Cosmocópula coçadora
Fui todo o caminho a pensar naquilo. Naquilo que são as palavras de Francisco José Viegas, mais conhecido no nosso grupo de amigos como FJV. O perspicaz FJV. Eis as suas palavras vertidas no Editorial da revista LER: “Sendo certo que a ignorância e a pusilanimidade tomaram o poder sobre o sistema de divulgação da cultura e da educação contemporânea, conviria marcar posição sobre esse debate. Para não o deixar limitado aos idiotas, que detectam uma grande leveza nos pilares da crise – mas têm sido os idiotas inúteis de todos os tempos”.
É verdade que me senti, ao mesmo tempo, agitado e perplexo, pois penso que quase entendi o que o escritor de policiais duriense escreveu, mas, logo de seguida, fui invadido pela sensação contrária. O FJV tem destas particularidades. A capacidade de dizer as coisas sem as objectivar. Isso é, e foi, desde sempre, algo só ao alcance dos denunciadores de idiotas. E o FJV, honra lhe seja feita, foi desde muito jovem, já desde as cadeiras do Liceu, um denunciador de idiotas, dos idiotas que detectam uma grande leveza nos pilares da crise, os idiotas inúteis de sempre. Pois os idiotas devoram tudo, são como os glutões. Claro que dizer isto é dizer pouco. Mas os intelectuais nem sempre podem dizer tudo. Muitas vezes não dizem mesmo nada, mas não é porque sejam incapazes de revelar coisas pertinentes. Quase sempre quando não explicam determinada coisa é porque não a querem mesmo explicar. É aí, todos o sabemos, onde se aloja o segredo da genialidade, em tudo aquilo que se deixa por dizer.
Eu sei, todos sabemos, que os verdadeiros intelectuais estão, ou vão, a caminho de Lisboa. Não há volta a dar-lhe. Na província ninguém consegue escrever nada de sério e, muito menos, de relevante. Por aqui não há estímulo. Não existem contactos. Não se encontram lugares interessantes, não se conhecem pessoas atraentes, não podemos conviver com os oráculos da sabedoria. Conhecem os estimados leitores algum intelectual, com o mínimo de qualidade exigida, que escreva e viva na província? A província é boa para passar o Natal, a Páscoa e uma semana de férias no Verão. A província retempera. Nisso é como a água das Caldas, ajuda a digestão, estimula a vesícula, equilibra o estômago e desentope o fígado. Mas aqui ninguém medra. Aqui, culturalmente falando, nada viceja, tudo se acinzenta. Ninguém sai da cepa torta. Limitamo-nos a discutir as notícias sensacionalistas do Correio da Manhã e a escolher livremente o nosso presidente da junta. Pois, os senhores deputados escolhem-nos eles lá em Lisboa. Nós apenas nos limitámos a concordar e a votar nos seleccionados por quem sabe das coisas da política e da cultura. E mesmo os nomes dos vários candidatos a presidentes de câmara têm, obrigatoriamente, de ter a bênção dos directórios alfacinhas. Por isso é que eles têm tanta qualidade.
Eu ainda pensei escrever um livro sobre estas coisas, mas desisti porque sei de ciência certa que me falta a atmosfera criadora da capital.
Eu bem os vejo. Eu conheço-os. Saem daqui medíocres, mal vestidos, falando à trasmontana, trocando os bes pelos ves e, passados alguns anos, lá pela época do Natal, ei-los que se passeiam a pé Rua de Santo António abaixo e Rua Direita acima, deslumbrantes, tépidos e emblemáticos, chamando chóriço ao chouriço, aprumando muito os lábios no momento de beijar as senhoras, sorrindo afectadamente quando encontram os seus antigos colegas de escola, distinguindo um café de uma bica, uma bica de uma italiana, uma italina de um cimbalino, um fino de uma imperial, um panachê de um tango, um vinho QPRD de um DOC, identificando praças e centros comerciais, diferenciando uma sala de espectáculos, do próprio espectáculo e este dos espectadores. Coisa que não está ao alcance de qualquer um.
Por isso os invejo. Os admiro. Leio-lhes embevecidamente as crónicas futebolísticas, os editoriais eminentemente culturais, as receitas de cozinha, as pontuações das cervejas, os apontamentos de viagens, as dissertações sentimentais sobres os charutos e as cigarrilhas, os poemas sobre os whiskies, as opiniões sobre a política, a cultura, a cultura política, a política cultural, sobre o futebol, sobre o desporto de massas e de elites, sobre os livros que falam de livros, os escritores que dissertam sobre outros escritores e estes sobre o ser e o nada, o vazio e o universo, o espaço, o infinito e o mais além.
Hoje, por muito que me custe admiti-lo, arrependo-me profundamente de não ter rumado, enquanto jovem, até à capital. Não sei se algum dia chegaria a ser escritor, mas provinciano não era de certeza absoluta. E sempre podia sonhar com um cargo à frente de alguma instituição do Estado, por pequena que fosse. Agora aqui residente apenas posso aspirar a participar nalguma associação de cariz cultural que tudo deve à carolice e nada ao resto. Aqui não se faz carreira, constroem-se bizarrias e alimentam-se depressões e outras tantas ilusões.
Aqui faz-se o fumeiro, colhem-se (deixem-me sonhar) as couves e as batatas e dança-se o folclore nos festivais gastronómicos. Na capital gere-se o país, produzem-se as ideias, fabricam-se os projectos, publicam-se os livros, vive-se com quem se quer e fornica-se a esmo. E isso, por muito que ainda nos custe, é civilização. É progresso. É cultura.
Na capital, como muito bem escreveu alguém de quem agora não lembro o nome, viver é cada vez mais escrever a lápis mas sem borracha. Já fornicar por lá tem de ser um acto em que a borrachinha tem obrigatoriamente de estar presente. O lápis que se amanhe.
PS – Sugestão muito cultural sobre como ajudar a iludir a crise e a viver melhor na província as noites de sono ou de sonho.
Roupa:
Para a parceira: Soutien, cinta de ligas e cuecas Valisére em tons de vermelho; ou camisa de noite Triumph, cuecas Bjorn Börg e lingerie Impetus em tons de preto.
Para o parceiro: Pijama Coup de Coer, boxers Impetus, Sloggi ou também Bjorn Börg.
Literatura:
Para todos: Poesia erótica de Natália Correia. Sugestão principal: Cosmocópula.
Poesia erótica de Bocage: Sugestão principal: Soneto do Gozador Coçador.