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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

28
Fev07

Espaço dos olhares

João Madureira

 

 

 

Há espaço por onde circulam vontades.

Há vontade por onde circulam espaços.

Há espaço. Há espaços.

 

Eu também estou aí, no espaço da vossa vontade. Na vontade do vosso espaço. Em todo o espaço que há em vós.

Há espaço. Surgem espaços.

 

Têm os olhares sinceros espaço para anteverem a disponibilidade que em vós permanece.

Tenho que ser sincero: eu existo por causa dos vossos olhares. Por causa do vosso espaço. Por causa do espaço que me dais.

 

E isso não é uma dádiva. É um sortilégio imenso.

 

27
Fev07

Bonitas palavras

João Madureira

 

 

Que bem fala o senhor Bispo.

Emprega bonitas palavras, palavras que soam bem, palavras que, por certo, são palavras de Deus. Outra coisa não seria de esperar.

Pena é que eu não as entenda lá muito bem. Mas isso pouco importa. O que interessa não são as palavras. O que interessa é Deus. E Deus, como muito bem diz o senhor Bispo, é palavras.

Ninguém vai para o Céu por dizer palavras bonitas, apenas vai para o Céu quem acredita em Deus. Um analfabeto vai para o Céu. Um surdo-mudo vai para o Céu. Etc.

Ora é isso que me leva a pensar que Deus, sendo também uma palavra, é muito mais do que isso. Nisso é como o senhor Bispo, que, apesar de dizer bonitas palavras, é mais do que as palavras que pronuncia.

Um bispo é um mensageiro. Um líder espiritual da cristandade. Um organizador da Fé. Um orientador de devoções. Um semeador de vontades.

Um bispo é mais do que um padre. E um padre é mais do que um acólito. E um acólito é mais do que um cristão não praticante. E um cristão não praticante é mais do que um agnóstico. E um agnóstico é mais do que um ateu. E um ateu não é nada. Ou quase nada. Também não podemos ser tão radicais.

Um bispo é o contrário de um ateu. É um cavaleiro da redenção, um juiz da crença, um legislador do bem, uma alma boa, uma bondade correcta e digna, uma dignidade temporal, um temporal benfazejo, uma iluminação das trevas, um anti-demónio muito bem informado. Mas mesmo muito bem informado. E formado.

O senhor Bispo fala bem, por isso chegou a bispo. Um padre que fala bem chega sempre a bispo.

Eu gosto muito do senhor Bispo. As suas palavras soam-me bem. Muitas delas não as entendo, mas isso pouco importa. O que é verdadeiramente importante é o seu contexto. E o contexto é bom.

Todos os católicos são bons. É claro que há uns católicos que são melhores do que outros, mas essa é a ordem natural das coisas.

É que nem todos somos iguais como devíamos ser.

Eu acho que devíamos ser todos iguais, devíamos ser todos bispos.

Se assim fosse é que a cristandade era linda. Linda e poderosa. Éramos a modos que um exército de milhões de bispos. A Terra passava a ser a casa de Deus. A sua casa de férias e repouso.

A Terra passava a ser o Céu.

 

26
Fev07

Brrummm, plang, plong, pling, pong, ping, peng…

João Madureira

 

 

Ping, peng, pang, pong, plang, plong, plang, plong, pling, pang, pong, brrummm, pleng, plang, plong, plang, plong, pling, ping, peng, pang, pong, pang, pong, ping, peng, ping, peng, pang, pong, pang, pleng, plang, plong, brrummm, plang, plong, pling, pong, ping, peng, pang, pong, pang, pong, pang, pong, plang, plong, plang, plong, brrummm, pling, pang, pong, ping, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plang, plong, plang, plong, pling, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, brrummm, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, pang, pong, ping, peng, brrummm, pang, pong, pang, pong, ping, peng, pang, pang, pong, ping, peng, pang, pong, pang, plong, pling pleng, brrummm, plang, plong, plang, plong, pling, plang, plong, plang, plong, plang, plong, pling, pleng, plang, plong, plang, plong, pling…

25
Fev07

Obliquidades e outras encadernações

João Madureira

 

 

Está tudo inclinado. Uns inclinam-se para aqui. Outros inclinam-se para ali. E ainda há outros que se inclinam para acolá. Sim, todos se inclinam.

 

Dizem: todos nos inclinamos. Sim, todos nos inclinamos. Só que uns inclinam-se mais que outros. E sempre para o mesmo lado. Mesmo que pareça que se inclinam para outro lado, inclinam-se sempre para o mesmo.

 

O problema não está no lado, está na inclinação. E quando uma pessoa se inclina, o problema não reside no lado, mas na inclinação.

 

Não é o ângulo, é a inclinação. É a subordinação à inclinação, já que a subordinação não tem lado, só tem inclinação.

 

O alecrim cheira bem. Sim, o alecrim cheira bem. Cheira bem o alecrim.

De que lado é que está o alecrim?

 

Sim, a igreja cheira bem, cheira a perfume de rosas. Mas as rosas inclinam-se para que lado?

 

Hoje já o alecrim cheira a rosas e as rosas cheiram a plástico.

Para onde se inclina o cheiro de plástico das rosas?

 

Inclinam-se os templos para o tempo da contemplação dos templos.

 

Serão os templos rosas?

 

Será o templo contemplação?

 

Será o templo plástico de rosas?

 

Serão as rosas alecrins temporais?

 

Serão os templos monumentos à indigência das inclinações?

 

Onde há inclinações sobram os botões de rosas.

 

Ai os cravos! Ai as inclinações!

 

Sobram os botões.

 

Sobram as rosas.

 

Só não sobram as contrafacções.

 

24
Fev07

Espelhos atrapalhados

João Madureira

 

 

Lembro-me que nesta rua havia árvores. Eu penso que por aqui existiam árvores. Actualmente só há espelhos. Vidros que nos espelham, espelhos que se espelham, espelhos que se multiplicam em imagens indistintas.

O que produz, ou se reproduz, onde ambiciona chegar?

As imagens provêm da memória. Da nossa boa memória. Como se uma memória fosse sempre boa! Como se uma memória fosse sempre memória!

Tudo aqui se multiplica. Até a hediondez.

Há nesta época comercial um desconforto lânguido pelo redundante.

Por aqui o mundo arrasta-se de encontro ao esquecimento. Com desconforto e abandono.

Sentam-se nas cadeiras de lona os fantasmas da incoerência. As sombras desdobram-se em ciclos fúteis de irrealidade.

Onde andas tu, inocência? Onde se escondem os delírios da nossa juventude?

Tudo gira em sentido contrário. Tudo volta a não ser. O torvelinho do tempo enlouquece as paredes inundadas de sol.

Por onde andas tu, desengano?

Atrapalhas-te nos espelhos das montras, tu, imagem infiel da realidade.

Por hoje abandono-te no reflexo contemplativo do deslumbramento.

Mais logo procurarei construir o puzzle da minha memória desgovernada.

Sei qual é a peça que falta, só não a consigo é encontrar.

 

23
Fev07

Luminosidades

João Madureira

 

 

À noitinha acontecimentos bonitos ocorrem sem eu saber bem porquê.

Um dos mais extraordinários é quando um camião carregado de luz trespassa a parede da minha sala.

O invulgar é que o camião é só luminosidade, o seu motor não gera ruído algum.

Eu adivinho quase sempre o momento da sua passagem.

Quando isso acontece, sento-me no sofá e fotografo-o com alguma voracidade contemplativa.

Observado de fora, este facto pode até parecer bizarro, mas, para mim, tornou-se usual.

Agora já não me assusta. Antes pelo contrário, tem o doce condão de me empolgar.

A luz em movimento rectilíneo é adrenalina pura.

 

22
Fev07

O mendigo e o carro desconhecido

João Madureira

 

 

Ena pá, que grande máquina! Até brilha. Alguém lhe andou a puxar o brilho. Olha, olha, olha, os bancos são em pele e o tablier é feito em madeira de cerejeira.

Isto é que é uma máquina! Um carro assim até dá gosto. É tão bom que nem sei de que marca é. Mas tenho a certeza que não é conhecido. Se fosse conhecido eu identificava-o logo.

Posso não saber ler mas sei identificar um carro pelo símbolo. O do Honda é como uma ponte. O do Volkswagen parece uma embalagem de ovos do supermercado. O do Audi são uns aros enfiados noutros e assim. O emblema do Mercedes é igual ao símbolo do ípis. O do Toyota é um desenho mal feito, lá à moda dos japoneses. O símbolo do Peugeot é um leão arrepiado. O símbolo do Citroen é muito parecido com as divisas de um cabo. O da Mitsubichi parece o 4 de paus. E o do BMW é assim a modos que uma coisa pintada à maneira moderna. E por aí fora. A mim nenhum carro me passa despercebido. Eu topo-os mesmo ao longe.

Este é que não conheço, mas sei que é dos bons. Isto é carro de rico. Deve ser carro de um doutor médico, desses que fazem exames à … porra … à "prosta" dos homens. Desses que vêm cá uma vez por mês e ganham logo uma pipa de dinheiro.

Olho para este carro e fico todo arrepiado. Também fico arreliado. Uns com tanto e outros com nada. O dinheiro anda muito mal distribuído. Ó se anda!

Eu gosto muito de carros. Gosto muito de os ver, pois outra coisa não posso fazer. Só posso olhar para eles.

Nisso sou muito diferente do Zefereino que, com a raiva que lhes têm, é bem capaz de pegar num prego e riscá-los todinhos. E quanto mais bonito for o carro mais ele o risca. Têm-lhes uma raiva surda. Diz que o dinheiro que custa cada um deles dava bem para alimentar uma família durante vários anos e ainda sobrava dinheiro para a roupa, para ir passar férias ao Algarve e para pagar os remédios que a doença da fartura provoca.

O Zeferino é um cão raivoso. Mas tem lá a sua razão. Este mundo está muito mal arranjado. Uns com tudo e outros com nada. Isto custa a aguentar. Ó se custa!

Fora a injustiça da situação concreta de cada um, eu gosto muito de carros. Então esta espada enche-me as medidas. Se me saísse o Euromilhões era um igualzinho a este que eu comprava. Até podia pentear-me e arranjar o nó da gravata mirando-me no parachoques. E também ia atrair muita Donzela Diesel, como diz o Rui “Beloso”.

As raparigas são doidas por carros bons. E por dinheiro. Gostam de homens com dinheiro e posição. Eles até podem ser para ali uns cangalhos, mas se tiverem o bolso cheio de notas, elas caem logo pelo beicinho. Depois é só abrir as pernas e fechar os olhos, ou ao contrário, ou lá como é.

Eu também já sou para aqui um cavaco velho, mas se tivesse uma máquina destas, de certeza que não me faltavam mulheres.

 

21
Fev07

Almas

João Madureira

 

 

 

Anda o Mundo atrapalhado e os humanos em busca da sua alma.

Uns buscam a sua alma no universo e outros procuram o universo na sua alma.

Uns procuram Deus para que lhes salve a alma.

Outros procuram a alma para que ela lhes indique o caminho de Deus.

Uns andam às costas de Deus – os iluminados.

Outros andam com Deus às costas – os humildes.

Uns procuram a luz.

Outros refugiam-se na sombra.

 

20
Fev07

A espera

João Madureira

 

 

E lá estamos nós à espera. À espera do que há-de vir. À espera de ir, para logo a vir. E à espera de vir, para logo tornar a ir. E lá continuamos à espera. Esperamos uns pelos outros. Eu espero por ti. Tu esperas por mim. Eu espero por ele. E ela por ti. Eu espero descansar depois do trabalho para logo estar pronto para de novo ir trabalhar e de novo poder esperar e pensar em descansar. Espero pela noite para dormir. E espero pela manhã para ir trabalhar. Espero pelos sábados para ir ao cinema e pelos domingos para ir à missa. E espero por dias de sol. E espero que me saia o totoloto e espero que me saias da frente porque me incomodas.

A vida é uma espera permanente. Esperamos por um bom emprego, por uns bons dias de férias, esperamos por obter um trabalho descansado e bem remunerado. E esperamos pelas esperas dos outros. Só que quem espera desespera e nunca alcança.

Estou à vossa espera. Eu que nunca espero, estou à vossa espera sentado num banco de jardim que também espera. Um banco de jardim espera sempre por alguém.

Há várias formas de se esperar: esperar de pé, esperar encostado, esperar de cócoras ou deitado. Mas a melhor forma de esperar é mesmo sentado.

O melhor é esperar sentado. Se espera, espere sentado.

E se não quer esperar vá-se embora, pois aqui só há lugar para quem gosta de esperar.

Só que eu não gosto de esperar como os outros esperam. Eu gosto de esperar como quem não espera. Eu só espero porque a isso sou obrigado. Eu até gostava mais de não esperar. Mas tenho de esperar porque os outros também esperam e se uma pessoa não espera quando os outros esperam não consegue esperar convenientemente. Ora uma espera que não seja conveniente não é uma verdadeira espera.

Esperar é preciso, viver não é preciso.

Há pessoas que passam a vida a esperar e tanto esperam que desesperam. Só que o desespero não é uma boa forma de esperar. Espera-se melhor sentado.

Há longas esperas e esperas curtas. As longas são mais descansadas, mas também mais aborrecidas. As esperas curtas são mais engraçadas.

Hoje esperei que me fartei. Fartei-me de esperar. Mas, por fim, a espera chegou perto de mim e sentou-se no seu justo lugar.

Por isso a minha espera não foi em vão.

Rejubilemos então.

 

19
Fev07

Plung, plung, plung, plang, plung, pling, pling…

João Madureira

 

 

Plung, plung, plung, plang, plung, plung, plung, plang, plung, plung, plung, plang, plung, plung, plung, plang, plung, pling, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plong, pling, pang, ping, pling, plang, plong, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plang, plong, plang, plong, pling plung, plung, plung, plung, plang, plung, plung, plung, plung, plang, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plang, plung, pling, pling, pling, plong, pang, ping, pling, plang, plang, plong, plang, plong, pling, plong, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung, plung…

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