Portefólio – Chaves/Bragança, de carro
Arredondam-se os montes...
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Arredondam-se os montes...
“Agora o céu já estava claro, o sol invisível atrás de nuvens baixas. Mr. Savage apontou uma águia careca às voltas por cima de nós.
– Benjamim Franklin era contra adoptarmos a águia careca para símbolo nacional – murmurou –, queria o raio do peru selvagem. Era o que faltava! Dizia que era por a águia viver em parte de matar outros pássaros.
Fungou divertido, limpou ostensivamente o nariz à manga: – Por mim parece-me muito própria.
Chupou pensativamente o cigarro.
– Sei que o Will não queria vir aqui hoje – murmurou, lançando o olhar para mim. – Há dois anos, ele devia ter ido caçar codornizes para o Delta, comigo e mais uns tipos meus amigos. Tinha ficado por aí até tarde com o capataz que nós tínhamos. (…)
– Bom. O Will ficou na cama e eu trouxe comigo o irmão mais novo. Fomos caçar a cavalo. O Charlie Ledbetter tinha tirado a arma do estojo por qualquer razão e a certa altura o cavalo dele meteu a pata num buraco e caiu. A arma disparou-se. Atingiu o moço, o A.J., em cheio no peito. Levantou-o da sela.
Caiu um silêncio ao som de um bando a aproximar-se, que acabou por desaparecer para leste.
– Acho que o Will se considera culpado – disse ele. – O que não quer dizer que não me culpe a mim.
Ficámos de novo em silêncio durante algum tempo e depois ele voltou a falar.
– Alguma vez ele lhe contou esta história?
– Não, senhor – disse eu. – Não assim.
– Não há um dia que passe em que não deseje que tivesse sido eu quem estava montado no pêlo macio daquela égua.
O Último dos Savage – Jay Mcinerney – Teorema
Alguém te ilumina o caminho. De ti depende a vontade de caminhar. Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar...
Olho a loucura a uma distância básica. Tu és um nome cego. Há uma determinação elementar em cantar sobre as pontes dos rios. A água desce entre parêntesis pelo rosto das estátuas suturadas pelo tempo. Um deus tenaz descobre exclamações no rosto das estrelas. Os assassinos doces e melancólicos levantam voo desde as varandas dos palácios desabitados. Sei que sou esperado no chão cego das colinas. O meu corpo já gasto pelo tempo levanta-se tocado pela rudeza do amor. Uma palavra respira encostada ao fogo da poesia. Toda a poesia imita a luz. Toda a poesia se transforma na luz interior do sangue. Toda a poesia purifica o sexo. As palavras instintivas agitam os corações extremos da memória. Também a poesia é memória deslumbrada pelo fogo azul do céu. O corpo cândido, o corpo interior dos sinais sopra alucinado pela glória do dia. Amo na ponta da ferocidade. Apagam-se as luzes e eis que começa o tempo destruído devagar pelo sonho dos monstros. Alguém morre num mar de minas imperfeitas. Esconde-se a noite no meio de ogivas nucleares. Os militares levantam as mãos e beijam as balas e as pistolas e os mísseis atómicos. Haja alegria. Os homens poderosos insistem em cartografar o espaço e o tempo. O cavalo da guerra desta vez foi pintado a aguarela. Haja paz.
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