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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

10
Nov06

Eles, aqueles... os outros

João Madureira
2004_0730santoamaro29julho040083.JPG
– Lá voltam eles.
– Sim, pois.
– Olha, olha… Este vai e vem não é habitual.
– Tal e qual.
– Olha, olha, lá voltam eles.
– Pois.
– Olha, olha… Anda tudo maluco. Olha, olha, lá voltam eles.
– Sim.
– Olha, lá voltam eles. Com tanto barulho não vou poder dormir. Eu que já só sou uma insónia constante. Olha, olha, lá voltam eles.
– Está bem. Sim.
– Tu não me estás a ouvir. Olha, olha, lá voltam eles. Que coisa absurda dançar à noite. Olha, olha, lá voltam eles.
– Eles quem?
– Eles.
– Pois.
– Olha, olha, lá voltam eles. Que noite vou ter, meu deus. Com tanto barulho aqui na rua não vou poder descansar. Eu que já durmo tão pouco. Eu que sempre fui pouco agora sou quase nada. Olha, olha, lá voltam eles.
– Eles quem?
– Eles, aqueles. Aqueles ali. Estou mesmo a ver que não vou conseguir dormir mesmo nada com esta barafunda toda. Olha, olha, lá voltam eles. Olha, olha…
– Aqueles, quem?
– Aqueles, eles.
– Mas aqueles não são eles.
– Não são eles, aqueles?
– Não, eles são os outros. Aqueles não são eles.
– Olha, olha, lá voltam os outros.
– Não, aqueles não são os outros. Aqueles é que são eles.
– Quem? Os outros?
– Não. Eles.
– Eles? Aqueles?
09
Nov06

Água perpétua

João Madureira
2004_1208chavesDezPonteRio0037.JPG
Por agora entrego-me ao prazer de atravessar a ponte e de olhar o Tâmega como se fosse a primeira vez.

O Tâmega é uma ponte ao contrário. É um vínculo entre sítios e memórias.
Já passou por tudo e por tudo continua a passar.

A ponte é um ponto de encontro.
Também é um andamento íntimo.

Ressoam na nossa memória todas as histórias do mundo.
Uma única história é a história de tudo.
Todas as histórias contêm a água dos rios, os seus segredos, a sua múltipla linearidade líquida.

Um rio vai mas volta sempre. Volta na forma poética de uma nuvem abnegada. Volta em gotas doces de transparência. Em metamorfismos.

Anda a ponte às voltas com a água. Fica a água inquieta com as margens.
Deslizam nela as imagens de quem passa, numa pressa substantiva, ou num vagar sedutor.

Depois tudo se enche de cor, da cor dos olhos de quem observa a vida em reflexos deslumbrantes.

A vida é um rio.
A existência de um rio é um olhar.
Um olhar é uma vida.

Todas as auroras do mundo cantam o ciclo perpétuo da transparência.
07
Nov06

Revelações

João Madureira
2005_1126ChavesA11nov0043.JPG
Têm as coisas belas uma música muito própria.
Possuem nos interstícios algo de fascinante.
E o fascínio é, em si mesmo, uma disposição reveladora.
Como revelador é a exaltação da simplicidade.
06
Nov06

Eu sou o meu próprio frio

João Madureira
2004_0515Chaves0082.JPG
Tenho frio.
Eu sou o meu próprio frio.
O meu gelo.

Eu sou aquele que olha e não avista aquilo que estima.
Eu sou aquele que fala e não consegue perceber o que diz.
Eu sou aquele que pensa e não alcança solução para as suas perguntas.

Agora é sobretudo a tristeza quem me faz companhia.
É ela quem me enche os bolsos.

Já lá vai o tempo em que me punha a cantar como os pássaros nas manhãs de Primavera, agora só me saem gemidos.
Agora, mesmo quando estou ao sol, não faço sombra.
Quanto mais ando menos saio do sítio.
Quanto mais me lavo mais sujo fico.
Será da água senhor?
Será da desdita?

05
Nov06

... e plong?

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro0016.JPG
Pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling, pling…
04
Nov06

As folhas da loucura

João Madureira
2004_1005interioresq0022.JPG
Eu sou um camaleão.
Um leão que gosta muito de cama.
Uma perfeição imperfeita.
Uma mitologia, uma trilogia, uma genealogia estrábica.
Sou o deus Anúbis, ou Ramsés travestido, ou uma piranha semântica.
Para além disso, só me resta ler todos os livros…
Ou nenhuns…
Ou…
03
Nov06

Ir e vir

João Madureira
2004_0813quarteira0146.JPG
Passei alguma parte da minha juventude a andar. Andava muito.
Andava em volta do tempo, da amizade e da esperança.
Compunha circuitos concêntricos que sempre me traziam de volta ao mesmo lugar.
No fundo, a vida é um pouco isso: uma sensação de movimento sem avanço real.
É uma curva contínua que nos transporta constantemente ao ponto de partida.
Estamos sempre a partir para chegar ao mesmo lugar. Sempre a partir e a chegar. Sempre a chegar e a partir. Sempre a ir e a vir. Sempre a vir e a ir. Sempre a fugir. Sempre a chegar. Sempre a ir. A ir e a vir. Sempre a partir. Sempre a chegar. Sempre a fugir. Sempre a colidir. Sempre a cair e a decair. Sempre a sair. A ir e a vir. Sempre a medir e a prevenir. Sempre a sentir. Sempre a divergir, a aderir, a ferir, a interferir. Sempre a ir e a vir. Sempre a vestir e a despir. Sempre a competir, a inflectir, a reflectir e a repetir. A ir e a vir. Sempre a dividir, a exibir e a proibir. Sempre a ir, sempre a rir e a fugir. Sempre a transigir, a transgredir, a confundir, a reunir, a surgir, a cuspir, a punir, a deduzir, a produzir. Sempre a ir e a vir. Sempre a seduzir. Sempre a reproduzir. A ir e a vir. A ir e a vir. A ir e a vir. Sempre a seduzir. Sempre a fremir, a ir e a vir. A ir e a vir. A ir e a vir. Sempre a inserir. A ir e a vir. A ir e a vir. A ir e a vir. Sempre a repetir, a seduzir, a inserir. A ir e a vir. A insistir. Sempre a insistir. Sempre a insistir. Sempre a fornir. Sempre a curtir. Sempre a introduzir. A ir e a vir.
Sempre a presumir.
02
Nov06

Mortes cíclicas

João Madureira
2004_0711ficojulho2004-b0032.JPG
Está o porco no banco e por isso o texto fica fora de contexto.
Eu também ajudei a matar porcos.
Bem, a matar não. O que eu fazia era olhar para eles e vê-los morrer agarrados pelos homens enquanto o matador lhe espetava a enorme faca na direcção do coração.
Ele roncava muito. E esperneava. Entretanto o sangue escorria para uma bacia. E o animal, enfim, ficava quieto. E calado.
Depois chamuscava-se-lhe o pêlo, lavava-se com água e esfregava-se com pedras. A água tinha que estar bem quente porque o porco frequentemente morria nas manhãs frias de Inverno, em dias de neve ou geada. Depois esventrava-se o bicho e tiravam-se-lhe as entranhas. Algum sangue era prontamente cozido e servido ainda quentinho, temperado com azeite e alho. Acompanhava-se o pitéu com bom pão centeio e uma pinga do maduro.
Isto durava uma manhã, entre os ditos bem-humorados das mulheres e as piadas brejeiras dos homens. O resto eram cantigas, assobios e sorrisos.
Quando o porco ficava limpo, pendurava-se de cabeça para baixo e aí ficava a enrijar as carnes para que dali a dois ou três dias, o matador o fosse desfazer, com muita mestria e erudição.
Seguia-se-lhe a etapa do sal e tudo terminava no ciclo do fumo.
Enquanto isto acontecia, já um outro porco engordava na corte para o próximo Inverno.

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