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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

31
Ago06

Sempre

João Madureira
2004_0515Chaves0103.JPG
Por vezes o tempo tece uma segunda pele.
A espaços o tempo tece uma segunda pele nas portas do paraíso.
E não é uma pele suplente, nem uma pele substituta. É outra pele. Outra película. E depois outra. E outra. E outra. E outra.
O tempo abre com paciência pequenas gretas na tinta. Depois perfura o ferro e a madeira. De seguida prolonga-se nos interstícios das pedras. Posteriormente invade o escuro. E depois segue por aí fora. Sempre com muita paciência. Sempre com infinita determinação. Sempre e sempre e sempre e para sempre.
Para sempre, com infinita determinação.
30
Ago06

Subtilezas

João Madureira
2004_0711ficojulho2004-b0001.JPG
Tudo no que penso dá-me sinceras mortificações.
Mas, para além disso, o remédio é o mesmo e a posologia constante.
Depois é ver-te a sorrir e as dúvidas varrem-se-me da cabeça.
Fico limpo, calmo, pronto para descansar o olhar nas tuas intuições desabrigadas.

Quando era mais pequeno ia sempre atrás dos outros, nunca a seu lado e muito menos conseguia pôr-me à frente de alguém. Ainda hoje não sei a razão de tal atitude. Mas nem tudo na vida tem explicação. Pelo menos explicação plausível.
Para dizer a verdade, agora tento menos vezes arranjar explicação para tudo ou sentido para tudo. Com a idade vou aprendendo que o sentido final das coisas não existe. É como se tudo o que persiste não tivesse nem princípio nem fim, como se só existisse um imenso meio que nunca mais acaba.
Há sempre qualquer coisa de indefinido na vida de uma pessoa. Por exemplo, a morte é indefinida. A vida também é indefinida. É mesmo muito parecida com uma contingência espontânea. Qualquer coisa de irrisório e fundamental convivendo no mesmo tempo e no mesmo espaço. Qualquer coisa como se fosse a crua ficção em vez da dura realidade.
Porque muitas das vezes nem a própria realidade é real.
Para perceber as subtilezas – dado que a vida é uma subtileza perfeitamente alucinatória e anacrónica – por vezes é necessário despirmo-nos de tudo o que aprendemos e pensar sem pensar, sem utilizar qualquer raciocínio dedutivo ou científico.
29
Ago06

Desajustadamente

João Madureira
2006_0813quarteiragosto0043.JPG
Eu bem sei que não te ajustas.
Eu sei que não te ajustas. Não te ajustas, eu sei bem.
Quem sabe bem que não te ajustas é a tua mãe. Também o teu pai pressente essa mesma indefinição.
Não te ajustas bem ao perfil. Não é que não tenhas perfil. Ele é que não se te ajusta. Ou tu não te ajustas a ele. Ou as duas coisas em simultâneo.
Eu sei que não é de tua vontade que te desajustas. Tu és mesmo assim e temos que nos conformar com isso mesmo.
Bem, não é conformarmo-nos com esse desajuste que não se te ajusta. É mais termos paciência e vontade em sermos nós próprios.
O desajuste é um termo pouco ajustado para a tua situação.
Aqui calhava melhor um ligeiro sentido de inoportunidade semântica, ou comportamental, ou de postura, ou intelectual.
Bem vistas as coisas, nem os arquétipos definidores se te ajustam convenientemente. Mas isso também faz parte do teu desajuste intrínseco.
Já desde pequeno que o teu comportamento mais ajustado é estares e seres desajustado. Mas isso tem a sua beleza.
Tem o seu encanto próprio, a sua autenticidade policromática.
Fora isso, sinto que és o ser mais ajustado e sincero que conheço.
Mesmo sendo e estando desajustado, qualquer dia és tu o ajustado e os outros é que vão andar atrás de ti para se ajustarem… ou desajustarem.
28
Ago06

Fios e tensões

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro10054.JPG
Já anda por aqui algo de belo e indefinido.
Já anda por aqui qualquer coisa que se move.
Já anda por aqui o que não anda por aí, nem por ali.

Se por acaso alguém interessante andar por aí diz-lhe que pode vir por aqui.
Se não quiser sair daí, diz-lhe que pode olhar para aqui.

Já anda por ali algo que deseja andar por aqui.
E por aqui anda algo que gostava de andar por aí mas ainda anda por ali sem saber que pode andar por acolá e por aqui e por ali sem se preocupar com o que os outros pensam da sua maneira de andar, ou estar,ou ser.

Fora isso, o resto consome-se em andar e fazer caminho.
27
Ago06

Será o tempo infinito?

João Madureira
2004_0918chavestarde20003.JPG
Já lá vai o dia.
Hoje passeei pela cidade na companhia de um velho amigo.
Descemos e subimos ruas, parámos para admirar edifícios antigos e rememorámos velhos tempos que nos estão impressos na memória como se fossem marcados a ferro em brasa.
Só por si, passear com um amigo é um prazer. Faz-nos sentir um pouco mais novos, mais solidários, lembra-nos um passado feliz e vivido intensamente.
Não importa que parte dessas memórias sejam produto da nossa imaginação.
O que interessa são as reminiscências doces dos momentos que agora nos parecem felizes e perfeitos.
Dizem que a memória é selectiva e é bom que assim seja.
O meu amigo também é selectivo.
Sabe seleccionar bem os vinhos que bebe, sabe seleccionar os melões mais doces e maduros, sabe seleccionar os pratos mais apetitosos quando vai a um restaurante, sabe seleccionar a melhor música e os melhores livros.
Sabe seleccionar, ainda, os seus amigos.
Quando era jovem, este meu amigo era muito rebelde e as garotas derretiam-se por ele. A mim pouco ligavam. Fui sempre um rapaz apagado, sorumbático, pouco falador e insuficientemente imaginativo.
Hoje já falo um pouco mais, mas continuo um homem apagado.
O meu amigo continua alegre e sorridente, atractivo para as mulheres e bom garfo.
Quando vem a Chaves gosta de passear pelas ruas antigas na companhia dos amigos.
Ainda se lembra dos tintins que líamos a meias nos bancos do jardim do Tabolado.
Também se lembra dos poemas do Fernando Pessoa que líamos e decorávamos para recitar às raparigas namoradeiras.
Nós apreciávamos muito o poeta, as garotas é que não lhe achavam lá grande piada.
Mas também para que serve uma rapariga que aprecia Fernando Pessoa na sua juventude?
Cada coisa a seu tempo.
É que o tempo esclarece muita coisa e dá alguma maturidade.
Mas arruína muita realidade, apaga muita beleza, esclarece muito equívocos e destrói intensas ilusões.
Fora isso tem a propriedade de tornar tudo finito.
26
Ago06

Para que serve pensar?

João Madureira
2004_0816quarteiracoimbra0046.JPG
Escrevo-te de C. onde continuo a gastar dinheiro pensando que ando a descansar e a divertir-me. Mas é engano.
Quando uma pessoa se senta num banco de jardim, mesmo parecendo que está a descansar, pode não estar. Pode estar a pensar. E quem pensa nunca descansa.
Muitas vezes sento-me num banco a pensar e canso-me tanto que, por vezes, penso que estou seriamente doente.
Pensar muito é uma doença. Uma doença crispadora, profunda, intermitente, alucinatória, viciosa, deslumbrante, obsessiva, clara, escura, amarela, azul, amarga, doce, sensível… sensível, doce, amarga, azul, amarela, escura, clara, obsessiva, deslumbrante, viciosa, alucinatória, intermitente, profunda, crispadora…
Enquanto penso costumo beber água lisa e comer uma maçã. É o meu vício.
Costumo também pentear as sobrancelhas com um pente pequeno, ou coçar o joelho esquerdo, ou piscar obsessivamente o olho direito, ou lamber os lábios com a língua, ou tamborilar os dedos em cima do jornal, ou cruzar e descruzar as pernas com muita insistência, ou mexer o nariz em intervalos regulares.
Fora isso, mantenho-me afastado da cidade.
Por vezes percorro caminhos que não vão dar a lado nenhum, ou dou pontapés nas pedras, ou assobio como o fazia quando era miúdo e a mãe me mandava fazer algum recado à noite.
Fora isso, tomo banho duas vezes por dia.
Por vezes escrevo em papeis frases incongruentes, só pelo prazer da escrita manual.
Fora isso lavo os dentes três vezes por dia.
Por vezes como um bolo e tomo uma meia de leite.
Fora isso aborreço-me muito.
Aqui não conheço ninguém, o que é uma bênção, por isso não tenho de cumprimentar ninguém, nem sorrir para gente sem préstimo, nem dar os bons-dias a imbecis, nem saudar parvos, hipócritas ou gente do estilo.
Fora isso cofio a barba, ando de autocarro e paro nas montras das relojoarias para observar os relógios caros.
Por vezes adormeço mesmo à hora do almoço e fico mal disposto.
Fora isso, por vezes adormeço à hora do jantar e também fico mal disposto.
Mas durante todo este tempo penso. E isso traz-me doente.

PS – Por favor, não te esqueças de alimentar e escovar o canguru. E não penses muito porque podes ficar doente como eu. E assim somos dois, o que não é uma boa notícia para a mãe.
25
Ago06

As ruas da minha terra têm alma

João Madureira
2004_0606Chavesdiversos0095.JPG
De tanto descer ruas cresceram-me calos nos pés.
Mas tenho de confessar que as ruas da minha terra são muito bonitas.
Têm alma.
Têm alma.
Têm alma.
E nos tempos de hoje ter alma é possuir algo que começa a rarear.

Têm alma as ruas da minha terra.
E não me canso de o repetir.
Posso até afirmar que eu sou um pouco dessas ruas.
Já por ali passei tantas vezes que de certeza algo de mim ficou lá para sempre.
24
Ago06

O espaço entre

João Madureira
2004_0730santoamaro29julho040105.JPG
Há sempre um espaço que sobra ou que falta naquilo que temos para andar.
É nesse espaço por preencher onde a memória põe os seus ovos de formiga.
Sobeja tanto tempo à manhã como falta à noite.
Só a tarde nos remete para o lento escorregar da luz esbranquiçada do sol.
No campo descem as doninhas às suas tocas.
No mar, os pescadores deitam as suas redes para apanhar o peixe.
No céu, as águias planam em redor dos olhares dos roedores assustados.
Nos lameiros andam os cavalos sedentos de cavalgadas heróicas em busca de água e fêmea.
Mas é à noite que o silêncio se impõe.
É à noite que sinto que as tuas palavras fazem sentido.
É à noite quando a lua espalha o seu brilho de prata.
É à noite que me ponho a observar o rio reflectindo os pontos de luz das estrelas que já morreram há milhões de anos.
É à noite que me esqueço do dia.
Por isso percorro incerto os caminhos fortuitos das pessoas a quem homenageio.
E espero num banco de jardim a tua chegada para te ver iluminar como te iluminaste no último arraial de fogo e dança.
A paz esteja contigo.
23
Ago06

Onde a realidade faz a curva

João Madureira
2004_071420040062.JPG
Estão velhas as telhas do meu telhado.
Mas, mesmo assim, ainda me protegem do sol e da chuva.
São ondulantes na sua simplicidade, enchem-se de líquenes e de musgo e até lhe crescem ervas nos interstícios.
Tudo o que eu desejo é possuir um telhado para me abrigar.

Um telhado é uma mania.
E eu vejo a mania a discorrer lentamente sobre a inclinação das superfícies.
Por circunstâncias imprevistas, as superfícies tornam-se incongruentes e submetem-se aos meus caprichos.

Somos como bichos, como libélulas incandescentes terminadas em u.
Quando os cavaleiros da távola redonda andavam de trotinete, a minha mãe costumava dizer que tão ilustres cavalheiros não passavam de adolescentes deslumbrados com as taças de champanhe e com as crinas das éguas.
Depois os cavalos relinchavam como doidos com ciúmes dos biciclos e a minha avó batia-lhes com uma chibata de couro.
Ficavam tristes os burros ao observarem cena tão cruel.
Mas para a circunstância tanto fazia.

Quando as hélices dos helicópteros se chateiam da rotação entram em rodopio inconstante e desejam finalizar abruptamente o que não tem sentido.

Mais além alguém despeja sorrisos sobre nenúfares e as rãs entram em stress pós traumático.
Nada de definitivo, já se vê.
Ser ou não ser, eis o perdão.
22
Ago06

Quando se olha para cima

João Madureira
2004_0918chavestarde0038.JPG
Anda oblíqua a probabilidade dos espaços circundantes.
De longe em longe renascem iluminações interiores.
Algo de permanente aquece as cidades. Algo de duradouro se inscreve na retina do tempo.

Anda o tempo reclinado com o sentido da vida.

O que tem sentido nem sempre parece que o tem, mas não é isso o que demove as palavras de se inscreverem na razão dos sonhadores.
Quando alguém sonha a lua tarda em se fasear.
Dormem os láparos ao relento. Gemem as mães lobas com o movimento das marés uterinas.

Mais lá no alto as andorinhas desdizem os caminhos por descobrir.
É tempo de nos pormos a ver passar os amantes.

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