto.
Eu também ajudei a matar porcos.
Bem, a matar não. O que eu fazia era olhar para eles e vê-los morrer agarrados pelos homens enquanto o matador lhe espetava a enorme faca na direcção do coração.
Ele roncava muito. E esperneava. Entretanto o sangue escorria para uma bacia. E o animal, enfim, ficava quieto. E calado.
Depois chamuscava-se-lhe o pêlo, lavava-se com água e esfregava-se com pedras. A água tinha que estar bem quente porque o porco frequentemente morria nas manhãs frias de Inverno, em dias de neve ou geada. Depois esventrava-se o bicho e tiravam-se-lhe as entranhas. Algum sangue era prontamente cozido e servido ainda quentinho, temperado com azeite e alho. Acompanhava-se o pitéu com bom pão centeio e uma pinga do maduro.
Isto durava uma manhã, entre os ditos bem-humorados das mulheres e as piadas brejeiras dos homens. O resto eram cantigas, assobios e sorrisos.
Quando o porco ficava limpo, pendurava-se de cabeça para baixo e aí ficava a enrijar as carnes para que dali a dois ou três dias, o matador o fosse desfazer, com muita mestria e erudição.
Seguia-se-lhe a etapa do sal e tudo terminava no ciclo do fumo.
Enquanto isto acontecia, já um outro porco engordava na corte para o próximo Inverno.