Por vezes ainda encontro pessoas que dizem defender o totalitarismo de esquerda: o mito do marxismo-leninismo, do comunismo, enfim…

À semelhança dos seus grandes criadores de mitos, dizem-se ainda prontos a transformar o seu sonho em realidade.

Ainda não entenderam que os seus ícones sagrados conseguiram, em apenas um século, destruir tanto a realidade como o sonho.

Quando me questionam sobre o que então ando agora a fazer, respondo-lhes com algumas palavras de Henry James: “Trabalhamos na escuridão – fazemos o que podemos –, damos o que temos. A nossa dúvida é a nossa paixão, e a nossa paixão é a nossa tarefa. O resto é a loucura da arte.”

Hoje à tarde, um dos meus melhores amigos ofendeu-me sem querer. Acusou-me de ser daquelas pessoas incorrigíveis e incuravelmente honestas e, portanto, inflexíveis e vulneráveis ao mesmo tempo.

– Tu aceitas a tua sorte como um fatalismo que incomoda – praguejou.

Eu não disse sim nem não. Limitei-me a fixar o olhar num homem que passava de bicicleta ligeiramente inclinado para a direita, como se estivesse cansado de sonhar.

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Acordo na minha cidade, levanto-me e vou passear para o jardim. Sinto o sol e a brisa da manhã a afagaram-me o rosto e a incendiarem-me os olhos.

Entretanto outras pessoas resolvem fazer o mesmo.

Sinto que o destino dos outros não me ajuda muito na minha peregrinação matinal.

Na realidade, eu tornei-me irrelevante um pouco antes do amanhecer.

Um grande amigo confessou-me que a política se transformou numa fonte de demasiadas desilusões, demasiada dor e demasiado desgaste, para que alguém a possa encarar como algo de digno.

Eu só me questiono como pôde ele abraçá-la de forma tão entusiástica e tão inocente.

Está a noite cheia de angústias, repousando no falso conforto das luzes da cidade.

Sentando no chão sinto que o que eu acho é cada vez mais irrelevante.

Por isso levanto-me e dirigo-me a casa onde vou poder pegar num bom livro, lê-lo e depois, quando o sono chegar de mansinho, dormir um pouco. Sem sobressaltos.

Li algures ou alguém me disse a meio de uma conversa disparatadamente inteligente, que a única maneira de combater uma tentação é cair nela.

Não sei se sei o que adivinho, mas sinto que é através da escrita que cada dia ganho mais consciência da minha identidade.

Só espero que o acto de pensar livremente não se torne um fardo demasiado pesado para o acto de viver.

Sobreviver é preciso, pensar não é preciso.

Penso que já descobri o primeiro princípio da paciência: não existe diferença entre aquilo que se sabe e aquilo que não se sabe.

Por isso é que a certeza é ingrata.

Posso afirmar, sem me enganar muito, que sou um solitário apaixonado por música e livros.

E também vos posso dizer que desconfio sempre de quem confessa, com cara de inocente, ter um jeito muito especial para compreender os outros e os seus sentimentos adjacentes.

E digo-vos isto porque já vi muita gente que se afirma vulnerável a magoar os outros sem motivação aparente; contactei com pessoas que, afirmando-se intrinsecamente francas e honestas, usam as desculpas mais esfarrapadas para obterem aquilo que desejam a qualquer preço.

Também estou farto de contactar com gente que, tendo um “jeito muito especial” para compreender os outros e os seus verdadeiros sentimentos, se deixam enganar pela espécie mais grosseira de simpatia: a lisonja.

Afinal, que sabemos nós verdadeiramente dos outros?

Pling.... plong, plong, plong.... (....) pliiing.... (...) zssss... zssss... dzing.... pling.... plog e etecétera e tal... tal... tal e qual... pling.... calma... alma... alma... alma...