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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

29
Jul06

Até mais logo

João Madureira
2004_0802quarteira0001.JPG
Era bom que o mundo fosse às riscas. Ou riscavas tu ou riscava eu. Ou riscávamos os dois, se nisso estivéssemos de acordo, nem que fosse só por um dia. Mas um dia é um dia e há mais dias que chouriços. Lá isso há.
E também há muitos livros. E há, até, muitos livros bons. E também há quem os leia.
Ler um bom livro é um acto sublime, é uma experiência única, é um prazer redobrado, uma festa dos sentidos, uma atitude sensata, uma festa particular, um ritual admirável.
Ler ou não ler, eis a questão.
Ler por prazer é uma satisfação.
Ter e ler, ser e ter, ter ou não ter um livro à mão é, ou um pecado ou uma absolvição.
E não há regra sem senão.
E viva o Verão.
28
Jul06

Notas ou não?

João Madureira
2004_0730santoamaro29julho040050.JPG
Quando os homens se calam toca a banda.
Ou será que quando a banda toca os homens se calam?
Bem vistas as coisas, nem uma coisa nem outra.
Há sempre tempo para falar enquanto a banda toca e há sempre espaço para tocar enquanto as pessoas falam.
O contrário também pode ser válido. Ou inválido. Ou as duas coisas. Ou nenhuma.
Nenhuma coisa sucede sem ter uma razão por detrás. Mesmo que não seja perceptível.
Os motivos são sempre precisos. E é dessa precisão que se alimenta a vida. Mas a vida nem sempre é fácil de viver. Por vezes até se torna bastante incómoda.
Mas vale a pena viver, mesmo que isso não seja fácil. A facilidade nem sempre é boa conselheira. E se por vezes torna as coisas mais brandas, noutras ocasiões também as complica.
A vida é sempre confusão, actividade, conflito, interesse, conciliação e interrupção. Depois continua o ciclo. E depois outro ciclo se lhe sucede. E outro. E outro.
É como a música, onde a umas notas outras se lhe sucedem até ao término da composição.
27
Jul06

Do caos à ordem

João Madureira
2004_0515Chaves0072.JPG
Hoje instalou-se o caos na cabeça do patriarca. Bem, não propriamente o caos, foi mais a desordem, que, parecendo a mesma coisa, é coisa bem distinta. No caos existe uma espécie de ordem, na desordem não existe caos, apenas existe incoerência, que, não sendo definidora de comportamentos, é, contudo, disciplinadora de atitudes.
E foi por aí que a desordem penetrou. E foi por aí que o patriarca se resguardou do caos e deixou entrar a desordem.
Mas nem o caos se impôs – o que não era mau de todo –, nem a desordem se instalou na cabeça caótica do patriarca.
Colérico, o patriarca excomungou a desordem e amaldiçoou o caos. Mas de nada lhe valeu. Na confusão, o patriarca chorou e sentou-se junto ao penhasco da encruzilhada. Sentiu, pela primeira vez na vida, que nada do que impôs vale a pena ser imposto, que nada do que perseverou vale a pena ser recordado, que nada do que ensinou merece a pena ser ensinado. E por isso chorou de novo junto à fonte da sua quinta.
Agora o patriarca descansa deitado numa cama de fetos, longe dos afectos, distante dos olhares, afastado dos carinhos.
Já não há ordem que lhe valha, nem préstimo que o console, ou sorriso que o acolha. Agora o fim está à vista e ele sonha em ainda poder amar por um minuto uma flor espontânea. Mas o caos não deixa. Por isso não tem paz de espírito, nem afectos onde se encostar.
O patriarca não pode acariciar a sua cara porque não a identifica.
De si só reconhece a voz com que sempre deu ordens.
Se tivesse distribuído um pouco de caos talvez lhe fosse permitido a paixão do simples.
O caos não gosta do patriarca. Nunca gostou.
Mas o patriarca vai morrer no meio dele.
É esse o seu destino.
26
Jul06

Do destino dos papagaios pornográficos

João Madureira
2004_0515Chaves0097.JPG
Junto ao canto estava um papagaio. Junto ao papagaio estava um vaso. Junto ao vaso estava outro. O papagaio estava numa gaiola a rasgar folhas de jornal com o bico. Estava triste o papagaio.
Noutro local também lá estava um papagaio dentro duma gaiola. Este não rasgava folhas de jornal, limitava-se a olhar para quem passava como quem esbulha sementes com o bico. Estava triste o segundo papagaio.
Numa praça estavam vários marroquinos a vender ventoinhas, cintos, perfumes e, também, filmes pornográficos piratas a homens de meia-idade.
Estavam tristes os marroquinos e tristes também estavam os homens de meia-idade que compravam filmes pornográficos piratas aos marroquinos.
Mais a sul vários emigrantes apanhavam sombra junto ao rio sentados em cadeiras de plástico, comendo tremoços, amendoins e bebendo cerveja fresca.
Estavam também tristes os emigrantes, estavam tristes os tremoços, estava triste a cerveja e as cadeiras de plástico e os amendoins. Estava triste a relva e os pássaros e, até, o verde das árvores das margens. Estavam tristes as margens. As duas.
No rio pedalavam turistas nas gaivotas enquanto deslizavam nas águas turvas do Tâmega.
Estavam tristes os turistas, estavam tristes as gaivotas, estava triste o rio, estava triste a tarde.
Na varanda duma rua estreita uma mulher gritou que já não conseguia aguentar mais a monotonia semântica das molas da roupa. Estava triste a mulher. Estava triste a varanda. Estavam tristes as molas e a roupa e a monotonia também estava triste, de uma tristeza redundante, rígida, hiperbólica. Triste também ficou o grito da mulher.
Mas de nada lhe valeu.
O grito extinguiu-se sem destino.
Os gritos não têm destino.
25
Jul06

Eles sempre souberam

João Madureira
2004_1218torrervededo0073.JPG
O lento entardecer das árvores inspira-nos a perder o medo à doutrina oculta do Graal.
Enquanto o carro percorre as estradas vazias do interior, algo se vai desfazendo de encontro aos gomos empíricos da noite.
E a noite não vem. A noite tarda. Assim como tardam as explosões oníricas das nascentes. Ou os olhares hiperbólicos dos deuses. Ou os gemidos tímidos dos humanos.
Arrefecem lentamente os sítios das crianças.
Mas a noite demora. E a hora desmembra-se.
O vagaroso escurecer das casas abraça-nos com desejo.
Rezam as avós pela alma dos defuntos. Escondem-se as abelhas nos favos.
Os grilos adormecem com o próprio canto e a noite, que tarda, entardece silenciosamente.
Cada vez mais para o interior voa o nosso olhar.
Cada vez mais para o interior se espalha a viagem ao fim da noite.
Cada vez mais para o interior se dispersa o sangue dos animais decapitados.
Arde a madeira nas lareiras internas do medo.
Os bosques cicatrizam com a luz dos archotes dos deuses imprudentes.
Inclina-se a tarde para as ruínas das aldeias.
Já não mais será possível voar no sorriso genuíno das mães.
Já tudo implodiu.
Resta-nos esperar que o tempo feneça.
Um murmúrio disléxico fixa a vontade.
Já ninguém corre no caminho que desagua no rio.
Os pássaros morreram a comer bagas envenenadas.
E nós sabemos que eles sempre as souberam distinguir.
Eles sempre as souberam distinguir.
Eles sempre souberam.
24
Jul06

Gota a gota

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro10127.JPG
Já lá vai o tempo em que ficava horas a ver cair a chuva, como se estivesse em estado catatónico.
Já lá vai o tempo, mas não a premonição do contentamento que isso me proporcionava.
Já lá vai o tempo, mas continua a chover de vez em quando. E isso não tem nada de singular.
O sentimento alterou-se ligeiramente. Eu sinto-o diferente em alguns momentos. Mas, mesmo assim, espero os dias de chuva com muita calma e alguma expectativa.
Parece sempre a mesma chuva, mas não é. É uma chuva diferente. As gotas são idênticas, mas não são iguais. Nunca mais vão ser iguais. Na natureza nada se repete da mesma maneira. É impossível.
No entanto as gotas de água assemelham-se todas umas às outras. Ninguém consegue dizer que uma gota de água é diferente de outra, ou que esta gota de água é igual à outra. São gotas muito parecidas, mas, no entanto, são diferentes. É como a loucura.
Mesmo sendo-se louco, cada loucura tem o seu quê de específico, de singular, de diferente.
Também as gotas têm o seu quê de loucura e a loucura tem alguma coisa de líquido.
Quando a chuva cai os loucos acalmam.
E isso é um sinal de que mais logo vai chover de novo.
23
Jul06

mmmtfpduepe

João Madureira
2004_0813quarteira0038.JPG
Maresias, Marias e Madalenas, tudo faz parte de um estratagema para existir.
E existir não é nada fácil. Até para os cientistas é um milagre. Um milagre que nada tem de transcendental, mas, mesmo assim, ultrapassa toda a lógica da ciência e da pura e excelsa probabilidade.
E se é de probabilidades que falamos, convém explicar que a nossa existência não é uma mera probabilidade, nem, sequer, matemática, é, tão simplesmente, um puro acaso do acaso do acaso.
Mas, mesmo assim, existimos em escalas simples de espaço e tempo. E isto é muito mais que metafísica. É pura adrenalina combinada com átomos de nada e estes misturados com os das vitaminas e das proteínas e estes ainda com os dos excelsos impulsos eléctricos.
Mas, mesmo assim, frutos do acaso e da mais pura arbitrariedade combinatória, existir é tão delicioso que até dói.
E dói muito. Mesmo não doendo da forma que todos nós sabemos.
22
Jul06

Mais ao Sul

João Madureira
2004_0813quarteira0025.JPG
Escrevo-te do S.
Ainda ando cá por baixo a gozar os rendimentos, que, não sendo muitos, são os suficientes para me manter à tona da água, que, sendo salgada, é tão água como a outra, só que não se pode beber, senão secamos por dentro e isso é mau. Mesmo muito mau. Especialmente para a saúde.
A saúde anda boa, graças a Deus. Deus é que não sei como passa. Mas não me é fácil adivinhar que, da forma como o mundo respira, o próprio e o subentendido se encontram bastante deprimidos. Os Homens são uns camelos forrados de lantejoulas e vestidos de orangotangos.
Para me incomodar ainda mais do que aquilo que estou todos os dias, hoje perdi os meus óculos e, verdade seja dita, não enxergo grande coisa à vista desarmada. E olha que por aqui, segundo oiço comentar, há coisas dignas de serem vistas. Mesmo quando se faz vista grossa, que não é o mesmo que dizer que existe caça grossa à vista. Disso aqui já não se encontra. A caça grossa rumou a outras latitudes.
Aqui subo muito. Depois também desço aquilo que subi. Só que descer é bem mais descansado do que subir. Mas lá vou tenteando as coisas como posso. Se é que posso tentear alguma coisa de que valha a pena conversar.
Mas, caro amigo, sinto-me muitas vezes só. Mesmo no meio de milhares de concidadãos. A solidão é uma coisa muito pessoal. E, como sabes, eu sou muito pessoal. Talvez pessoal demais. Mas, como diz o povo, quando se sabe a comida sobra e quando se sobra a família cai ou quando a família cai outros valores mais altos se levantam. Que o mesmo é dizer que ande a vontade por onde andar a minha casa há-de vir descansar.
Mas no meio da confusão não sei bem onde a comida sabe, ou a família sobra. No entanto prometo pensar maduramente no assunto.

PS – Não te esqueças de dar de comer às minhocas. O resto que se lixe.
21
Jul06

Liquidação total

João Madureira
2004_0918chavestarde30004.JPG
De tanto olhar esbanjamentos tornei-me insensível à monotonia.
Olhar faz toda a diferença, quando se tem algo em vista.
Ou se vai ou se volta. As duas coisas ao mesmo tempo é que não podem ser.
Basicamente, o cansaço é por vezes tão profundo que até me custa levantar.
Monotonia, estúpida monotonia, deslumbrante imperfeição, porque não voltas para a terra do nunca?
20
Jul06

A questão mínima

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro0043.JPG
É de bom-tom seguir em frente. É tranquilizador olhar em linha recta. É sensacional desfrutar da memória das formigas, do esplendor das motocicletas, do deslumbramento da metafísica e do fascínio dos cactos em flor.
É maravilhoso assistir ao resplandecer dos passeios, à filantropia dos açudes, ao exagero dos discursos dos controladores de tráfego aéreo, à perícia da pesca às enguias ou da caça dos gambozinos.
Depois, quando chove, os pneus dos carros desenham trajectórias ambivalentes e os pássaros voam baixo.
Encostado à janela do meu quarto suspiro por um céu cheio de metáforas.
Lá fora caem penas de cegonha ilustradas por pintores disparatados.
Sento-me numa cadeira antiga e suspiro por tardes imensas de tédio.
Num canto da casa uma imagem mínima concretiza-se em azul.
Mais logo à noite comerei maçãs assadas.
É esta uma outra forma de existir.
Será?

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