Nós, os da ocidental praia lusitana (parte segunda)
Boaventura Sousa Santos tem razão: Portugal é um país de desenvolvimento intermédio. E fundamenta esta sua conclusão numa “atitude consciente em mostrar que há razões históricas e sociológicas para os nossos grandes problemas”.
Mas já lá iremos. Entretanto, deixem-me lembrar-vos três evidências simbólicas do destino errático e poético do governo da nação, que tanto prometia e que, ao que parece, cada vez mais se aproxima do estilo da ópera bufa. Para não ir mais longe, permitam-me que utilize as palavras de João César das Neves, um economista conservador próximo do PSD, que declarou ao jornal I que “as duas semanas do Passos Coelho são iguais às de Sócrates”.
A primeira evidência tem a ver com Pedro Passos Coelho. Afinal o actual primeiro-ministro prometeu que não se desculparia com os erros do passado, nomeadamente com os cometidos pelo governo de José Sócrates. Prometeu mas não cumpriu. E essa até era a promessa mais fácil de realizar. Uma coisa é falar, ou calar, outra bem mais difícil é governar. No primeiro debate sobre o programa do Governo PPC até conseguiu conter-se. Mas não conseguiu resistir mais do que um mês à comezinha tentação e lá veio ele com a ladainha da desculpa por causa das dificuldades impostas pela “pesada herança”. Que a herança é pesada, lá isso é. Mas os portugueses estão fartos deste jogo do empurra. Quem lá está foi porque quis estar e já sabia de antemão aquilo que ia encontrar. O Governo, em vez de se queixar, tem de agir.
A segunda evidência está relacionada com Francisco José Viegas. Dos três secretários de Estado na dependência directa do primeiro-ministro, o nosso (quase) conterrâneo é o único que não terá assento no Conselho de Ministros. Sendo esse o principal local de discussão política dos governantes, está visto que FJV está fora do jogo. E quem está fora do jogo racha lenha. Aceitando o estatuto minoritário da cultura em relação ao resto da governação, o distinto escritor de policiais vai andar sempre a colher apenas as migalhas que podem cair da mesa do orçamento. Dinheiro para a cultura não há, poder tão pouco. Resta a FJV fazer de bouquet num executivo que só tem olhos para a economia e as finanças. Salazar também assim pensava, por isso deixou o país com ouro nos cofres, mas com um atraso de cem anos em relação ao resto da Europa desenvolvida.
A terceira evidência relaciona-se com a senhora ministra da Agricultura (e mais qualquer coisa). A ideia mais revolucionária que encontrou para fazer andar a agricultura para a frente foi decretar o fim das gravatas para poupar no ar condicionado. As batatas, o trigo, as couves o milho e tudo o resto que aguardem. E os agricultores que esperem sentados, à sombra das oliveiras, as políticas agrícolas que a senhora ministra mais os seus assessores sem gravata irão desenhar no desconforto dos seus gabinetes. Curioso é que só pensou nos homens para poupar no ar condicionado. Por isso, com a devida vénia, aqui fica a pergunta: e as mulheres o que é que tiram para poupar na conta da electricidade do ministério?
Voltando de novo a Boaventura Sousa Santos, é pertinente a sua crítica em relação à nossa autoflagelação, que, na sua perspectiva, atingiu níveis alarmantes. Por isso se insurge contra os discursos dos “esclarecidos”, dos “estrangeirados, como eram chamados no século XVIII, que, ainda por cima, são estrangeirados que nunca saíram de Portugal”. A seguir ilustra a sua teoria com o caso de Medina Carreira a quem não desculpa a desfaçatez de nos comparar ao Zimbabwe.
Já que estamos em maré de autoflagelação, deixem-me citar BSS, em entrevista ao Expresso: “Os frades, que no século XVII vinham dos lados das Alemanha e da França, diziam dos portugueses o que nós dizíamos dos indígenas das colónias: que eram lascivos, preguiçosos, sem regras de higiene. Há um colonialismo interno, na Europa, que está sempre a aflorar”. E um pouco mais à frente: “Portugal iniciou a sua decadência a partir de 1580, quando perdeu a independência para Espanha. A partir daí, fomos sempre um país de desenvolvimento intermédio. Os barcos vinham do Brasil cheios de ouro, mas o ouro não ficava em Lisboa, seguia para Londres, para pagar a nossa dívida”.
Já Barry Hatton, um jornalista inglês a viver em Portugal, em entrevista ao mesmo jornal, disse que o português é passivo, contenta-se com o que tem”. No seu livro “Os Portugueses” defende que o português não só engana o patrão, como engana o fisco e o próprio governo. Considera que o nosso povo é muito humano e amável, que tem uma forma lânguida de viver que é muito simpática. Além disso temos a rara qualidade de nos agarrarmos ao que temos, mesmo que seja manifestamente mau. “Há um medo de o largar apara avançar”, conclui. Mas vai mesmo mais longe na sua análise sobre os portugueses, quando refere um axioma: “Durante a ditadura falava-se apenas do dever das pessoas e depois do 25 de Abril passou-se a falar de direitos. Nunca mais se ouviu falar de deveres”.
Mas a parte mais interessante da entrevista ao jornalista britânico encontra-se no trecho onde tenta responder à questão sobre como vivem as pessoas em Portugal. BH, por incrível que pareça, dispara a matar: “Há muito tempo, desde o século XVI, que Portugal não consegue gerar riqueza. Para um estrangeiro que vem de férias ou por um período breve é difícil perceber de onde vem a riqueza do país. O segredo é que muitas pessoas vivem com muito pouco. Há uns dias um blogue referia que em Portugal se trabalha mais do que na Alemanha. Respondi que o tempo de trabalho não interessa tanto como a produtividade”.
Para justificar esta situação, BSS considera que cometemos dois erros: o de termos voltado as costas às ex-colónias e um segundo relacionado com a má gestão dos fundos europeus. E vai mais fundo, apontando o dedo a Cavaco Silva, pois, na sua perspectiva, “foi ele que mandou abater barcos, cortar as oliveiras e cortar as vinhas, porque era uma maneira de receber subsídios. E foi ele que impediu as universidades de gerirem os fundos para cursos de formação para requalificarem mão-de-obra portuguesa, o que deu na maior corrupção da história portuguesa, com cursos, professores e diplomas fantasmas”.
Barry Hatton diz que conhece um sueco que afirma a pés juntos que “os portugueses são bons porque o Estado é mau”. O que nos permite estender o argumento e afirmar que quando PPC fizer como promete, e transformar o Estado mau em bom, os portugueses passarão de bons a maus. Ora, estimados leitores, está visto que o nosso futuro é tortuoso. Estamos como o brasileiro quando verifica: se correr, o bicho pega, se ficar o bicho come.