Depois de anos de sedução do facebook por mim, decidi corresponder a tanta solicitação. Pega daqui, pega dali, o programa enviou-me para vários e distintos amigos. Depois de observar rapidamente, como muito bem manda a aplicação electrónica, os vários pedidos e sugestões, fui desembocar numa possível lista de gente apegada a estas coisas: os amigos da amizade. Um deles saltou-me logo à vista: Nadir Afonso. E eu, que sou ingénuo, embora não o pareça, principalmente nos afectos, tentei ver se o Mestre me aceitava como seu amigo no facebook. Cliquei e… chumbei. E logo, valha-me Deus, quando o quis adicionar como amigo no badaladíssimo facebook. A tal rede social que a todos põe em contacto. Isto apesar de me identificar como seu conhecido. O que é verdade. Mas o facebook rejeitou-me a petição. O Mestre tem demasiados amigos. Demasiados amigos!? Tentei de novo. Às vezes com as máquinas é preciso paciência e perseverança. Infelizmente, tornou a explicar: este utilizador já tem demasiados amigos. Eu pensei, cá com os meus botões, que ninguém tem demasiados amigos. Os amigos nunca são de mais. Mas, infelizmente, para o facebook, para mim e para o Mestre, muitos amigos são demasiados. Afinal a pintura abstracta tem bem mais seguidores do que aquilo que eu pensava. E ainda bem para a arte e para o Mestre. E infelizmente para mim. Mas a arte vale este sacrifício.
Chateado com a tal rede social, dali me fui ter um face to face com os meus amigos. Podem não ser artistas como o Mestre, mas são meus amigos e não partilham da mesma ideia do facebook, para eles, e para mim, claro está, os amigos nunca são demais.
O L., enchendo-se de orgulho, informou-nos que os dentes dos cavalos selvagens se modificaram, confirmando assim a hipótese evolutiva da selecção natural de Darwin (Deus 0 – Darwin 1). O estudo da revista Sciense revela, depois de analisados 6500 fósseis de cavalos selvagens, alguns com 55 milhões de anos, que houve um processo de adaptação de hábitos alimentares devido a alterações climáticas. Os investigadores comprovaram que as modificações dos dentes não são imediatas, demoram pelo menos um milhão de anos para afiarem depois de um episódio de alteração climática, o que se traduz em 100 mil gerações.
O R., inconveniente como sempre, resolveu por um pouco de pimenta na amena cavaqueira dizendo que era por isso que os dentes do L. eram tão afiados. Querendo com isso insinuar que o nosso amigo tinha dentes de cavalo. Sentindo-se tocado, pois este nosso amigo tem pouco sentido de humor, se é que tem algum, disse que o R. é que tinha cara de equídeo. O R. ripostou duro afirmando que ele, o L., tinha orelhas de burro. Dali passou-se a insinuações de que uns zurravam, que outros estavam casados com éguas, etc. Nesse momento resolvi liderar o processo de pacificação e contei-lhes um pequeno episódio.
«Na minha aldeia em tempos existiu um padre que era um pregador muito afamado. Tagarelava esplendidamente da família de Deus e lembrava, com um sorriso de bochecha a bochecha, que no seio da Madre Igreja qualquer um dos seus filhos tinha a obrigação de partilhar tudo. Ou quase. Um belo dia, o amigo regedor bateu à sua porta para lhe pedir o burro emprestado. Um burro de bom porte, quase um mulo. Mas o padre, se era generoso nas palavras, era a modos que sovina nos actos. E, não lho querendo emprestar, disse: “Lamento mas já o emprestei ao Tio Chico do Outeiro.” Nesse momento o burro começou a zurrar no pátio da casa. Por isso o regedor exclamou, surpreendido: “Mas estou a ouvi-lo a zurrar aí dentro!” Ao que o cura respondeu com a ira do Criador do Antigo Testamento: “Mas tu, criatura de Deus, acreditas no Padre Zé ou no seu burro?”
“Essa é boa”, concordaram os meus amigos entre sorrisos sinceros.
“Por falar em burricadas… Segundo António Barreto”, Lembrou B., “José Sócrates quis ser despedido. Isto apesar dos dados estatísticos nos dizerem que em Portugal se fez uma casa em cada 6 minutos.”
Eu chalaceei: “Portugal tem de escolher um primeiro-ministro que governe em estado de auto-hipnose.”
Ao que o R. contrapôs: “Se o Governo é mau, a Oposição é péssima.”
O F., que é um descendente dos sofistas, resolveu citar Jean-Luc Godard, do seu Filme Socialismo: “Hoje em dia, o que mudou é que os canalhas são sinceros.” Todos concordámos.
O L. resolveu colocar ainda mais achas na fogueira: “Eu não sei como é possível que num país com 10 milhões de habitantes, um Presidente da República, que manda menos do que a rainha de Inglaterra, possa gastar 16 milhões de euros por ano. Ou seja, precisamente o dobro do Rei de Espanha. E para tão pouco mester necessitar do trabalho de 500 pessoas.”
Eu chalaceei de novo: “A Presidência da República não é uma instituição política. É uma fundação de solidariedade social.”
“Razão tem o Bagão Félix. Isto está por um fio. E aponta uma solução de Governo. A única capaz de salvar Portugal: uma coligação entre o PSD, o CDS e o PCP”, lembrou o R.
Ao que eu atirei: “Esse é bem mais papagaio do que o seu papagaio Pelé.”
PS – Para ajudar a amar ainda mais os já amadíssimos poetas portugueses, essas vozes derradeiras da nossa suprema gesta, a gesta lusitana, aqui fica uma “quadra ao gosto popular”, de Fernando Pessoa: Já duas vezes te disse / Que nunca mais te diria / O que te torno a dizer / E fica para outro dia. E mais outra: O papagaio do paço / Não falava – assobiava / Sabia bem que a verdade / Não é coisa de palavra.