Dizem os entendidos que somos um povo que gosta de falar de si próprio, que temos paixão em falar de nós, daquilo que somos e não somos. O emigrante Eduardo Lourenço considera que sofremos de hiperidentidade, seja lá isso o que for. Outros acham que Portugal é, em si próprio, uma contradição, pois, apesar de sermos capazes de dizer mal de nós, apenas o fazemos entre nós, e ficamos ofendidos se alguém lá de fora se atreve a reproduzir a nossa crítica. Mas é verdade que cada português tem uma questão pessoal a resolver com o país.
O antropólogo José Gabriel Pereira concluiu, através de um estudo feito com milhares de portugueses, que cada portuga se considera um exemplo para os outros, por isso o melhor do grupo em que se insere. Todos fariam, se fossem mandantes, a coisa certa. Todos seriam os treinadores perfeitos para a sua equipa de futebol ou o melhor primeiro-ministro de sempre e para sempre. Concluiu ainda que por cá ninguém manda em ninguém. Todas as corporações se indignam quando as querem tutelar. Os juízes estrebucham, os professores berram, os militares contorcem-se, os médicos indignam-se e os políticos fazem discursos apologéticos. Daí o grito tipicamente luso: em mim ninguém manda, nem que se foda.
Basta olhar para o nosso entorno para verificarmos que tudo está a postos para os tempos que aí vêm, mas nada está em ordem. Ninguém tem um projecto consistente que nos permita encarar o futuro com optimismo. Não existe desígnio nacional. Avançamos por inércia. Caminhamos por caminhar. Todos querem ser dirigentes e ninguém aceita ser dirigido. A nossa identidade está em não termos identidade nenhuma. Por isso é que os vários estudiosos dos últimos dois séculos afirmam que Portugal é o país errado, sem viabilidade, povoado por gente pobre e inculta, onde nada dá certo. E as estatísticas evidenciam constantemente o mesmo: somos sempre o país do carro vassoura.
Fernando Pessoa escreveu que os portugueses são incapazes de assumir a culpa: é sempre a sexta pessoa de um grupo de cinco. José Gil tem razão quando afirma que o português se queixa sempre do país e nunca de si próprio. Mas, de todas as definições do ser português, se é que isso realmente existe, aprecio, com algum pesar confesso, a do historiador José Matoso, que identifica Portugal como um país dominado por uma minoria que sempre fez com que a maioria desenvolvesse os dotes do improviso, a tendência para viver o dia-a-dia ao sabor do vento, praticando a pequena fraude, investindo na economia paralela, na fuga aos impostos e apostando forte no clientelismo.
E, para que não pensem que me pus para aqui a escrever por minha conta e risco, chamo à colação várias e distintas declarações ao Expresso proferidas por gente que sabe daquilo que fala. Pelo menos, como bons portugueses, são os melhores comentadores do mundo e arredores.
O crítico político Daniel Oliveira diz que somos ciclotímicos, já que mudamos constantemente de humor. Tanto nos sentimos uns gajos extraordinários como, de repente, puxamos da guitarra e cantamos baixinho que somos o pior povo do mundo. Já o novo secretário de Estado da Cultura, José Viegas, diz que possuímos a característica da generosidade, embora, adverte, com a inteligência que todos lhe reconhecemos e que nunca nos cansaremos de elogiar, “mascaramos com ela a falta de disciplina, de exigência e de constância”. E sentencia: “ser generoso não basta”. Basta é pagar os impostos a tempo e horas.
A socióloga Maria Filomena Mónica define-nos como pobres. E concretiza: “sempre fomos um país de camponeses pobres: entretanto deixámos de ser camponeses, mas continuamos pobres”.
O escritor Vasco Graça Moura diz que somos baldas. E explica porque vivemos quarenta anos debaixo do manto negro do salazarismo: “o português só sai da balda para desenvolver outras qualidades quando submetido a um regime de autoridade, por muito desagradável que este seja”.
O historiador Rui Ramos declarou que somos faladores. E ele sabe daquilo que fala. “Mais do que pensarem ou fazerem, os portugueses falam. Falam, sem nada para dizer e em vez de conversar, dissociando a fala de qualquer pretensão de comunicação.”
Mas nem tudo são comentários tão desanimadores, apesar de genuinamente culturais. Existe sempre alguém que resiste, existe sempre alguém que diz não. E não é nem um poeta alegre, nem um sociólogo deprimido, e, muito menos, um historiador encartado e desencantado. A nossa salvação, em termos de argumentário, vem do chefe de cozinha José Avillez. Para ele nós somos corajosos. “É o que, ao longo do nosso percurso, nos fez ultrapassar momentos difíceis de cabeça erguida. É o que, perante a adversidade, nos faz continuar a lutar.”
Mas, nos tempos que correm, a sugestão ajustada chega-nos a através de Eduardo Souto Moura, Prémio Pritzker de arquitectura: “A solução para a arquitectura portuguesa é emigrar.” Estou em crer que o nosso compatriota não nos levará a mal o estendermos a sua arrojada sugestão a todas as outras profissões. E o último a sair que apague as luzes do aeroporto. Por favor.
PS – E enquanto o êxodo não se inicia, pois estamos em plena época estival, aqui fica mais uma sugestão, desta vez a cargo do Hotel Ritz, com o firme propósito de os estimados leitores prepararem mais um apetitoso cocktail.
Prime Tentation – 4 cl de Pama (licor de romã); 1 cl de sumo de limão; 1 cl de xarope de açúcar; 1 cl de Cointreau (licor de laranja); 1 cl de clara de ovo. Técnica: Misturar tudo no shaker e coar bem. Decoração: Cacho de arando e ramo de hortelã. Tempo de preparação: 8 minutos.