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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

31
Mar07

O destino das águas

João Madureira

 

 

 

Encerram as tuas palavras lindos conceitos.

Também elas possuem metáforas de águas tranquilas, sombras harmoniosas de azul, amarelos calmos, reflexos doirados.

Encerram as tuas mãos gestos meigos e expressivos. São singelas as suas iluminações crepusculares.

Já fui assim. Lembro-me bem disso. De ser assim. Lembro-me bem dessa ventura.

Corriam calmos os dias e as manhãs nasciam doces e iluminadas. As nossas manhãs.

Nessa claridade todas as manhãs do mundo eram calmas. Como calmos eram os teus beijos florescentes. Como calmo era o prazer de ciciar de prazer.

A alegria iniciava o seu vórtice linear quando os pássaros voavam em direcções loucas excitados pelas titilações amplas dos ventos ascendentes.

Eram curvas as germinações das árvores excitadas.

Eram curvos os teus seios ardentes.

Eram curvos ou teus gestos.

Nem mesmo quando a noite chegava os nossos olhos deixavam de estar repletos de luz. Cintilavam as palavras na nossa frente enquanto descíamos a avenida.

Há dias assim, cheios de doces memórias.

Também há dias em que as águas do rio correm tranquilas em direcção ao mar.

Têm as águas esse propósito: o destino seminal de desaguar.

E cumprem-no.

 

30
Mar07

A salvação do espírito

João Madureira

 

 

Ando atarefado com o estudo e a elaboração da tese “A arte de estar só”.

Mas para estar só é necessário acreditar, como Musil, que a leitura ajuda a conseguir a salvação do espírito.

Há por aí muitos políticos que são apenas analfabetos altivos. Alguns andam disfarçados de escritores, ou de técnicos superiores com teses feitas e publicadas.

Eu sei, só não recordo onde li, que sem literatura a vida não tem sentido. E, claro está, só disso se convence quem lê.

E nesta descoberta da “arte de estar só”, muito me ajudam os livros, especialmente os de Emerson, onde está escrita a ideia de que uma biblioteca é uma espécie de gabinete mágico, pois nela encontram-se encantados os melhores espíritos da humanidade.

 

29
Mar07

Perseguições

João Madureira

 

 

A mim perseguem-me as montanhas. É como um delírio poético.

As montanhas a invadirem-me os olhos, a preenchê-los devagar.

Montanhas nervosas e floridas, montanhas calmas e intuitivas, montanhas longas e curvilíneas.

Mesmo assim perseguido, visto-me de negro, ponho um chapéu de aba larga e vou passear.

Depois sinto a vontade de visitar a nascente atrapalhada de um rio.

Sentado nas suas margens, procuro lembrar-me de algum verso de Herberto Hélder e não consigo.

Estou louco de palavras. Elas escorrem-me das mãos e caem no chão, desiludidas.

A loucura aproxima-se em passos sincopados.

As montanhas continuam a perseguir-me como quem procura um louco homicida.

Afinal, até a luz do luar se refugia nos ramos verdes das giestas.

São os meus olhos urzes que florescem em tons rosados de exaltação.

 

28
Mar07

A ladeira

João Madureira

 

 

Vejo e não te vejo.

Resguardo-me no cansaço da minha visão que te não vê.

Queria poder ver-te como te via.

São os momentos em que te não vejo ladeiras íngremes.

Há uma imensidão de pedras fazendo o caminho.

É esse o roteiro da subida. A ascensão premonitória. A ilusão.

Tanto quando se desce, como quando se sobe, tem de existir determinação. E não é a determinação da vontade. É, antes, a inevitabilidade do procedimento.

 

27
Mar07

A vontade das varandas

João Madureira

 

 

Têm as varandas a vontade suspensa.

Uma mulher numa varanda interrompe o seu olhar panorâmico e sorri. E, nesse sorriso, que é irreflectido, abriga-se a beleza da tarde.

A mão esquerda acaricia o ferro aquecido do corrimão e aí se deixa ficar mais um pouco, como quem espera uma carícia oblíqua.

Os olhos da mulher recolhem-se por momentos dentro das pálpebras húmidas e fixam o verde dos prados.

Tem esse gesto o ritmo lento da respiração calma da mulher.

Não é a mulher que está calma, são os seus gestos. Os seus gestos lisos.

 

26
Mar07

Plung, pling, plong, plink, plank…

João Madureira

 

 

Plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank,  plung, pling, pling, plink, plank, pling, plong, plang, plink, plank, plong, plang, plong, plink, plank, pling pang, ping, plink, plank, pling, plang, plong, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank, plung, plung, plung, plink, plank…

25
Mar07

Os socos revolucionários e as soquinhas surrealistas

João Madureira

 

 

“Com as Minhas Tamanquinhas” (1987, movie play), é um dos melhores álbuns de música portuguesa. Sobretudo porque, sendo José Afonso um cantor identificado como revolucionário, encerra o que é fundamental na genialidade: a simplicidade implícita e não a complexidade explícita.

Na minha opinião, José Afonso é o único cantor de “intervenção” que não perde nem uma milésima da sua a qualidade e actualidade com o passar dos anos.

A sua genialidade reside na sua mensagem implícita. No que diz e não quer dizer. E no que não diz e quer dizer. A sua genialidade insere-se na revolução surrealista, que, mesmo não parecendo, é o oposto da revolução socialista, especialmente do seu sucedâneo neo-realista.

E se, nalgumas canções, as palavras pecam por excesso de apologia revolucionária (no sentido marxista-leninista), a música soa, na sua limpidez, como contraponto genial.

Nenhum cantor de “intervenção” gozou tanto com o lado caricato dos revolucionários encartados, quando não com a mesmíssima revolução. Prova disso é o facto de José Afonso ter fugido do PCP como o próprio diabo da mesmíssima cruz.

Ele conhecia de ginjeira o “Staline” português, quer ele se intitulasse Cunhal ou Manuel Tiago.

 

24
Mar07

Joaquim, o Perfeito

João Madureira

 

 

– Espera aqui um pouco que eu já volto – disse eu ao Joaquim, e fui-me embora deixando-o a falar sozinho no meio da multidão.

O Joaquim é bom rapaz mas é chato como a potassa. Enrola-se, e enrola-nos, sempre numa conversa de parvos e não há quem o aguente. Ainda por cima tem o vício de estar sempre a bater-nos nos braços para que lhe prestemos a devida atenção.

Além disso, é daquelas pessoas que, quando fala, não dialoga, impõe. Impõe sempre a sua opinião, que, no Joaquim, não é opinião, mas certeza absoluta. É ele um homem de certezas absolutas. Tem tanta certeza, e tantas certezas, que incomoda.

Se fala de futebol diz logo que o Simão Sabrosa é o melhor jogador do mundo e arredores, pois ele, como se vê, é do Benfica. Não se esquecendo de lembrar, enquanto cospe bolinhas de saliva, que os jogadores do Porto são todos uns trogloditas manhosos e encartados, e os do Sporting uns copinhos de leite misturados com café.

É ele, nas suas próprias palavras e na sua especial visão, o melhor treinador do mundo. Muito melhor que o José Mourinho. Que, na sua douta opinião, não passa de um “treinadorzeco” mediano, arrogante, mas com muita sorte.

Se fala de política, arrasa de uma penada o primeiro-ministro, os ministros e os secretários de Estado. Só ele é que conseguia endireitar o país. E logo se emaranha no enunciado do perfil do seu político ideal: uma mistura de Salazar, Cunhal, Soares, Sócrates, Sá Carneiro, Cavaco Silva e Durão Barroso. Todos misturados num indivíduo só: no Joaquim, claro.

Na sua perspectiva, ele chegava e sobrava para governar Portugal. Só ele sem mais ninguém por perto a importuná-lo. Talvez, se as coisas se pusessem um pouco feias, era capaz de ir buscar alguns directores-gerais para o coadjuvarem. Mas esse cenário só o poderia admitir em casos de extrema gravidade para o nosso querido país.

É esse o protótipo de governo ideal. Ele e só ele. Até dispensava de serviço o próprio presidente da república. E o parlamento. E os respectivos deputados que, na sua óptica, só servem para se sentarem e levantarem e assim ganharem o dinheiro dos contribuintes. Todos eles. Uma cambada de chulos e corruptos.

E quando fala de mulheres é ele o macho perfeito.

Quando fala de maridos é ele o marido perfeito.

Quando fala de filhos é ele o pai perfeito.

Quando fala de pais é ele o filho perfeito.

Só ele é perfeito. O Joaquim.

 

23
Mar07

Os buracos da memória

João Madureira

 

 

 

Começaram a aparecer-me buracos na memória. Buracos diversos. Uns maiores que outros. Mas todos significativos.

Alguns são mesmo como buracos negros, cheios de uma energia que tudo absorve à sua volta. São esses os que mais me preocupam, pois consomem toda a sua luz e uma memória sem luz não é uma verdadeira memória.

Até agora conseguia aquecer-me nas chamas da minha memória. A sua luz era-me benéfica. A sua cor quente. A sua intensidade tranquilizadora.

Era a minha memória uma memória inteira. E a ela podia recorrer para me harmonizar.

Agora não. Agora tropeço nos seus buracos e por isso gasto muito mais tempo para avançar.

Cada vez mais a minha memória se parece com um campo de guerra dinamitado.

Antigamente a minha memória era leve. Actualmente, e apesar dos buracos que nela se multiplicam como cogumelos, cada vez pesa mais. Cresce simbolicamente, e, por incrível que pareça, é isso o que a torna mais densa.

Não é fácil conviver com uma memória pesada e cheia de buracos.

Um buraco na memória é uma ratoeira pois lembra-nos a vontade de o preencher com outras memórias, mesmo que falsas. E juntar memórias verdadeiras com memórias falsas é um exercício arriscado. Pois a qualquer momento as podemos trocar e nunca mais as conseguimos distinguir.

É como misturar um documentário científico com excertos de um filme de animação da Disney.

 

22
Mar07

A voz silenciosa

João Madureira

 

 

Ando à procura do silêncio, não para silenciar realidades, mas para lhes dar voz.

É essa a voz silenciosa. A voz do silêncio. Não o silêncio da voz. Pois esse silêncio não vibra, não suspira, não respira. Não ama.

O silêncio é, ele próprio, uma busca. É como procurar a imagem perfeita e, à medida que dela nos vamos aproximando, mais ela se afasta, sempre enfeitiçando-nos com a sua beleza inalcançável.

Tanto a verdadeira beleza como o silêncio absoluto são inatingíveis. São, quando muito, um conceito, mas um conceito repleto de significado. O significado do silêncio. O silêncio significativo.

A intenção de silêncio de um ser humano é o acto mais belo e desesperado que existe.

O silêncio não deve ser nem precoce nem tardio. Quando assim acontece não é vivido é, apenas, circunstancial. E um silêncio circunstancial é frívolo. E tudo o que é frívolo é inconsequente. E o silêncio pode ser tudo menos inconsequente.

O silêncio – o verdadeiro silêncio – é um terramoto perfeito. É um cataclismo interior que desfaz tudo à sua volta.

E o verdadeiro silêncio, porque interior, resiste até ao maior barulho, ao escândalo, à repressão, à aleivosia, à imbecilidade.

Se há coisa que o silêncio derrote com dignidade é a imbecilidade humana.

 

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