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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

21
Dez06

O carinho e a determinação

João Madureira
2004_0813quarteira0060.JPG
Escrevo-te de A. Com muito carinho e determinação.
Sobretudo com carinho, mas também com muita determinação.
Agora ando muito determinado. E também carinhoso.
Ando determinado a candidatar-me a uma bolsa de estudos para o estrangeiro destinada a pessoas da terceira idade. É que eu gosto muito de estudar. Cada vez gosto mais de saber, porque saber é compreender e compreender é ir mais além. E eu quero ir mais além. Muito mais além. Mas mesmo muito mais além. Sempre mais além. E mais além.
Além disso, compreender é perdoar. E há por aí muita gente a necessitar de ser perdoada. Sobretudo muitos dos políticos do nosso país que prometem uma coisa e depois fazem outra. Mas a verdade é que uma coisa é falar e outra administrar. E para alguém administrar o país precisa de muita coragem e muito saber. Também necessita de muita paciência, pois os portugueses são ruins de aturar. Nunca sabem muito bem o que querem. Só sabem que querem. E é só nisso que pensam, no querer.
Mas para querer com qualidade é preciso muito saber. E para saber também é necessário crer, crer em algo, nem que seja no Diabo. Porque quem crê no Diabo também crê em Deus e quem crê em Deus também crê no Homem e quem crê no homem também crê na mulher e quem crê na mulher também crê no pecado original e por isso mesmo crê nos animais, sobretudo nos animais que levam ao pecado, como a serpente do paraíso e daí até acreditar na criação do mundo e só um passo. Depois é relativamente fácil acreditar nas almas e no purgatório e no além e no baptismo e no Natal.
E é aí que bate o ponto.
Eu já acredito em tudo, porque não acredito em nada.
Até acredito que o Natal é a festa do nascimento de Jesus.
E tu se não acreditas é porque és parvo, sem ofensa, claro.

Por hoje é tudo. Um abraço.

PS – Não te esqueças de polir o cágado e de dares os biscoitos de Natal ao cão. Ele adora. Vais ver que até te lambe as mãos.
20
Dez06

In Memoriem

João Madureira
2004_071420040023.JPG
Fizeram uma patifaria aos patos.
E as pobres aves não mereciam tal desdita.
Eu sei que as eliminaram por causa da gripe das aves.
Mas a gripe dos humanos também é contagiosa e não é por tal circunstância que se eliminam.
Com que direito é que se matam centenas de aves inocentes só por suspeita de contágio?
Está visto, os seres humanos não têm coração. Pensam que só eles é que têm direito a existir. E tudo o que os ameaça merece ser eliminado.
São uns verdadeiros canalhas.
Primeiro semearam de patos o Tâmega e depois eliminaram-nos de forma grotesca, como se fossem judeus.
Tal procedimento é uma ignomínia, um atentado ecológico, uma afronta aos direitos dos animais.
Convém dizer que nenhuma das forças vivas da cidade se referiu a tal atentado, o que demonstra que se não temos um poder autárquico sensível à ecologia e aos direitos dos animais, muito menos possuímos uma oposição dedicada às grandes causas.
Nem às pequenas, estou em crer.
Por isso aqui fica esta chamada de atenção em memória das muitas aves que, de um dia para o outro, desapareceram do rio do nosso contentamento e que tanta beleza lhe transmitiam.
19
Dez06

Quanto mais pressas…

João Madureira
aguas - j.madureira.JPG
A ver se me apresso senão vou apanhar uma molha das valentes.
Ou melhor não. Já estou farto de me apressar. Agora é pressa para tudo. Para levantar. Para ir trabalhar. Para ir às compras. Para ir buscar o filho. Para ir à missa. Para ir ao cinema. Para ir passear.
Para ir.
Deixai-me ir que tenho pressa.
Raios partam tanta pressa. Agora tem-se pressa para tudo. Já tenho pressa de acabar. Temos pressa em acabar o que ainda mal começámos.
Tenho pressa para aqui, tenho pressa para ali. Tenho pressa de ter pressa. Deixai-me ir que tenho pressa.
Vou-me embora que tenho pressa. Olá, estás bom? Então até logo que tenho pressa. Ó Rosa já há muito tempo que não te via. Então até logo que tenho pressa. Gostava de falar um pouco contigo, mas não posso porque tenho pressa. Até já me esqueci de onde tinha de ir, mas sei que tenho pressa de lá chegar.
Agora cada vez tenho mais pressa. Tenho tanta pressa que nem posso olhar para as nuvens no céu. Tenho tanta pressa que nem sei se o meu filho precisa de mim. Tenho tanta pressa que me esqueci de dar um beijo à minha mulher, ou de lhe dar os bons dias, ou de reparar se ela vestiu aquela blusa que lhe fica tão bem, ou se levou a pasta consigo, ou de perguntar ao meu filho mais velho se já leu o livro que lhe ofereci nos anos.
Tenho sempre tanta pressa que cada vez me esqueço mais do que tenho de fazer. Por vezes nem paro para ir mijar. Depois dói-me a bexiga. E sinto-me mal. Cansado. Vazio.
Com tanta pressa qualquer dia paro definitivamente sem ter chegado a lado nenhum.
Hoje não vou correr, vou deixar que a chuva me molhe. Vou ter tempo para parar e falar com a Rosa. Vou olhar para os olhos verdes da minha mulher. Vou ouvir o meu filho ler um poema de Herberto Hélder. Vou ouvir uma música na companhia dum quadro do Rui Rodrigues. Vou olhar demoradamente para a erva que cresce no jardim.
Hoje não vou ter pressa.
Hoje só vou querer chegar devagar a casa e embrulhar-me em ti e sentir a flor do meu contentamento crescer e recitar interiormente alguns versos de Herberto Hélder: aprendi devagar – comer devagar, sorrir, dormir devagar, foder – aprendi devagar.
18
Dez06

... e ping, peng, pung, ping, pung, ping, ping, peng!

João Madureira
2004_0905chavesaguasetembro10111.JPG
Pang, pong, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping peng, pang, pong, pang, pong, ping…
17
Dez06

Os delicados transeuntes

João Madureira
2004_1030feirasantos20002.JPG
Ai, eu gosto muito de chouriços, especialmente chouriços de cabaça e de linguiças e salpicões e presunto e ossos da assuã e de grelos e batatas e cebolas e tomates e também gosto das delicadas frases dos transeuntes que se deslocam a Chaves na época do Natal e da Páscoa e por altura dos Santos.
Abençoados sejam todos.
16
Dez06

Algodão em rama

João Madureira
DSCF0018.JPG
– Mãe, quero uma nuvem de algodão doce.
– Ainda ontem comeste uma.
– Mãe, quero outra nuvem de algodão doce.
– Olha que te pode fazer mal à barriga. E aos dentes.
– E a mim que me importa.
– Não queres antes ir para casa ler uma história.
– Não.
– Estou com frio e o barulho faz-me dores de cabeça.
– Mãe, quero ir para o céu.
– Ainda é cedo.
– Então quero uma nuvem de algodão doce.
– Tu estás insuportável. Não se pode sair à rua contigo.
15
Dez06

O pretexto reinante

João Madureira
2004_1208chavesDezPonteRio0059.JPG
Vejo-te ao longe e não te reconheço.
Estou a ficar velho. Velho e cansado.
Ando com frio.
Sabes, o frio é a modos que um pretexto para esfregar as mãos.
As tuas nas minhas.
As tuas nas minhas.
As minhas nas tuas.

Enquanto o rio se afasta, o teu olhar desliza e eu fico mais só.
Mas não é o estar só aquilo que me fere.
O que me agride é a nostalgia insípida do Natal.
O Natal é já uma praga de agitação mórbida pelo consumo.
É um monstro que tudo devora: sentimentos, beleza, paz, família.

Dizem que são os tempos quem determina a imbecilidade reinante.
Mas olha que não, são as pessoas.
14
Dez06

As dúvidas do subdesenvolvimento

João Madureira
j.mad janela.JPG
Desenvolvem-se metáforas nos interstícios das janelas.
Lá onde o mundo é mundo e onde o tempo faz a curva.

Por vezes apetece-me computorizar janelas, digitalizar pensamentos ou ionizar sensações.

Se o tempo se curva, o modo acomoda-se e as latitudes confundem-se.
E tudo o que se confunde, expande-se e sobrevive.

Ou não?

Ou não!

Ou não.
13
Dez06

O nevoeiro baixa

João Madureira
DSCF0005.JPG
Estou que não me aguento.
Correm os tempos frios.
Os homens andam murchos, as mulheres mirradas, as crianças parvas e os animais estouvados.
O sol da manhã é irrisório. O da tarde é impotente.
Depois vem a noite. A noite nascitura. A noite que é escura e hiperbólica.
Posteriormente chega a incerteza indistinta, que é uma noite amarfanhada e uma variação musical… al … al …al

12
Dez06

Nem pouco, nem muito...

João Madureira
2004_0816quarteiracoimbra0029.JPG
Escrevo-te de C. e sem compromisso.
Nada a que tu não estejas habituado. É a vida, que, como todos sabemos, é mais curta que comprida.
E lá vamos cantando e rindo.
Eu agora rio-me muito.
Então quando vejo a semblante que os meus queridos amigos socialistas põem quando o seu primeiro-ministro fala em socialismo e em esquerda, faço um esforço enorme para não me rir por fora, porque por dentro dou gargalhadas que até me fazem tremelicar o coração.
A verdade é que os meus amigos socialistas é que andam tremidinhos de todo.
Dizem que o seu líder não tem coração.
Eu contraponho que pode não ter coração, mas tem cabeça, com toda a certeza. E determinação, também. E coragem.
É um bravo. Um estadista como já há muito tempo que não se via por cá.
Eles estranham os meus elogios. Dizem que é apenas zombaria.
Mas olha que não.
Quem se enche de mofar com os socialistas é o seu secretário-geral. Eu não. Eu até os aprecio imenso. A sua determinação em ir aos comícios, em colar cartazes, em pagar as cotas, ir aos jantares de campanha, distribuir esferográficas, bandeirinhas e réguas.
Eu, para te dizer a verdade, tanto me faz. Já cá tenho a minha reforma e por isso tudo o mais pode ir para o Inferno, como bem diz a canção.
Sim, já sei que esta posição é muito hipócrita, mas digo-te que está muito conforme com os tempos que correm.
E por hoje é tudo. E já não é pouco. Nem muito.
A mim tanto se me faz. Eu quero é aquecer-me neste Inverno e que tudo o mais seja resolvido pelo engenheiro Sócrates.
Estamos nas suas mãos.
Mas eu tenho fé.
Ele é um homem de palavra. Um socialista às direitas.
Um estadista pós-moderno…
E que tudo o mais vá para o Inferno.

PS – Por favor, não te esqueças de escovar o pêlo à doninha e de lhe dar o desparasitante. Não confundas com desodorizante, pois o animal é alérgico a esses produtos de higiene pessoal.
E se por engano lhe aplicas tal mezinha a doninha pode morrer. E isso é grave. Eu não me conformaria e não te poderia perdoar tal dislate.

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