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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

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10
Set06

A cultura do meu amigo

João Madureira
2004_0813quarteira0030.JPG
Hoje apeteceu-me comer um gelado enquanto conversava com um meu amigo que é muito dado às coisas da cultura. E falámos muito e falámos bem. De vários temas, todos interessantes.
Digo-vos que é muito útil falar com esse meu amigo. Isto é, quando ele nos deixa falar. É que ele sabe muito de muita coisa, sobretudo de alta cultura. Fala muito e bem sobre os mais variados temas. Todos temas muito interessantes, muito abrangentes e muito actuais. Ele é até mais culto do que a maioria dos cultos do nosso país. E olhem que, mesmo sendo Portugal um pequeno país, possui, mesmo não parecendo, muitos e bons homens e mulheres de cultura. Mas, mesmo assim, este meu amigo supera-os quase todos.
Ele fala muito, bem e depressa e nunca, mas mesmo nunca, revela dúvidas demonstrativas enquanto discursa. Ou seja, nunca se engana, nunca se atrapalha, nunca gagueja. O discurso sai-lhe sempre límpido, sem hesitações, sem atrapalhações, sem flutuações, ou outras indeterminações. Com ele é sempre a direito, mesmo quando o seu discurso revela uma configuração um pouco mais sinuosa.
Tem este meu amigo a qualidade de tudo descobrir. De pôr tudo claro como água. A sua cultura é muito apreciada pela família, pelos amigos, vizinhos, colegas e até por alguns dos seus inimigos. Mesmo os seus inimigos reconhecem que ele é muito, mas mesmo muito, culto, de uma cultura superior, muito metódico no falar, muito comedido nos seus gestos, que também são cultos, até o seu andar é um andar que reproduz a sua brilhante cultura. O seu andar é mesmo muito erudito. De uma erudição convergente, tranquilizante e tranquilizadora. Mas não é só o seu andar ou o seu falar que espelham cultura, o seu olhar também a exprime. De uma cultura impecavelmente estudada. Se a cultura tem alguma utilidade, de certeza que é neste meu amigo onde encontra a sua plena realização.
As suas conversas, mesmo quando parecem fúteis, não o são. O meu amigo dá-lhes sempre um toque culto. Até quando come consegue encher-nos de cultura. Com ele tudo se transfigura em cultura: os gestos, os talheres, os condimentos, as toalhas, os guardanapos, os tachos, os copos, o vinho, até mesmo os palitos dos dentes ganham uma auréola sublime, uma importância inaudita com espaço próprio na história universal. Depois é a sobremesa que se nos agiganta na sua intrínseca utilidade, no seu inseparável conceito culinário, na sua ancestralidade cultural, na sua significância metafísica, no seu indesmentível valor simbólico e prático, na sua génese voluptuosa, no seu redimensionamento monástico, nas sua decifração metafísica, ou estrutural, ou alegórica. A tudo lhe encontra sentido, forma, objectivo, importância, sedução, uniformidade, relação e arte. Até na falta de cultura encontra cultura. E beleza. Para ele tudo é belo porque, na sua perspectiva, tudo se reduz à linguagem. No princípio era o verbo, repete ele muitas vezes.
É muito esclarecedor em tudo aquilo que diz. Revela-nos a cultura que está por detrás da disposição das cadeiras, na colocação dos candelabros, no ritual de nos sentarmos ou nos levantarmos da mesa. Aponta-nos o conflito civilizacional e a evolução cultural que está por detrás do acto de não cruzarmos cumprimentos de mão, elucida-nos com muita competência sobre o modernismo sistémico das floreiras numa sala de estar, ou sobre o conflito epistemológico das reacções químicas entre pessoas que se querem bem.
Uma noite passada com este meu amigo vale por uma semana inteira a estudar a enciclopédia brasileira de cultura.
Podia estar aqui toda a noite a escrever que não era capaz de expressar convenientemente a sua cultura. Por isso aqui vos deixo este pequeno intróito com a única intenção de prestar, a esse meu amigo, uma singela homenagem que, não sendo culturalmente relevante, é sincera.
09
Set06

Voos dominantes

João Madureira
2004_0515Chaves0043.JPG
Hoje comecei a voar ligeiramente mais baixo do que o habitual.
Mas, mesmo assim, não desisti do meu voo. Nem de observar ou desejar o teu.
Sempre ambicionei voar devagar como quem dá um beijo sem se preocupar com o que está para além dele.
O voo, ou o beijo, já fazem parte da eterna sucessão do pousar e levantar, porque sempre existirá quem se põe a voar pelo simples prazer de sentir o ar a amansar-lhe as asas, ou por gostar de contemplar as coisas dum modo diferente. Porque uma perspectiva não é a mesma coisa que aquilo que se vê sem essa perspectiva.
Sempre que me decido a voar, o ar à minha volta confunde-se com a vontade e logo ali se forma um vórtice capaz de agitar o mundo. Por vezes não é a força o que desloca os objectos, ou o que fabrica sentimentos, ou o que despoleta paixões, ou desencadeia ilusões. Por vezes são as lágrimas dos teus olhos quem incendeia as nascentes que invadem o renovo.
A meio do dia tentei voar um pouco mais alto do que o habitual.
E voei mais alto do que é habitual em mim àquela hora.
Mais tarde ainda voei um pouco mais alto do que é habitual em mim e ninguém, que eu saiba, notou qualquer diferença.
Bem, a diferença não está no voo, está na altura em que se pratica. O voo em si é simples: impulso, agitação das asas, um pouco de intensidade física, um pouco de leviandade e lá estamos nós no ar sem saber bem porquê. Quem voa não se apercebe da dificuldade que têm em voar aqueles que não sabem. Mas é sempre bom superar as dificuldades ou sonhar em fazer qualquer coisa que saia do banal.
Voar para quem voa é mesmo um pouco trivial. Voar para quem não voa é uma impotência quase íntima.
Há muitas pessoas que implicam sempre com a possibilidade dos voos. Ou porque não sabem, ou porque não querem, ou porque não desejam, ou porque incomodam, ou porque voar é fútil. E voar é mesmo fútil. Caminhar é bem mais estável. E é aquilo que a maioria pratica. Andar é só pôr um pé à frente do outro e depois seguir o movimento e praticar a rotina. Voar é um pouco diferente. Além das asas, é preciso ter coragem. E ter os olhos bem abertos. Porque o acto de voar só se consuma quando se consegue avistar o mundo de distinta feição.
Mais a mais, quem voa não gosta de andar.
Quem voa gosta de voar e de ver por onde voa.
Num voo não há limites.
08
Set06

Momentos

João Madureira
2004_0918chavestarde0016.JPG
É de momentos que vivemos e também é nos momentos que a existência se constrói.
Nos intervalos lá vamos pulando de acontecimento em acontecimento até ao epílogo, até ao acontecimento final, que é sempre o mesmo.
Isto faz com que a vida seja um absurdo com um princípio feliz e um final desventurado. Pelo meio há muito teatro.
Pode-se dizer que os acontecimentos da nossa vida, seja ela qual seja, são sempre uma encenação teatral. E nós o actor principal que é sempre secundário em relação a um terceiro que é um figurante e mais outro que é outro figurante e por aí fora, tudo isto numa cadeia ininterrupta de papéis principias, secundários, figurantes, aderecistas, encenadores, etc., numa lógica vertiginosa de tudo e nada ser no palco da existência que é uma existência mal ou bem vivida, com altos e baixos, com momentos dramáticos e outro cómicos, com fases alegres e outras tristes.
Se existe alguma coisa que valha a pena, viver é uma delas.
Mas viver é como comer, é vital mas exige trabalho, exige dedicação e a consumação de actos que vistos de fora são ridículos mas subsistem como se fossem absolutamente essenciais à ilusão.
E a vida é ilusão. Sempre ilusão. E atrás de uma ilusão outra lhe sucede e outra e outra.
Pois, por agora, fixemo-nos no teatro que a ilusão antecipa.
07
Set06

O que tenta

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro10005.JPG
Anda o país deprimido. E isso não é um bom sinal.
Uns sobem ruas. Outros descem ruas. Outros não sobem nem descem ruas ou o que quer que seja, limitando-se a andar nas ruas que não sobem nem descem ou que nem descem nem sobem.
Alguns dormem enquanto uns descem ruas e outros espreguiçam-se enquanto os que dormem se viram para o outro lado esquecendo-se dos que estão acordados mas andam sonâmbulos com a depressão dos que descem e sobem ruas e os que não fazem nem uma coisa nem outra nem sequer se sentam ou se levantam.
Para vos dizer a verdade, à semelhança dos que se baralham, também eu já não sei bem se estou a subir uma rua ou a descer uma viela, ou a galgar umas escadas ou a tropeçar nos seus degraus ou a deslizar na sombra de um carvalho ou a abrigar-me na textura de um sicómoro ou a subir a uma figueira ou a sentar-me num sofá ou a caminhar na via láctea ou a correr no campo ou a fugir de um pesadelo ou a fingir que não finjo ou a escrever o que não escrevo ou a não escrever o que escrevo ou a fingir que não finjo ou a pensar que não penso ou a comer o que não como ou a beber o que não bebo ou a dizer o que não digo ou a ver se adivinho aquilo que adivinho ou vou adivinhar o que não desejo ou vou desejar o que não quero ou vou querer o que não sei ou vou estudar o que não anseio ou vou beber o que me faz mal ou vou maldizer o que te incomoda ou vou incomodar quem não quero ou vou querer quem não posso ou vou possuir quem não desejo ou pretendo desejar quem não está ou acariciar quem já acariciei ou vou ler o que já li ou não li ou ver o que me deprime ou vou deprimir-me com o teu desequilíbrio ou desejar sempre desequilibrar-me com harmonia ou ambicionar ir onde não vou ou escrever o que nunca escreverei porque não sei ou, mesmo sabendo, não me interessa, ou, interessando-me, não me excita, ou, excitando-me, não me convém, ou, convindo-me não me satisfaz ou, satisfazendo-te, me obriga a começar tudo de novo e isso eu não consigo fazer. Por mais que tente. Por mais que tente. Por mais que tente. E eu tento. Tento muito, mas mesmo muito. E tento outra vez. E outra. E outra. E volto a tentar e a tentar de novo. E outra vez mais. E sempre mais outra vez e outra e outra e outra… e outra. E vou tentar de novo.
De novo vou tentar.
06
Set06

Um pouco mais de Azul...

João Madureira
DSCF0021.JPG
Ando um pouco louco com tanto azul.
Só o azul me consegue dar um pouco de frenesim.
Olho e olho e olho e não me canso. Não me canso nem me chateio.
Já em pequeno era o olhar azul da minha avó que me transmitia ânimo, alegria e me dava protecção.
Os seus olhos azuis de céu enchiam-me de coragem e chegava a pensar que éramos eternos.
A imagem dos seus olhos ainda hoje é eterna para mim. A sua doçura, a sua claridade ancestral, o seu sentido permanente de aconchego e paz.
Sobretudo a paz dos seus olhos ainda me acompanha em muitas ocasiões.
Por exemplo, neste momento tenho-os na minha frente, afáveis e cristalinos.

De azul me abrange o mar quando descanso.
De azul me invade o céu quando o contemplo.
São azuis as flores que aprecio.

Quanto mais azul mais carinho.

Atenção que o ouro do futuro há-de ser azul.
O saber já o é.
Também é azul a beleza mais discreta. Ou os poemas mais intensos. Ou as paisagens mais apelativas, ou os pensamentos mais profundos, ou os quadros mais completos, ou as fotografias mais bonitas, ou os sonhos mais felizes, ou as festas mais enérgicas, ou as memórias mais queridas, ou os sabores mais intensos, ou os olhares mais sedutores, ou os amantes mais caprichosos.
Também é azul a vontade que não desalenta, o amor que não acaba, a amizade que continua, a palavra que é sagrada, o carinho que se dá.
Tornam-se azuis os livros que lemos mais do que uma vez, as terras semeadas com o trabalho árduo dos camponeses, ou as fontes quando os cavalos sedentos se aproximam para matar a sua sede.
É azul a vontade de estar na tua companhia.
É azul a finita eternidade que existe em cada ser humano.
05
Set06

A estimação dos animais

João Madureira
2004_0816quarteiracoimbra0108.JPG
Escrevo-te ainda de C.
Por aqui continuo a gastar os meus parcos rendimentos mas faço-o cada vez mais com redobrado prazer. O prazer de gastar, de nada deixar a ninguém, nem sequer à Misericórdia, nem a nenhuma outra instituição, seja ela de caridade, cultural, cívica, militar ou protectora dos animais e afins.
Por cá a gente atrapalha-se nas ruas. São tantos os que por aqui andam de um lado para o outro que parece que o ar para respirar nos falta.
Este formigueiro em constante movimento por vezes põe-me louco.
Como louco fiquei quando soube que o canguru que deixei à tua guarda desapareceu na noite.
É que eu tinha uma consideração peculiar pelo animal. Além de ser de estimação, era um ser estranho, mas profundo. Eu costumava falar muito com ele. E ele ouvia-me com muita atenção, interesse e bonomia. Interlocutor assim nem mesmo tu o consegues ser.
Digo-te que ando um pouco desconfiado que foste tu quem o deixou fugir. Bem, fugir não, pois o animal não era de fugidas. Estava muito habituado à minha casa. Andava pelo jardim com muito estilo, cantava lindas canções de embalar que ouvia à governanta, assobiava com bastante intensidade e tocava muito bem o tambor.
Por vezes até tratava da horta e tinha um carinho especial pelo talhão dos tomates e das cebolas.
Desconfio que o expulsaste de casa ou o vendeste ao circo. Se tal fizeste juro que to farei pagar em duplicado, pois sou muito bem capaz de te esganar a catatua que te trouxeram do Brasil e depois assá-la e comê-la na companhia do meu cão de caça.
Que te desfizesses do esquilo esquizofrénico ainda vá que não vá, agora expulsares-me o canguru da quinta ou vendê-lo ao circo, isso é uma afronta muito séria à minha pessoa e à nossa profunda amizade. E sabes bem que uma amizade pode resistir a tudo menos aos golpes baixos e aos ciúmes.
Como me dói muito a cabeça, vou-me até ali à farmácia comprar umas aspirinas.
Despeço-me até à próxima, enquanto aguardo que me restituas o canguru, senão vai ser o cabo dos trabalhos para nos tornarmos a dar como irmãos. Que é aquilo que somos na realidade.
Envio-te este postal com um pedido de desculpas, é que no quiosque não havia outro e este é um pouco enigmático, mas nalguma coisa tinha de escrever.


PS – Peço-te encarecidamente que continues a dar de comer e beber aos meus queridos animais. Especialmente ao lagarto albino do Texas.
04
Set06

O número sagrado

João Madureira
2004_0711ficojulho20040065.JPG
Três foi a conta que Deus fez.
Três são também as fontes do São Caetano, que é um bom santo. Um santo amigo, discreto, solidário, respeitador e padroeiro da minha freguesia. E nestas coisas quem tem uma freguesia tem tudo e quem não a tem não tem nada, ou quase nada, pois é muito difícil alguém ter um santo padroeiro se não pertencer a uma freguesia que tenha um santo padroeiro. E, mesmo nesse caso, é necessário ter sorte com o santo, porque mesmo padroeiro, nem todo o santo é santo e nem todo o padroeiro é de confiança, mesmo sendo o santo santo e a confiança isso mesmo.
O mesmo se deve afirmar para a água do São Caetano, que, mesmo correndo por três bicas, tem a mesma qualidade que se corresse por uma só.
É a água das três bicas uma água abençoada, pois nasce no meio da serra, ali mesmo entre fragas e tojos, entre giestas e urzes, entre fetos e pinheiros, entre o céu e a terra, entre as pedrinhas e as estrelas, entre o cume e a encosta, entre Deus e o Diabo. Por isso mesmo está lá o santo, para afastar o Diabo e encarreirar a água para as três bicas.
São as bicas três que foi a conta que Deus fez para que o Diabo não se atreva a contar doutra maneira e, assim, endrominar os fiéis do São Caetano e fazê-los beber água por vinho, pois tem o vinho, mesmo sendo bom, um leve toque de heresia e um leve sabor a pecado, isto tomando a perspectiva do cristianismo elaborado, porque, se partirmos da mensagem do cristianismo mais primitivo, tem a água benzida por Deus, através de Cristo, seu filho, a qualidade de se poder transformar em vinho, logo ali e de uma assentada. E vinho do bom. Isto desde que Deus esteja bem disposto e o seu filho numa festa de gente boa e livre do pecado original.
Fora isso, São Caetano tudo perdoa e aceita a quem for puro como a água que corre nas três biquinhas do santuário, mesmo que o sedento goste de vinho e abomine o líquido incolor, inodoro e insípido.
E por hoje está o recado dado, que é como quem diz, está a oração feita, ou como quem afirma, está a boa acção efectuada.
E o resto são cantigas, dado que o meu santo padroeiro é ainda um santo alegre e sorridente, isto quando pode, e pode pouco, mas, mesmo assim, quando pode pode e não se importa que toquem lindas modinhas nas procissões e arraias.
03
Set06

Cometas

João Madureira
2004_0714chaves-noite-julho140029.JPG
Têm um brilhozinho bonito as ruas de todas as noites da nossa cidade.
É esta pátria um benefício para as origens.
Terra na terra.
Doces são as sombras que circulam na nossa cabeça.
Lá ao fundo da rua um gato solitário atravessa a penumbra dos sentidos.
Cansado descanso a alma no corpo.
Depois ficam-nos na memória os desenhos íntimos das janelas descobertas pela luminosidade dos candeeiros.
Passo a noite a sussurrar canções para um gravador portátil, soletro palavras esquisitas e construo frases com sonoridades puras e íntimas.
Também envio versos contemplativos de encontro às paredes das casas.
Tudo tem o seu tempo.
Tudo tem o seu tempo.
Tudo tem o seu modo.
02
Set06

Onde?

João Madureira
2004_1218torrervededo0013.JPG
Onde está a tua página?
Onde estás tu?
Onde estás tu na página que eu adivinho?
Onde está o adivinho?
Onde está a adivinha?
Onde está o ponto?
Onde está o?
Onde está?
Onde estás tu?
Onde estás?
Onde?
?
01
Set06

A louca aliança dos gatos almiscarados

João Madureira
2004_1218torrervededo0021.JPG
Lá fora circula o vento com prazer.
Cheira-se algo de alquímico no verde dos teus olhos.
Nos teus olhos transitórios. Na cor definitiva dos teus olhos.
No essencial da focagem, na virtude do movimento da retina, no resvalar constante do globo ocular.
Já vem de longe essa iridescência rebelde, o soletrar ambíguo do falar, o realce metafísico do discurso revelador.
Algo de perceptível se revela no fólio fotográfico. A sombra adquire forma, a forma ganha expressão, a expressão atinge nitidez. A nitidez alcança ainda mais nitidez, e ainda mais e mais ainda. Isto à medida que o líquido revelador faz o seu trabalho alquímico.
Pois é de pura alquimia que falamos quando falamos de desejo. Do desejo puro. Da simplicidade do amar uma réstia de sol que cai sobre as tuas costas acesas com o desejo translúcido pelo olhar das espigas tombadas sobre o lado direito da seara.
Lá ao longe, as papoilas disfarçam-se de manchas ténues de sangue.
Têm as flores que te nascem nos lábios o secreto destino dos beijos derradeiros, algo como se a lua morresse ao nascer do dia, ou a saliva dos teus beijos se filtrasse em licor primitivo.
Quando voa o olhar pela seara, os pássaros ganham ainda mais coragem para debicar os grãos de centeio. Ali ao fundo da imagem, o perfume do teu cabelo almiscarado confunde os dias e as noites do Egipto.
É em África onde os deuses da fertilidade semeiam o desejo e a sua urgência vital.
É forçoso esperar-te no fundo do dia para descansar um pouco das sensações simples do vento que circula lá fora com prazer.
E é nesse prazer que se escondem as explosões silenciosas das ofensas.
Sei que pareço incómodo e incauto. Mas não é por mal.
Nada do que é sincero merece censura.
Mas é de loucos a aliança que tentas impor aos gatos.

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