O musgo nas árvores indica sempre o norte.
Eu sou do norte, mas não tenho norte, nem sorte.
A minha avó dizia-me: vai para oeste; e eu dirigia-me para este, nunca para sul. Eu sou do norte, do norte geográfico, do norte magnético, do norte polar. Eu sou do norte e posso até ser de todos os outros pontos cardeais, mas nunca por nunca posso ser do sul.
O sul é o oposto do norte e eu sou do norte, do norte geográfico, do norte magnético, do norte afectivo e nostálgico. E da saudade. O norte é saudade. O norte é o oposto do sul. O norte é verde e o sul é cinzento. O norte é a direcção certa. É o ponto cardeal de referência.
Eu sou do norte porque gosto.
O meu avô dizia-me muitas vezes: vai para este e eu dirigia-me para leste, nunca para sul. O sul é confusão. O norte é o norte. O sul não sei bem aquilo que é. Mas uma certeza tenho: o sul não é o norte. O sul é o oposto do norte. Ora uma coisa não pode ser ela própria e o seu contrário. Isso só é possível ao nível da física quântica. Mas essa física é uma ciência “nanitiva”. Por isso não serve de exemplo para a nossa dimensão. Além disso o meu avô não percebia nada de física quântica. A bem dizer nem da outra física percebia algo que se visse. No entanto também ele era do norte. Tal como eu, também tinha pouca sorte, mas era do norte. Eu sou do norte. O meu avô era do norte. A minha avó também. E os meus pais igualmente. A minha família é toda do norte. Por isso eu sou do norte, nunca do sul. Eu sou do norte. De todos os “nortes” possíveis.
Eu sou do norte. O norte é deslumbramento, ficção, carinho, dicotomia, afirmação, camaradagem. Mas camaradagem sã, camaradagem de direita, camaradagem do tipo da que existe na tropa, não camaradagem de esquerda. Essa é a camaradagem do sul.
No norte os ventos são agrestes, a vegetação é densa, o frio é agressivo, as pessoas afirmativas e os animais domésticos são domésticos, os outros é que não. Ao contrário do sul, onde há animais domésticos que são selvagens e animais selvagens que são domésticos e, pasme-se, existem até animais que nem sabem se são domésticos ou selvagens. Por isso são do sul. O sul é confusão.
No norte os rios são caudalosos, os céus limpos, os caminhos encantados, as casas sóbrias, os frutos doces. No norte os frutos doces são doces. Ao contrário do sul onde os frutos doces por vezes amargam e onde os frutos amargos por vezes também amargam.
No norte os vegetais são suculentos, a poesia simples, a comida diversificada, os sorrisos sinceros, as palavras quentes, os gestos duros, os olhares sinceros, os jardins nostálgicos, os monumentos eternos, as pedras grandes, o musgo fofo, os peixes saborosos, as aves coloridas e alegres, os desejos inevitáveis, o amor denso, o carinho sofrido e o lume forte.
Por isso eu sou do norte, de todos os “nortes”. Nunca serei do sul.
Ser do norte é um desatino, é dor que dói e não se sente e tudo o que se segue. Ser do norte também é ser original. Camões era do norte.
Ser do sul é um acaso. Camões não era do sul. Camões era do norte.
Já Cavaco Silva é do sul e está tudo dito.
José Sócrates é do norte. Bem, ele não é bem do norte. Por exemplo, não é tão do norte como eu. Mas é do norte, porque, como atrás expliquei, quem não é do sul, só pode ser do norte.
Ser do norte é orgulho.
O sul é o sol do meio-dia, um sol castigador, um sol que come a sombra dos seres vivos.
O norte vê o sol a deslocar-se no horizonte. O norte sabe o que é a beleza e o seu oposto.