Enquanto praticava, durante o fim-de-semana, um dos desportos nacionais mais apreciados, o passear nos centros comerciais, entrei distraidamente na Bertrand. Lá dentro havia muitos livros nos escaparates dos topes, ainda muitos mais nas prateleiras, e viam-se algumas pessoas que aproveitavam para, devido à crise, ler algumas páginas de livros que não dá nenhum jeito comprar por causa do seu preço elevado. Porque quando a crise aperta são os objectos de cultura os mais sacrificados. Eles e os carros novos de gama baixa e média.
Pois, como ia dizendo, entrei na livraria e pude constatar, com alguma satisfação, convenhamos, que as capas de várias revistas e jornais davam especial destaque à Bimby e ao António Barreto. Ou seja, deu para ver, mesmo a um cidadão distraído como eu, que estes são os dois produtos mais mediáticos nos tempos que correm.
Com a Bimby podemos bimbar várias receitas de culinária e com o António Barreto podemos bombar no país e na classe política. Especialmente nos socialistas, que agora, com a crise, são os bombos da festa. E se com a Bimby, a cozinha mais pequena do mundo, podemos confeccionar todo o tipo de pratos, com o António Barreto podemos ficar a saber que o povo português trabalha pouco, produz pouco, ganha pouco, lê ainda menos, é insuficientemente instruído, mas, mesmo assim, vive acima das suas posses.
E podemos ficar também a saber que o engenheiro Sócrates é o culpado de tudo isto e ainda da chuva que cai fora de época, do sol que aparece e desaparece sem um critério unitário, das geadas fora de tempo, das trovoadas de granizo e das trombas de água, do nevoeiro matinal e da crise. Ou seja, foi ele quem provocou a desregulação da economia e das finanças internacionais, além de aumentar o buraco de ozono e de ser um dos principais responsáveis pelo aumento do preço do petróleo, daí o estarmos como estamos.
Ande a culpa lá por onde andar, às costas do Sócrates vai parar. E é bom que assim seja, pois dá um jeito do caraças. Por tudo isso, e por alguma coisinha mais, o António Barreto ganhou, durante algumas semanas, o estatuto de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas enquanto o putativo comentarista do PSD é um palrador mediático destinado às classes média baixa e baixa, o António Barreto é um upgrade do mesmo produto mas dirigido às classes média, média alta e alta.
Estou em crer que me desviei do propósito que desta vez tinha para escrever. O destinatário não era nem a Bimby, nem o António Barreto e muito menos o Professor Marcelo, mas antes o candidato a presidente da Assembleia da República pelo PSD, Fernando Nobre.
Confesso que fiquei com uma lágrima no canto do olho quando, durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, ouvi o candidato da AMI falar do pretinho africano que corria atrás da pita para lhe roubar a migalha de pão que ela levava no bico. Mas desde já aviso os estimados leitores que o que nessa altura verdadeiramente me espantou foi a erro de análise do amigo Fernando. Ele, poeta como é, pensou que o pretinho faminto tinha os olhos postos na migalha no bico da pita. No entanto, se fosse etnologista, ou transmontano, que são condições sinónimas, perceberia que o que o menino famélico perseguia era a pita e não a migalha de pão que ela transportava no bico. Uma pessoa cheia de fome, podendo optar entre a migalha e a pita, não hesita um momento. Reconheço que a imagem do menino atrás da galinha, para lhe roubar a migalha de pão, é muito mais apelativa, mas, infelizmente, é falsa. Pode ter um efeito mediático directo e dar votos, mas não está de acordo com a condição humana, animal portanto.
Eu sei, o Fernando Nobre é lusitano. E por isso pensa que o fado é o único género de humor tipicamente português. Por isso o ter recorrido ao mau humor, que explora a tristeza em vez da alegria. Nisso, como em muitas mais coisas, andamos ao contrário do resto do mundo. Lá fora riem-se com o nosso subdesenvolvimento. Nós por cá votamos num cómico que resolve respeitar a tradição transformando os seus momentos de campanha em espectáculos fadistas onde as pessoas se sentem tristes e apreciam.
Não estou a dizer que o Fernando Nobre é um humorista voluntário. Nessa armadilha não caio. Portugal, todos o sabemos, é um país de cómicos involuntários. Em Portugal, os políticos cada vez mais se parecem com personagens criadas por humoristas. O humor é um termo geral que abrange distintas variações, registos e géneros: a sátira, a paródia, a ironia, o sarcasmo, o abjecto, obscenidade e o discurso político.
Sabendo que existe uma linha muito ténue entre o que nos faz rir e o que nos deprime, e que a graça está sempre a um milímetro da desgraça, mesmo assim não resistimos a lembrar que Fernando Nobre, foi, inicialmente, um simpatizante da monarquia, apoiou Mário Soares na recandidatura a presidente da República, foi mandatário, nas últimas eleições europeias, do Bloco de Esquerda, foi candidato à Presidência da República contra os candidatos dos partidos, e agora é cabeça de lista das legislativas do PSD por Lisboa, com a promessa de lhe entregarem o cargo de presidente da Assembleia da República. Ele que detestava os partidos, que abominava a política e que criticava os deputados por nada fazerem.
Os dirigentes do Bloco de Esquerda, também eles fadistas empedernidos e excelentes humoristas involuntários, já vieram afirmar que esta atitude do Fernando Nobre “é o fim de uma imensa fraude”.
É bem possível que os eleitores mais indignados resolvam ir a banhos. Nós, por aqui, achamos mais sensato sair deste filme lembrando uma das frases mais emblemáticas do cinema português (A Canção de Lisboa): «Vamos embora que isto é uma aldravice».
PS – Segundo o Correio da Manhã, no passado ano, a AMI rendeu ao seu fundador e presidente, o cidadão Fernando Nobre, e à sua esposa, a respectiva secretária-geral, 73.170 euros, o que dá um rendimento bruto mensal de 5226 euros. Bem prega Frei Tomás…