A nave de pedra
A nave de pedra não navega, desliza. Desliza no tempo, no seu tempo de história imensa. Na consumação dos séculos.
Contempla o rio, o vale e o céu sempre iguais e sempre diferentes.
As pessoas olham para ela e admiram-na. Ela apenas lhes devota indiferença.
Homens vão e vêm, chegam e partem, nascem e morrem, mas o céu é perfeito. Eu sou do céu onde me farto de azul.
Eu não gosto dos homens, gosto do vento, do vento que acaricia todas as noites as pedras que me constituem.
O vento é meu amigo, faz-me cócegas.
Eu sonho ainda que alguém irá cantar ópera nas minhas ameias. Lembrando batalhas, heróis e bruxas. Homenageando cavalos alados ou reis magos ou princesas encantadas.
Sou um castelo de granito cheio de ilusões. Adorava ouvir de novo o ribombar dos canhões, o tilintar das armas, os gritos dos guerreiros, assistir às batalhas.
Como devem perceber, um castelo não gosta de paz. Não foi feito para a paz. Um castelo é guerra. Guerra de homens e não de máquinas.
Sinto que gostava de ser útil. Útil de novo, não monumento inválido e reformado, uma inutilidade prática, um símbolo obtuso.
Abomino a simbologia.