Escrevo esta crónica debaixo de uma grande tensão. É só tensão, tensão e palavras umas atrás de outras, como se a escrita fosse um caminho que vai dar a algum lado. As palavras são tensão, a vida é tensão. Tudo tende para o eufemismo e para o mais além. A alegria é tensão. A tristeza é tensão. Toda a tensão tende para a paranóia.
Gostaria de escrever algo de útil, mas creio que não sou capaz. Tendo, como já afirmei anteriormente, cada vez mais, para a tensão. Tudo o que leio me orienta para o mesmo caminho. Para o caminho tenso da realidade. Para a depressão. Para a economia. Para a depressão tensa da economia. Ou para a economia tensa da depressão. Ou, ainda, para a tensão tensa da epifania.
Deus do céu, ao que isto chegou. Uma pessoa, mesmo que não queira, é obrigada a ler o que vem nos jornais. Todos são unânimes em dizer que Portugal se portou como uma cigarra. Mas, por outro lado, os números evidenciam que as dívidas ao Fisco davam para pagar todo o défice deste ano e ainda sobrava para pagar os gastos com a Casa Civil do presidente da República. São cerca de 12,8 mil milhões de euros. O problema é que não há gente capaz de cobrar tal dívida. A economia portuguesa estagnou, a dívida cresceu e por isso somos obrigados a financiar-nos no estrangeiro. Ou seja, o país está de tanga em pleno Inverno.
É a paranóia completa: 600 mil desempregados, o FMI está aí à porta, a banca portuguesa tem o seu financiamento em risco, o TGV ameaça, ao mesmo tempo, prosseguir e estagnar, os políticos ameaçam-nos com boas intenções e sacrifícios. Além disso aumenta o IVA, as deduções fiscais vão diminuir, os salários na função pública vão sofrer cortes significativos. Vão subir as rendas, o crédito, a água, o gás, a electricidade, a gasolina, as portagens e os transportes.
E de novo sou invadido pela tensão. Pela depressão. O meu mundo está a ficar cada vez mais curto e pobre. Morreu Bobby Farrell, a cara e o corpo dos Boney M, e a irmã mais velha da família Von Trapp, protagonista do filme Música no Coração. E a Bolsa de Lisboa encolheu 6,3 mil milhões de euros em 2010.
E se tudo isto não bastasse, o constitucionalista Gomes Canotilho disse que “um presidente não é neutro nem moderador, é um cargo político. Todos temos as mãos sujas.” Afirmação que contradiz todo o argumentário político de Cavaco Silva, que além de não ler jornais, não ter dúvidas e raramente se enganar, afirmou que para serem mais honestos do que ele, os outros candidatos à presidência da república tinham de nascer duas vezes. E mesmo assim…
No entanto permiti-me que vos cite Vasco Pulido Valente (Confiança, Público de 7 de Janeiro de 2011), o emancipado, e putativo, opinion maker do regime, ele que é tão british, que não morre de amores pelas esquerdas, e virtuoso deputado do PSD seleccionado por Cavaco Silva: “Verdade que 300 mil euros não são uma fortuna e que a excitação da época levava com naturalidade a excessos lamentáveis. Só que a alegada candura de Cavaco não o recomenda. Quem se envolveu – porque ele de perto ou de longe se envolveu – na trapalhada do BPN não é aparentemente a criatura indicada para superintender, com o seu conselho e a sua prudência, a economia de Portugal inteiro. Quem nos garante que do assento etéreo a que tornará a subir não sairão opiniões ruinosas para o país? Quem nos garante que esse primoroso economista que tanto respeitávamos não se deixará enganar por um trafulha qualquer da Venezuela ou da Líbia? O dr. Cavaco pede confiança aos portugueses; e faz muito bem. Mas, com o caso BPN perdeu ele próprio a confiança dos portugueses.”
Dizem os sociólogos que cada vez mais as pessoas precisam de se envolver na cidadania com ideias. As lideranças carismáticas têm de fazer um enorme esforço para administrar o carisma. Daí as eleições para chefia da nossa república serem aquilo que são: um enorme vazio de ideias, com personalidades políticas que não conseguem entusiasmar nem os mais intrépidos militantes partidários.
Lá fora, o Papa criou uma agência financeira contra a lavagem de dinheiro. Cá dentro, o Governo acusa Cavaco Silva de “branquear” Oliveira Costa. E o presidente, por causa das coisas, e apesar das pressões, decidiu promulgar o Orçamento de Estado de 2011. Isto é o que se chama serviço público. E é por estas e por outras que vamos tornar a eleger um homem desta grandeza.
E se tudo isto não bastasse, o Expresso diz-nos que 2011 vai ser um ano mais triste e escuro porque várias câmaras vão reduzir o apoio a associações e os fundos para festas e bailes populares, com a firme intenção de poupar milhões. Várias aldeias do país vão ter a luz cortada durante a madrugada, obras estruturantes vão paralisar, vai diminuir drasticamente a cedência dos autocarros, as excursões, os almoços e as romarias subsidiadas.
E como se não bastasse a crise económica, aí vai mais uma má notícia: um relatório do GAVE refere que os alunos do 8º ao 12º ano de 1700 escolas do país não conseguem estruturar um texto encadeado, explicar um raciocínio com lógica, utilizar linguagem rigorosa ou articular conceitos.
Outra: Francis Obikwelu, referenciado pelo El País como implicado na operação “galgo”, nega as suspeitas, lembrando que na sua vida só tomou vitaminas e que sempre correu limpo. E disso somos nós testemunhas, sempre o vimos correr limpo e, mais do que isso, envergando roupa desportiva de marca e muito colorida.
PS – E por causa da crise, mas mudando de paradigma, aqui fica uma receita de polvo frito com amêijoas e camarão, que encontrámos no livro “Receitas Bagos d’Ouro”, cujo produto das vendas reverte a favor das crianças carenciadas de São João da Pesqueira e Sabrosa.
Ingredientes para quatro pessoas adultas, ou para três adultos e duas crianças em idade escolar básica: 800 gramas de polvo cozido e cortado às rodelas; 12 camarões selvagens descascados; 28 amêijoas; 8 dentes de alho esmagados; azeite virgem extra q.b.; 16 batatinhas novas cozidas; coentros.
Confecção: Tapa-se o fundo de uma caçarola com azeite, deitam-se de seguida os alhos, os coentros, as batatinhas e os camarões. Assim que estes estiverem fritos, viram-se e junta-se-lhes as amêijoas. Quando que os ingredientes estiverem a fervilhar, introduz-se o polvo e mistura-se tudo até as amêijoas ficarem abertas. Se não simpatizar com o gosto dos coentros pode substituí-los por salsa. Acompanhe com um Branco do Douro de fino aroma.