Quando tudo muda de lugar
Longas são as manhãs que alimentam as paisagens. Eis que quase tudo muda de lugar. Gostava de ser o espaço onde as canções de embalar dormissem a sua imortalidade fingida. A luz encurva nos teus olhos claros raiados de esperança. É preciso esperar pela alegria. Escrevo pensando em belíssimas ondas de desejo, em corpos regenerados pela memória. Escrevo escutando o barulho da noite revelada pela ironia das estrelas. O quente silêncio das tuas mãos enche a minha pele de abismos. A tua carne está iluminada de frutos. Estimaria pensar nos teus movimentos de fogo para vagarosamente os inspirar. O sossego dos teus beijos é a minha inspiração oculta. Eu queria saber da luz dos campos onde nos amámos. Da sua intensa necessidade de queimar. O tempo tudo destrói com o seu devir eterno. As imagens perfeitas espelham obsessões. Por isso te falo da velocidade do amor, do seu inquieto princípio, da sua truculência, da sua dissipação furiosa, dos seus campos magnéticos extraordinários. Toco a tua alma com uma mão sôfrega de tudo. Sinto a tua nudez a arder no tempo, o ritmo sobressaltado dos sentidos, a tua boca a exaltar a fúria do desejo. Sinto-me como um deus esmagado pela iluminação dos corpos. És a minha religião. Junto ao teu peito adormeço em paz. Pela consagração da noite erguerei a glória árdua da vida. Começa o tempo a unir as nuvens florescentes. Cantam de novo as nossas mãos de água. Cerco a minha tristeza de lágrimas vagarosas. Abrigo docemente a paixão.