Não é nada disso
Miguel Torga escreveu no seu diário a 11 de Outubro de 1950 que era “pouco sensível à chalaça”. E continuava: “O voltairianismo caseiro, em vez de me convencer, afasta-me. Gosto do riso, mas inteligente, limpo, nos lábios de Cervantes ou de Swift.
Cá nas berças, terra de anedotas de braguilha aberta, a “Velhice do Padre Eterno” é um portento. É um prato de resistência que alimenta o clero, a nobreza e o povo. Eu sou do povo mas não posso com aquilo”.
Até aqui tudo bem. Depois entra em terreno inclinado, onde diz uma coisa querendo afirmar outra: “A importância literária de Junqueiro é indiscutível, não só pelo que fez, como pelo que motiva. A sua influência é tão evidente na obra de alguns poetas que vieram depois, que seria tolice desconhecê-la”.
Mais adiante diz que Junqueiro é “espontâneo e acessível”, que o seu verbo tem “um grande calor de comunicação”. E sibilinamente adianta: “Certos recontos da sua quinta poética são ainda frescos e agradáveis”.
Mas depois ataca forte e de uma paulada, tal e qual o “Malhadinhas”, declara: “Simplesmente a poesia verdadeira é outra. Depois da experiência de Cesário e de Nobre, fazer aquilo já era trágico, mas depois de Pessanha, de Sá Carneiro e de Pessoa, amar aquilo, é imperdoável”.
Que me perdoe Torga, mas não é nada disso. Continuo a amar a “Velhice do Padre Eterno” e muita outra poesia de Guerra Junqueiro. E sou até capaz de escrever que, comparando a poesia de um (Junqueiro) com a de outro (Torga), talvez o segundo não fique tão bem no retrato como então julgava. É que se a prosa de Torga é boa, e por vezes genial, nomeadamente os seus contos, já a sua poesia me parece sorumbática, esgotada, murcha. Poesia séria é distinta de poesia a sério. Que me perdoe o nosso conterrâneo.