Gritos
Por vezes sinto gritos dentro de mim. Gritos dos outros e dos que foram meus. Gritos dos que morreram calados e dos que engoliram toda vida os seus gritos de revolta e de quem já ninguém se lembra.
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Por vezes sinto gritos dentro de mim. Gritos dos outros e dos que foram meus. Gritos dos que morreram calados e dos que engoliram toda vida os seus gritos de revolta e de quem já ninguém se lembra.
Lembro-me de quando queria saber tudo, dizer tudo e lembrar tudo.
Ainda comecei a aprender o nome das árvores para não me esquecer da sua necessidade de sol e água.
Também decorei teoremas geométricos, desenhei letras, números e objectos.
Depois tentava explicar a alguém o que é o infinito e ficava
Ainda consigo ter o senso comum de pensar que não é lógico que um nosso amigo do peito nos envie uma carta anónima a insultar-nos.
Sei que isso é possível.
Mas também é provável que tudo não passe de paranóia.
São inúmeras as perspectivas dos objectos e das palavras com que os descrevem. São inúmeras as perspectivas ideológicas. E as religiosas. E as outras. Todas as outras. Há, até, a perspectiva da dor, onde a dor mais recente apaga a dor mais antiga.
Só que essa é uma perspectiva errada. A dor é cumulativa. Por isso os dias avançam. Por isso o tempo bate forte no nosso corpo.
Um dia José Sócrates, como tantos outros antes dele e como outros tantos depois dele, verá que a sua política foi criada por uma frase escrita com lápis e depois apagada com um ligeiro golpe de borracha.
Não tenho a mínima ideia de como cheguei até aqui. Só sei que é preciso sair. Acho que necessito de salvar a alma. Ou o que resta dela em mim.
Quando digo isto aos meus amigos, nenhum deles percebe o que lhe estou a dizer.
Para dizer a verdade, nem eu os percebo a eles.
Somos estrangeiros em terra de ninguém.
Plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, lang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong, plang, plong, plang, plung, plang, plang, plang, pling, plung, pleng, pleng, pleng, pling, pling, plong…
Para que não se interprete o que aqui se escreve como produto do acaso ou de mera incompatibilidade ideológica, vou de novo citar Hannah Arendt e a sua obra “As Origens do Totalitarismo”: “Exactamente porque se supunha que as ideologias tivessem natural conteúdo utilitário é que a conduta antiutilitária dos governos totalitários e a sua completa indiferença pelo interesse das massas causaram um choque tão profundo”.
Cita-se muito Enfantin, e com razão, porque ele pressentia a chegada do tempo em que “a arte de movimentar as massas estará tão perfeitamente desenvolvida que o pintor, o músico e o poeta terão o poder de agradar e comover com a mesma certeza com que os matemáticos resolvem um problema geométrico, ou um químico analisa qualquer substância”.
Foi aí que nasceu a propaganda moderna.
Estou em crer que alguém muito instruído do Governo leu e aprendeu muito com o engenheiro e teórico francês.
Hannah Arendt escreveu no seu livro “As Origens do Totalitarismo” que “do ponto de vista demagógico, a melhor maneira de evitar discussão é tornar o argumento independente de verificação no presente e afirmar que só o futuro lhe revelará os méritos”.
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