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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

30
Abr12

Da expetativa ao imobilismo (XIII): os tagarelas e a eutrofização laranja

João Madureira

 

O ano vai seco. Mesmo muito seco. Não tem chovido coisa que se veja. Possivelmente a culpa é do engenheiro Sócrates. Bem vistas as coisas, a culpa só pode ser dele. Este governo (ai como as palavras estão gastas) não o diz, mas insinua-o.

 

De facto tem de haver um culpado. Até para a culpa não morrer solteira, pois com este executivo (ai como as palavras dizem coisas que não querem dizer) todos nós somos culpados pela grave situação social, económica e financeira do país.

 

Lá chover não chove, mas o país mete água por todos os lados. E não só mete água. Mete pena. Mete muita pena. Mete dó.

 

E não é só o país que mete dó. Chaves segue-lhe o exemplo. Até o Tâmega mete pena. E já mete pena há muito tempo.

 

A verdade é que para tentar remediar o estado lastimável do rio, a anterior autarquia mandou fazer o célebre espelho de água entre pontes. Ou seja, alindou centenas de metros mas esqueceu-se, ou não teve tempo, de arranjar vários quilómetros a montante e a jusante que entristecem os flavienses mais atentos e amarguram quem nos visita.

 

A atual autarquia flaviense não tem feito outra coisa que não seja varrer o lixo para debaixo do tapete, como se o espelho de água resolvesse os problemas estruturais das margens e do leito do rio. É este espírito de novo-riquismo que nos continua a fazer empobrecer a cada dia que passa.

 

Enquanto olhamos entretidos para o espelho de água, o rio continua a definhar, a agonizar, a poluir-se e a morrer mais um pouco todos os anos.

 

Por vezes, as autoridades regionais ou nacionais fazem que se condoem com este estado de coisas e vêm até a “província” dizer que dizem e fazer que fazem. Vêm tagarelar.

 

Para isso é são que pagas, desculpa-se alguém por nós.

 

Há meia dúzia de semanas vieram até Chaves uns pândegos participar num fórum regional com a intenção de “potenciar a sustentabilidade dos recursos hídricos”, no âmbito do Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas do Norte, por obrigação legislativa europeia.

 

Vieram até cá e disseram coisas tão relevantes como “a Veiga é uma massa de água que está a ser monitorizada, está em bom estado, mas é preciso prevenir, controlando as descargas de resíduos e a poluição difusa”.

 

Isto já nós o sabemos, vai para mais de vinte anos. Mas eles, os tagarelas iluminados que dirigem estes fóruns, descem à província e tratam logo de nos encher os ouvidos com lugares comuns e verdades “lapalissianas” como se fossemos parvos.

 

Disseram, para quem os quis ouvir, que vinham até nós para auscultar as opiniões, críticas e sugestões das entidades da região com responsabilidades no setor das águas, como as autarquias, o Ministério da Agricultura, a GNR, a EDP, as empresas gestoras dos sistemas de abastecimento e saneamento, bem como os empresários e os académicos. Ou seja, os suspeitos do costume.

 

É caso para dizer que eles ouvem, ouvem, ouvem e nada fazem. Ouvem, ouvem, escrevem, escrevem, falam, falam, mas, esses tagarelas de pacotilha, não fazem nada.

 

O rio a definhar há décadas, a morrer ali mesmo aos nossos pés e os tagarelas das instituições vêm até nós para “enriquecer o plano com a participação das instituições para sermos mais eficazes, uma vez que os recursos financeiros são escassos”. Isto porque temos de “cumprir as obrigações ambientais da União Europeia.”

 

Eles, os tagarelas, fazem os projetos, realizam fóruns, andam de um lado para o outro nos seus carros, elaboram estudos, gráficos e relatórios. E o Tâmega para ali a morrer há décadas. E eles, os tagarelas, a fazer que fazem, a dizer que dizem…

 

E o nosso rio a definhar como um peixe ferido de morte.

 

E reconhecem, os tagarelas, na sua sapiente erudição, que “embora o plano atribua uma classificação deficitária à qualidade da água do Tâmega”, como se isso fosse um novidade, “devido à eutrofização provocada pela falta de velocidade da água”, que mais não é do que uma crítica velada ao Espelho de Água, “a Veiga é uma massa que está monitorizada”, etc.

 

E fazem-se estes senhores tagarelas pagar muito bem para dizerem aquilo que todos já sabemos há tanto tempo.

 

E o Tâmega ali a nossos pés a definhar e a morrer mais um pouco todos os anos.

 

E estes senhores tagarelas a explicarem o óbvio, sem mexerem uma palha, a não ser dizer que dizem, e que “monitorizam”, e blá, blá, blá e mais blá blá, blá e “eutrofização” para aqui e “sustentabilidade” para ali e “massa de água” para acolá.

 

E ainda mais blá, blá, blá.

 

Depois, os tagarelas resolveram ir passear pelas margens do rio, lá para o lado das lagoas existentes no meio da Veiga. E constataram o óbvio. O lixo que por ali se acumula vai para mais de vinte anos.

 

O lixo. Toneladas e toneladas de lixo. Lixo e mais lixo. Lixo por todo o lado. Camadas de entulho e margens degradadas. As feridas evidentes da extração ilegal de inertes. Esse foi o cenário terceiro-mundista que encontraram: áreas enormes de depósito de lixo de toda a espécie.

 

A verdade é que durante a “década de progresso” de João Batista, e dos seus acompanhantes, a nossa autarquia fez que nada viu, fechou os olhos a uma realidade que até cegava, de tão evidente.

 

Um fechar de olhos irresponsável por parte da nossa Câmara, devidamente misturado com muitos interesses económicos.

 

Quase um cenário de guerra: Montanhas de entulho com mais de dez metros de altura, máquinas abandonadas, as lagoas a secarem, os peixes a morrerem, ali aos nossos pés, perante a indiferença de quem manda, de quem pode, e deve, alterar este rumo de coisas, de quem afirma que nos governa.

 

Mas, convenhamos, foi um técnico da Câmara que serviu de cicerone à visita ao depósito de lixo que é atualmente o Tâmega.

 

Nós nisso somos exímios: não temos pudor algum em mostrar as nossas chagas, em revelar aos outros o nosso subdesenvolvimento, como se fôssemos masoquistas e indolentes.

 

Nada do que ali se encontra se deve ao desleixo dos flavienses, mas antes à incúria de uns tantos que usam e abusam do que é de todos como se fosse seu, perante a indiferença da autarquia e o fechar de olhos das autoridades competentes.

 

Os senhores entendidos, e tagarelas, discutiram a vastidão e a complexidade das leis, as dificuldades da aplicação das diretivas, a ausência de cartografia e fiscalização das massas de água subterrâneas e a sobreposição de competências entre entidades.

 

Ou seja, discutiram entre si aquilo que são, tagarelaram numa postura autista, empurrando as culpas para o lado. Pois são eles, os tagarelas, que fazem as leis, são eles que fazem os projetos, os estudos, os fóruns, os passeios, etc.

 

Eles, os tagarelas, que são pagos para atuarem, queixam-se e monitorizam. Falam. Não agem, falam.

 

E o Tâmega a definhar, a morrer, perante a indiferença das autoridades, dos parlantes, dos suspeitos do costume. Dos tagarelas.

 

O lixo a acumular-se, o rio a definhar, os peixes a morrer, e eles, os tagarelas, a falar, a dizer que dizem, a falar que falam.

 

E o Tâmega a morrer.

 

O lixo a amontoar-se nas barbas das autoridades civis e militares, e os pândegos tagarelas lá de baixo a dizer que dizem, a falar que falam…

 

E o Tâmega a morrer, a desaparecer ali a nosso pés, num choro fino e manso que arrepia todos quantos nele tomaram banho, todos quantos o amaram e acarinharam.

 

O Tâmega a morrer, o lixo a asfixiá-lo, e os tagarelas das palavras e dos projetos, a dizer que dizem, a falar que falam. Ali numa cumplicidade enervante. Num fazer que faz provocador. Numa encenação impertinente.

 

E por falar em água, em poluição e desleixo, deixem que vos diga umas palavrinhas acerca das “comemorações” do 25 de Abril levadas a efeito pela nossa autarquia.

 

A cada ano que passa, cada vez mais as tratam como lixo.

 

Bem podem tentar meter o 25 de Abril no contentor do lixo dizendo que pretendem mandá-lo para a reciclagem, mas a tentativa só os menoriza.

 

As comemorações da nossa autarquia não tiveram rigorosamente nada de relevante. Foram apenas meia dúzia de iniciativas ridículas, sensaboronas, medíocres, irrisórias e irrelevantes. Tiveram até uma aula de hidroginástica na Piscina Municipal.

 

Por amor de Deus, tirem-nos deste filme.

 

A autarquia pode não gostar da data, está no seu direito democrático – e olhem que eu já vi militantes do PSD botar gravata preta, em sinal de luto, neste dia –, mas não podem, e não devem, ridicularizar e esvaziar de sentido esta data memorável. Olhem que o ridículo pode matar.

 

Se não gostam do 25 de Abril não o comemorem. Mais vale ser conservador coerente do que democrata fingidor.

 

A cada dia que passa, torna-se mais evidente que a democracia morre asfixiada pelas mãos ríspidas deste rancho de democratas inertes.

 

Oxalá não morram também eles asfixiados por causa da eutrofização que provocam nas águas quase paradas da nossa cidade e do nosso concelho, cada vez mais rarefeitas de liberdade, de esperança e de futuro. 

27
Abr12

O Homem Sem Memória - 112

João Madureira

 

112 – Depois de malhar nos socialistas, de desancar a democracia, de execrar os parlamentos burgueses, de pregar a morte à reação, de defender a extinção da exploração do homem pelo homem, de exaltar a sublime ideia do socialismo científico, dos seus fundadores teóricos Marx e Engels, e dos seus obreiros superiores Lenine e Estaline, e do seu máximo defensor, impulsionador e divulgador em Portugal, o incansável camarada Punhal, passou à fase pragmática. E deu como único, derradeiro e exclusivo exemplo, a União Soviética. A querida e revolucionária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, berço e alfobre dos líderes eternos do comunismo: Lenine e Estaline. E do prestigiado Brejnev.


E não poupou nas palavras, nem no entusiasmo, nem no engodo. A União Soviética, a dileta pátria de Lenine e Estaline, a querida e revolucionária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, era o Farol do Socialismo, o Sol que iluminava o Mundo.


O camarada Punhal bem o afirmava. E afirmava-o de tal maneira que não havia forma de o contradizer. Porque a verdade não se contradiz, aceita-se tal como é: pura. Por isso é que é verdade, senão é outra coisa qualquer menos verdade. E, como muito bem ensinou Lenine, e afirma o camarada Alberto Punhal, só a verdade é revolucionária. Por isso é que o Partido é a verdade, porque só ela é revolucionária. E como o Partido é revolucionário só pode interpretar, difundir e defender a verdade. Toda a verdade. Nada mais do que a verdade.


E não se coibiu de vender a banha da cobra e insistir na característica visionária do venerável camarada Punhal.


A ele, ao camarada Punhal, ninguém o conseguia contradizer. Ninguém era capaz de tamanha ousadia, de tal atrevimento. Porque não se consegue contradizer a verdade. E o camarada Punhal – tal como o Partido, tal como Marx, tal como Engels e tal e qual como Lenine e Estaline –, só profere a verdade porque não sabe falar de outro modo.


“Ele, o camarada Punhal, conhecido na intimidade como o comunista de Cristal, apenas diz verdades, verdades tão verdadeiras como punhos, bem como punhos não porque esse é o símbolo dos socialistas traidores de Mário Soares. Punhal diz verdades como foices, como martelos, como estrelas, sim como estrelas refulgentes. Ele é, era e será, ó se será!, a estrela polar do Partido e do Movimento Comunista Internacional. É a modos como a lâmpada do farol do internacionalismo proletário, que no meio da tempestade marítima do capitalismo ilumina a humanidade.”


O seu, dele, do camarada Punhal, claro está, prestígio e a sua inteligência ímpares permitiram-lhe assistir mesmo às reuniões do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética, mais conhecido pela sua sigla de PCUS. O querido partido de Lenine e Estaline.


Com o seu entusiasmo de papagaio comunista continuou a dar largas à liturgia marxista-leninista.


“E viva o socialismo. Ou melhor: E viva o comunismo. O socialismo é uma fase de transição entre a sociedade burguesa, capitalista, decadente, e uma sociedade de novo tipo. Já o comunismo é o fim da decadente e maléfica sociedade capitalista e o início do paraíso na Terra. É uma outra sociedade. Uma sociedade novinha em folha. Como uma fábrica de frigoríficos… Não de frigoríficos não, senão lá vão de novo associar os comunistas à Sibéria e a essas falsidades reacionárias de que os revolucionários são frios e calculistas. E isso é uma tremenda, uma medonha, uma ignóbil mentira.


O comunismo é uma sociedade sobretudo parecida com uma fábrica de tratores, que podem andar devagar mas fazem-no com firmeza. Mas qualquer dia a URSS transforma-se numa fábrica de produzir aviões a jato rumo ao comunismo.


Por muito que custe à reação, os comunistas também são seres humanos, mesmo que por vezes o não pareçam. Também comem, bebem e amam. Sim, também amam, comem e bebem. Só que para eles a revolução está antes de tudo e depois de tudo. E, o que é ainda mais importante, no meio de tudo.


Um verdadeiro comunista só pensa em fazer a revolução que nos leve ao comunismo. Só come para fazer a revolução. Apenas bebe para fazer a revolução. Unicamente ama para fazer a revolução. Simplesmente trabalha para fazer a revolução. Somente estuda para fazer a revolução. Só se diverte para fazer a revolução. Porque uma revolução que não nos encaminhe na direção do comunismo não é revolução não é nada.


Os comunistas não querem apenas construir uma sociedade melhor do que esta. Os comunistas lutam por uma sociedade perfeita: o comunismo. Os comunistas não são gente de meias tintas. Por isso são superiores moralmente. A quem duvide recomendo a leitura do livro do camarada Punhal: “A Moral Superior dos Comunistas”.


Sim, os comunistas não são gente de meias tintas. Por isso são moralmente superiores a todos os outros. O nosso símbolo é a foice e o martelo, o símbolo sagrado da aliança operária e camponesa. A nossa bandeira é vermelha e nela está inscrita uma estrela amarela como símbolo do internacionalismo proletário. E está tudo dito.


Nós não nos escondemos atrás de um punho e também não nos encobrimos atrás de setas, ou chaminés, que apontam o céu. O céu dos pardais ou dos parvos. Ah, ah, ah! Nós não estamos aqui para enganar ninguém. Nós representamos o povo, nós somos os filhos diletos do povo.


Ao contrário dos católicos, que prometem o Éden numa outra vida, os verdadeiros comunistas planeiam construir o Paraíso na Terra.


Entendamo-nos, para que não fiquem dúvidas, o comunismo é melhor do que o Paraíso, pois o Paraíso é apenas uma ficção bíblica enquanto o comunismo é uma realidade científica provada por Marx, Engels, Lenine e Estaline.


Apesar do mundo estar uma confusão, ainda bem que existe a União Soviética. Se não fosse a URSS, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a corajosa pátria dos sovietes, dos operários e camponeses, o mundo não tinha farol, não tinha norte, não tinha rumo, não tinha futuro, não tinha nada além de escravatura, exploração, ignorância e doença. O mundo seria o reino das trevas.


Os camaradas que lá viveram são as melhores testemunhas do extraordinário milagre que se operou na URSS. E este milagre não se ficou a dever à intervenção divina, mas antes ao trabalho e à luta dos homens. Dos homens e das mulheres que deram a sua vida para que ali nascesse a verdadeira sociedade socialista a caminho do comunismo. Que venceram a burguesia, que derrotaram o Czar, que abateram o nazismo e Hitler.


A organização bolchevique derrotou os príncipes, os descendentes dos boiardos, a nobreza, os seus lacaios e os kulaks. E de uma sociedade praticamente feudal construiu uma das sociedades mais avançadas do mundo. Senão mesmo a mais avançada. Pelo menos em termos sociais e humanos.


Ali não existem classes, não subsistem exploradores, não existem explorados. Na URSS são todos iguais. Todos têm os mesmos direitos. Todos trabalham e ninguém faz greve. Fazer greve para quê? Na pátria dos sovietes ninguém explora ninguém. A exploração está proibida por lei. Lá todos são obrigados a ser felizes, a defenderem a igualdade, a serem cultos e saudáveis.


Na URSS, os seres humanos nascem iguais em direitos e deveres. Ali não se brinca ao socialismo. Ali constrói-se o comunismo como quem tempera o aço. Na URSS quem manda são os operários. Ou melhor, quem manda é o Partido dos operários, que é a vanguarda do seu povo, que é a nata do proletariado russo. E quem dirige o Partido é o Comité Central, que é o órgão mais importante que lá existe.


O Partido Comunista da URSS é um partido de novo tipo. Não é como os partidos que estamos habitados a ver. Lá o Partido manda em tudo. Mas em tudo mesmo. Lá não se brinca, nem com a economia, nem com as finanças, nem com a educação, nem com a saúde, nem com a felicidade das pessoas. Lá todos têm acesso aos bens de consumo e quase tudo é grátis. Então de cultura nem se fala. Lá a felicidade não é apenas um direito. É, sobretudo, um dever. Bem assim como a cultura, a saúde, a educação, etc. Podemos afirmar que a felicidade na URSS não é uma ilusão, é a nova ordem bolchevique.”


De seguida mandou distribuir umas revistas da URSS pelos assistentes e deu-lhe uma aula prática de felicidade. Na capa, como todos puderam reparar, um casal de operários soviéticos saía de uma fábrica a rir-se. Mas a rir-se mesmo, com todo o contentamento estampado no rosto. De mão dada e a rir empanturrados de felicidade comunista.


Lá o trabalho não era castigo, não era obrigação, não era dever. Era mesmo uma dádiva, um prazer. Na URSS todos trabalhavam para o bem comum. Todos eram felizes porque faziam a felicidade dos seus camaradas. Na URSS todos eram irmãos, todos eram iguais, todos eram camaradas, mas camaradas mesmo.


Seguidamente evidenciou algumas páginas interiores para comprovar a foto da capa. De facto, os operários não só saíam da fábrica bem vestidos, bem lavados e engomados, e os casais a sorrir e de mão dada, como entravam logo de manhãzinha a sorrir, a cantar ou a assobiar o Kalinka (aqui vos deixamos a primeira quadra em cirílico para desfrutarem: Калинка, калинка, калинка моя! / В саду ягода малинка, малинка моя! / Калинка, калинка, калинка моя! / В саду ягода малинка, малинка моя!), ou algo do género, trabalhavam dentro das fábricas com um sorriso rasgado na face, fossem eles camaradas operários trabalhadores operários ou camaradas operários trabalhadores dirigentes ou camaradas operários trabalhadores vigilantes ou camaradas operários engenheiros trabalhadores ou ainda camaradas operários trabalhadores do Partido que ali estavam, não para vigiar ou controlar, mas para dar ânimo, para incentivar, para glorificar o comunismo, o trabalho e a organização de todos os camaradas que sorriam enquanto trabalhavam devidamente organizados, esclarecidos e orientados.


Mas os risos e os sorrisos não acabavam aí. Ou melhor, todos os camaradas que apareciam na revista sorriam, estivessem eles nas fábricas, em suas casas, nas escolas, nos museus, na rua, nas filas de abastecimento para o papel higiénico ou para o sabão. Sorriam com toda a satisfação do mundo. O papel higiénico e o sabão podiam escassear, mas, como muito bem dizia o camarada esclarecedor, a URSS ainda não era a sociedade perfeita. O papel servia para coisas mais nobres do que produzir papel higiénico. Servia para imprimir livros, revistas e jornais, como por exemplo o Pravda.


Aqui o camarada fez uma pausa para beber água e teorizou: “Poderão os camaradas e amigos pensar que se resolve o problema utilizando as folhas do Pravda para a higiene pessoal. Mas quem é que se atreve a limpar o rabo ao jornal que é o órgão da classe operária e do Estado Proletário Russo? É como pensar utilizar A Verdade como papel higiénico. Alguém é capaz?


O José, na sua ingenuidade democrática, preparava-se para responder afirmativamente quando o Graça lhe deu um forte encontrão que o pôs confuso.


Prossigamos. Como o camarada esclarecedor ia dizendo, a URSS ainda não era uma sociedade comunista. O papel higiénico assim o demonstrava, mas caminhava nessa direção. Ainda não estava lá, mas caminhava nesse sentido. Ai caminhava sim senhor. Mas o caminho não era fácil.


Podiam ter problemas em arranjar sabão para tomar banho e em limpar o rabo com alguma comodidade, mas possuíam foguetões proletários, possuíam tanques operários, aviões e bombas atómicas comunistas tão perfeitas que defendiam a pátria do socialismo, das guerras e das pérfidas bombas atómicas capitalistas.


Já um pouco cansado, o camarada esclarecedor deu por terminada a primeira parte da sessão, pôs-se de pé e começou a gritar a sigla do Partido e a cantar a Internacional e o Prá Frente Camaradas, no que foi acompanhado pelos presentes com muito carinho, respeito e sofrível afinação.


De seguida foram distribuídas algumas fichas de adesão que muitos dos presentes preencheram como quem compra um bilhete de lotaria que os podia fazer ganhar o Paraíso na Terra. O José deixou essa felicidade para mais tarde. 

25
Abr12

O Poema Infinito (97): o espanto de Noé

João Madureira

 

A tua língua tem o brilho doce dos frutos. Pausa. A tua língua sabe a mar e o teu sexo sabe a sol. Outra pausa. Sigo diretamente para o teu corpo envolto na paz dos campos. O mundo é agora uma enorme flor imprevista. Tens a mesma alegria azul do dia e o verde da vida e o largo espectro laranja do verão. Espero-te dentro da radiação expansiva da exaltação. Quanto mais te alcanço mais apuro a minha luz interior. O meu corpo no teu corpo tem a mesma incandescência do magma. É essa a sua invisível virtude. É essa a sua evidente expansão. Quando cai a noite os nossos corpos ajustam-se à sua transparente solidão. E nela se prolongam. E nela se expõem. E nela desenham a subtilíssima linha do amor. E o amor é outra vez um imenso e faustoso vagar. É devagar que te cavalgo pensando em corpos de palavras imensas. O espaço é uma ausência submissa. Recuperamos a terra antiga e o fausto iluminado da paciência. O sábio silêncio da dádiva volta a ser escrito e reescrito. Todo o orgasmo é o lume perfeito. Sinto reinar em mim o ponto íntimo do desejo. A audição atenta do teu ritmo cardíaco coloca paciência nos nossos gemidos. E os gemidos expõem-se com o seu fulgor específico. Agora sou outra vez o pastor de sentimentos. O verdadeiro pastor de epifanias. O alicerce tensíssimo do rigor da minha respiração entrecortada. E as imagens explicitamente sexuais transformam-se em borboletas de eternidade. Subsiste sempre uma passagem submissa. É essa a eternidade fugaz do dia que nos entra pelos olhos com a sua radiação atómica. O tempo sobe pelas imagens e define-lhe o infinito. Passamos do refulgente crepúsculo atual ao limbo da bruma do passado. As imagens vivas voltam a ser abstratas. Todas as frases sussurradas voltam a ser intensamente ambíguas e os corpos voltam a ser frágeis. E os olhares voltam a entrar na sua luz de espanto. Ambos nos aquecemos no nosso fogo místico. O teu sexo abre-se até ao génesis. Novamente a entrega volta a ser uma dádiva eficaz. Aí celebramos a sua narração. O prazer aceso é novamente um sinal de glória. Acolhemo-nos naquilo que nos falta. Escutamos o silêncio que cresce dentro de nós. A sua unidade profunda. O seu sofrimento espantado. Repouso no evidente prodígio transparente do orvalho. Essa é agora a tua pele. É aí onde sacio a minha sede. Na sedução empolgante do teu sexo subtil. Na sua humidade de língua doce. Pausa. No seu brilho de fruto. Na sua surpresa imensa. Na sua abertura santificada. Quando fecho os olhos tudo se ilumina por dentro. O amor é esse vagar eterno. Essa extensão de glória. Esse júbilo da existência. Esse ato de persistência que se lê como quem sonha. Voltamos em maré alta. Os verbos corporais desassossegam-se indefinidamente. O teu corpo. O meu corpo. Ainda há tempo. A tua língua tem o brilho doce dos frutos. Pausa. A tua língua sabe a mar e o teu sexo sabe a sol. Outra pausa. Noé que se espante de novo. Pausa (a)final.

23
Abr12

Da expetativa ao imobilismo (XII): António e os passarinhos

João Madureira

 

Desta vez tinha o firme propósito de escrever sobre os passarinhos, a primavera, as flores, a melopeia dos riachos e a música sinfónica ou coisa pelo estilo. Juro que sim. Olhando à minha volta, subiu por mim acima essa vontade de ser agradável aos estimados eleitores e de ser sincero com a mãe natureza. Juro que queria. Juro mesmo. Eu queria porque estava necessitado de fazer uma pausa em relação aos problemas da nossa cidade. Mas os tempos que vivemos não estão para distrações.

 

Mal me pus a escutar o meu entorno, em vez de ouvir os pássaros, chegaram-me aos ouvidos os gritos de protesto e indignação dos funcionários da Misericórdia de Chaves que já não recebem os seus salários há seis meses. Ensaiei concentrar-me nos pássaros e nos riachos mais a sua melopeia, mas as palavras dos manifestantes bateram-me mais forte. Sobrepuseram-se. Mas eu tentei de novo concentrar-me nos chilreios das aves: chriu, chriu, chriu…

 

Mas as palavras gritadas pelos manifestantes impunham-se: “Assim não pode ser, trabalhar sem receber.” E eu de novo a pensar na melopeia dos riachos e nos chilreios dos pássaros: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as palavras singelas dos trabalhadores da Misericórdia a baterem-me na cabeça como badalos aflitos: “Vivo numa situação muito complicada, já desliguei o frigorífico porque está vazio. O meu filho vai para a escola sem um cêntimo no bolso porque não tenho dinheiro para lhe dar.”

 

E eu a tentar concentrar-me na musiquinha suave dos riachos e das fontes e a tentar assobiar: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… na companhia das aves. E a realidade da vida dos meus conterrâneos a dar-me bofetadas geladas: “Passei a Páscoa com 50 cêntimos no bolso.” E os passarinhos lá nas árvores: chriu, chriu, chriu… e as águas dos riachos a sussurrarem limpidez e tranquilidade. E eu a tentar concentrar-me na primavera, no sol, a tentar desviar o pensamento. Mas a ingrata realidade a dar-me murros no estômago, a dar-me a provar o fel do desespero: “As pessoas começaram a ouvir falar de crise agora, nós já estamos a vivê-la há muito tempo…”

 

E os pássaros: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E a realidade: “Somos nós que estamos a segurar a Santa Casa, nunca abandonámos o serviço.” E eu a tentar assobiar como os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E os passarinhos a assobiar como os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas tranquilas dos riachos a correrem para o Tâmega. E a realidade pura e dura a dar-me bofetadas: “Há pessoas que não têm dinheiro para vir trabalhar, nem para comer e sobrevivem graças à ajuda familiar.”

 

E os pássaros: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E o senhor Provedor, militante ativo do PSD local e com responsabilidades políticas evidentes na maioria que governa a nossa autarquia, a assobiar para o lado, afirmando que compreende a indignação dos funcionários. E o Governo a dizer que disponibiliza as verbas mas a não transferir o dinheiro. E os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E eu: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas tranquilas dos riachos a correrem encosta abaixo pelo meio das ervas e das fragas.

 

E o senhor Provedor, que apenas por mero acaso é um militante destacado do PSD flaviense, a mostrar-se impotente para resolver a situação e a visitar as bruxas de Montalegre em noite de forte chuvada. E Deus a desconfiar da santidade da Santa Casa. E eu: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correrem tranquilamente para o vale. E o senhor presidente da Câmara a sorrir já não sabendo bem para quê, nem porquê. E o seu vice, que veio para os jornais afirmar-se como o provedor dos velhinhos, das mulheres desprotegidas e das crianças desvalidas, em parte incerta.

 

E João Batista a receber do sindicato dos trabalhadores a moção de protesto e a debater-se com a sua impotência operacional, com a insensibilidade dos “seus” governantes, com este pingue-pongue absurdo entre as culpas e a irresponsabilidade de uns e a inoperância de outros. E o João Batista a atrair a si os dossiês difíceis para libertar o seu vice para a campanha. E o António a dar de “frosques” enquanto os nossos munícipes passam as passas do Algarve.

 

E de repente os passarinhos levantam voo e vão chilrear para outras bandas. E eu sento-me num banco de um velho jardim destruído e tento lembrar-me da parte de uma peça qualquer de Bach. Eu gosto muito de Bach. Mas tenho dificuldade em apanhar assim de repente o seu cravo bem temperado. Ao longe observo os manifestantes a rumarem cabisbaixos a suas casas para provarem o sabor de amêndoa amarga das promessas de atenção dos nossos autarcas na sua infeliz Páscoa.

 

Entretanto abro um jornal da terra e dou de caras com o vice de João Batista. Afinal quem se quer bem sempre se encontra. Eu pelo menos encontro-o desde há uns meses a esta parte sempre nas páginas dos jornais tentando pôr-se em bicos de pés para dar nas vistas. Sempre em bicos de pés.

 

Numa página par do jornal, a subalterna em termos de importância de informação e publicidade, vem a notícia de que “a indefinição da posição da autarquia quanto ao GD Chaves levou a Comissão Administrativa do Desportivo a entender que não tinha condições para apresentar a candidatura que a levasse a assumir um mandato como Direção”. Concluo que a tal Comissão se fartou das belas palavras de João Batista, do seu sorriso militante e das inúmeras promessas por cumprir por parte da Câmara relativas a subsídios de atividades desportivas e a infraestruturas prometidas e nunca realizadas.

 

Leio depois que a Câmara de Chaves emitiu um comunicado reagindo às críticas da citada Comissão. Independentemente da letra do documento, que é uma afirmação de serôdios princípios, não vem assinado por ninguém. Ou seja, a posição é de toda a Câmara. Desta vez nem João Batista se mostrou disponível para arcar com toda a responsabilidade para cima das suas costas. E, estou em crer, o seu vice também fugiu dela com muita subtileza. Uma coisa é dizer-se que se faz. Outra é fazer. E o António é muito bom na primeira premissa, mas é péssimo na segunda.

 

No final, a tal CMC, não sabemos bem em nome de quem, diz que “não cede a pressões.” Deixem-me rir. Ai não que não cede. Não tem feito outra coisa desde que tomou posse. Sempre cedeu no interesse dos poderosos e no dos seus apaniguados. Só nunca cedeu numa coisa: na insignificância que permanentemente atribuiu aos verdadeiros interesses das nossas populações, nomeadamente na qualidade da educação, na defesa dos cuidados de saúde de todos os flavienses, na defesa da nossa agricultura e na defesa da cultura enquanto motor impulsionador de desenvolvimento. Relativamente à cultura sempre a tratou como um bem descartável, subsidiário, como um reclame luminoso que se põe numa montra para enganar pacóvios.

 

Na tal página ímpar, a guardada para as notícias mais importantes, aparece António Cabeleira e João Neves em distintas fotografias a distribuir medalhas a crianças que participaram num torneio de escassa importância, com o pomposo nome de “Torneio Pavão”. A notícia são meia dúzia de linhas. No entanto fotos são nove. E em duas delas aparece, e passo a citar: “António Cabeleira, vereador da CMC…” Desta vez o nosso estimado vice aparece a sorrir. Timidamente é certo, mas a sorrir. Para o semanário regional o António deixou cair o posto de vice para assumir o de simples vereador. Mas lá sobrevém sempre em bicos de pés, para se fazer notar.

 

Talvez porque lhe pese a consciência saber da situação dos flavienses que trabalham há meio ano sem receber um tostão e de nada ter feito para desbloquear a situação. Então a política apenas serve para entregar medalhas às crianças e dizer que vai fazer isto e aquilo para apoiar os idosos, as mulheres violentadas e as crianças desvalidas? E lá está o António a dançar o malhão em pontas para dar nas vistas.

 

Por cima de mim voavam novamente os pássaros a chilrear chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correr tranquilamente para o vale. E eu a arrepiar-me. E as palavras a baterem-me forte: “Assim não pode ser, trabalhar sem receber.” E eu a tentar de novo pensar na melopeia dos riachos, nos chilreios dos pássaros: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as palavras singelas dos trabalhadores da Misericórdia a reverberarem na minha cabeça: “Vivo numa situação muito complicada, já desliguei o frigorífico porque está vazio. O meu filho vai para a escola sem um cêntimo no bolso porque não tenho dinheiro para lhe dar.” E os pássaros a chilrear chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correrem tranquilamente para o vale. E o António Cabeleira e o João Neves a distribuir medalhas às crianças para aparecerem na fotografia e a realidade a bater-me forte: “Passei a Páscoa com 50 cêntimos no bolso.” E os passarinhos lá nas árvores: chriu, chriu, chriu… E as águas dos riachos a sussurrarem limpidez e tranquilidade. E o António Cabeleira e o João Neves a distribuir medalhas às crianças para aparecerem na fotografia e a realidade a bater-me ainda mais forte: Há pessoas que não têm dinheiro para vir trabalhar, nem para comer e sobrevivem graças à ajuda familiar.” E eu: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correrem tranquilamente para o vale. E o António Cabeleira e o João Neves a distribuir medalhas às crianças para aparecerem na fotografia e a realidade a bater-me ainda forte: “As pessoas começaram a ouvir falar de crise agora, nós já estamos a vivê-la há muito tempo…” E os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correrem tranquilamente para o vale. E o António Cabeleira e o João Neves a distribuir medalhas às crianças para aparecerem na fotografia e a realidade a bater-me ainda mais forte: trabalhar sem receber… chriu, chriu, chriu… frigorífico vazio… chriu, chriu, chriu… sem um cêntimo no bolso… chriu, chriu, chriu… passei a Páscoa com 50 cêntimos no bolso… chriu, chriu, chriu… sem dinheiro para vir trabalhar, nem para comer… chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu…

 

E na página 24 e 25 do jornal uma enorme entrevista de António Cabeleira com o título de uma sua resposta: “Neste período de crise que estamos a viver pretendemos que o número de clubes mantenha a sua atividade…” E a puta da realidade a bater cada vez mais forte: “As pessoas começaram a ouvir falar de crise agora, nós já estamos a vivê-la há muito tempo…” E os passarinhos: chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E as águas dos ribeiros a correr tranquilamente para o vale. E o António Cabeleira: “Neste período de crise que estamos a viver pretendemos que o número de clubes mantenham a sua atividade…”  E a realidade dos trabalhadores a malhar forte: trabalhar sem receber… chriu, chriu, chriu… frigorífico vazio… chriu, chriu, chriu… sem um cêntimo no bolso… chriu, chriu, chriu… passei a Páscoa com 50 cêntimos no bolso… chriu, chriu, chriu… sem dinheiro para vir trabalhar, nem para comer… chriu, chriu, chriu… chriu, chriu, chriu… E o António Cabeleira: “Neste período de crise que estamos a viver pretendemos que o número de clubes mantenha a sua atividade…”  

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