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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

11
Abr12

O Poema Infinito (95): para sempre

João Madureira

 

Para sempre ficarás na minha boca e eu ficarei louco por ter entrado em contacto contigo e por ter fumado a tua respiração e ouvido os teus murmúrios e escutado os teus sussurros e inspirado as tuas ondulações e expirado o teu prazer. Volta o odor a folhas verdes, o céu e o seu azul, o cheiro a feno, o som das palavras que a tua voz atira para os remoinhos do vento. E os beijos crescem nas nossas bocas como pássaros loucos e abraço-me à volta do teu corpo. As árvores jogam o jogo da luz e das sombras e os seus flexíveis ramos balançam transmitindo a sensação de efervescência às colinas. O sexo sempre. Sempre o sexo. E o seu ímpeto procriador e o seu pormenorizado mistério e a sua firme eletricidade afetuosa e a sua invisível adequação. Creio em ti com a cabeça inclinada de rimas e com toda a música solta pelas células e abraço-te novamente sabendo que todo o excesso é um conflito e que toda a vontade é uma promessa insatisfeita. Mergulho a minha língua na tua língua e espero. Mergulho o meu sexo no teu sexo. E espero. E desespero. E espero. As ervas crescem dentro do seu verde totalitário. Eu sou de novo o filho de uma vontade inocente. Creio em ti, na tua alma humana. Finos e perfumados tecidos de desejo transpiram no regaço das mães. Das nossas bocas nascem agora raízes prematuras em busca do tempo que nos dizem perdido. E o que aconteceu à memória? E o que dela nasceu? Todo o mundo é o complemento do sorriso e da dor. Toda a vida é uma semente atómica. Agora creio nos desígnios alados dos bosques, na louca corrida da luz, na densa exaltação da simplicidade. Creio no desígnio dos lugares, nas velhas leis da modernidade, na vulgaridade da cultura erudita, na larga, na larguíssima recompensa da escrita, na redenção da leitura. E desejo o desejo das mãos que embalam rios e desejo que tudo seja de novo batizado e convertido à fé imensa da liberdade. Sei que dormes em mim e que me fazes arder de desejo como um archote sábio. Em mim dorme o tempo e o efeito da matéria e toda a música do vento e todo o júbilo dos vencidos e toda a sensatez dos loucos e todo o espírito triunfador dos falhados e toda a vontade dos desistentes e toda a heroicidade dos cobardes e todo o enigma da verdade. Esta é a hora das minhas inconfidências, por isso sofro o desalento das chuvas, por isso venero a indiferença da matéria e o desígnio dos deuses apócrifos. Abraço-te mais uma vez com o crescente desespero da noite que se afunda na luz das estrelas. Tento entrar no silêncio dos teus olhos que brilham por dentro. Fundo-me contigo enquanto um deus desesperado pensa na bondade da lei de uma imortalidade fatal. Agora sou eu quem recusa o vício da descoberta. No infinito, a palavra fé aceita a realidade da vida e da morte. Para sempre ficarás na minha boca e eu ficarei louco por ter entrado em ti. Dizes: cada migalha de amor é um milagre. Depois contemplamos o amanhecer. 

09
Abr12

Da expetativa ao imobilismo (X): o sorriso da impotência

João Madureira

 

E lá aparece de novo João Batista nas capas dos jornais da região com a sua imagem de marca: o seu sorriso, que à força de tanto o usar já não sabemos se aquilo é a sério ou a brincar. Pelos vistos, e pelo abuso, é muito provável que seja sobretudo para fingir. Ou então, o que é muito mais grave, significa o sorriso da impotência política perante os factos. No entanto fica registado que JB apareceu a dar a notícia do encerramento de mais serviços na nossa cidade com um sorriso tão rasgado que até pensámos que era uma notícia favorável para a região. Mas não.

 

Isto agora de más notícias é sempre a seguir. Umas a seguir às outras. E o que ainda virá por aí de encerramentos e extinções. E o homem da propaganda do governo, que dá pelo nome de Relvas, lá está para o confirmar com outro riso nos lábios. Parece que pegou moda. Agora as más notícias dão-se com um sorriso no rosto. Antigamente chamavam-lhe a isso impudência, cinismo, desvergonha, hipocrisia, sadismo. Nos tempos que correm é a imagem de marca do PSD nacional, autonómico e regional. O país que se cuide, as hienas andam à solta.

 

João Batista, com a sua teimosia simpática e com a sua simpatia teimosa, lá nos vem explicar o inexplicável. Vem-nos dizer que a morte, nas urgências, de uma senhora de 79 anos põe em causa o atual modelo de prestação de cuidados de saúde. Com estas palavras, os flavienses ficam a saber que o seu presidente da Câmara, perante a adversidade e a desgraça, senta-se numa cadeira, convoca os meios de comunicação social e lá começa o seu rosário de queixas, queixumes e queixetas. Dá-nos música, de protesto, é certo, mas música. E lembra-nos que já havia dito isso anteriormente. E de que lhe valeu? De nada. Um enorme e rotundo nada.

 

Os encerramentos continuam a suceder-se no nosso concelho e a um ritmo preocupante. É o tribunal, é o hospital, é a fusão das escolas e dos agrupamentos, é a extinção das freguesias. A este ritmo, qualquer dia levam-nos as Caldas e o senhor presidente lá resolve convocar mais uma conferência de imprensa para, com o seu sorriso impotente, nos comunicar que os seus companheiros de partido lá da capital do país e os seus homólogos da capital do distrito nos surripiaram a nossa galinha dos ovos de ouro.

 

Está visto que um presidente deste tipo nos torna fracos. É a tal história do rei fraco que torna fraca a forte gente.

 

João Batista considera que o esvaziamento de serviços do nosso hospital prejudica duplamente os cidadãos de Chaves. Sim. E depois? Depois queixa-se que os de Lisboa são muito maus e que os de Vila Real lhe seguem as pisadas. Queixa-se e sorri. Sorri e queixa-se. E diz, que tal como havia dito, afinal isto ia dar para o torto. E lamenta-se. E sorri. E queixa-se: “Lamentavelmente veio a acontecer” uma desgraça. Uma senhora morreu. Ele já tinha avisado. Já se tinha queixado. Já tinha sorrido e dito que isto ia acontecer. Já tinha posto nas capas dos jornais os seus queixumes e plasmado seu sorriso impotente.

 

Mas, desculpe que lhe diga senhor presidente, não foi para isso que os flavienses votaram em si. Os munícipes votaram em si para agir, não para falar, não para reagir com palavrinhas mansas. Elegeram-no para os representar, elegeram-no para os governar, para os liderar, para os defender. E não se defendem pessoas com queixinhas. A queixa é a arma dos impotentes, dos que desistiram de acreditar e de lutar pelos seus direitos inalienáveis, como o direito à Saúde. 

 

O senhor presidente da Câmara de Chaves faz lembrar aqueles rapazes sem jeitinho nenhum para jogar à bola e que ninguém escolhe para a sua equipa, que quando se sente rejeitado, corre a casa a queixar-se à mãe que, também aflita, corre à loja de brinquedos e lhe compra uma bola nova das mais caras. Ele, pensando que tem o problema resolvido, corre até ao campo e pede para jogar em troca do empréstimo da bola nova e brilhante como a que se vê a rolar nos relvados dos estádios nacionais. Só que como não é a propriedade da bola a que define a qualidade do jogador, a sua equipa perde e lá vai ele para casa triste e abandonado. No dia seguinte a história repete-se: ninguém o quer na sua equipa.

 

E lá volta a história do costume. Ele oferece a bola em troca de ser escolhido para uma equipa. Mas ninguém o quer, nem com bola, nem sem bola. Quem joga a bola gosta de ganhar, mesmo que seja num jogo amigável. E todos sabem que com aquele jogador o esforço da vitória custa o dobro ou o triplo. Por isso ninguém o quer e abandonam-no, mais à sua bola, e vão para outro campo jogar com a bola velha e rota. Preferem uma má bola a um jogador mau.

 

Ora isto é na brincadeira, imaginem agora o que é ter à frente dos destinos da nossa cidade um presidente que não consegue inverter o sentido do caminho desesperante dos encerramentos sucessivos de serviços que acontecem em Chaves. Queixar-se aos munícipes não é solução, não resolve nada, não altera coisa nenhuma. Confissões públicas soam a impotência. Ele diz que a responsabilidade do falecimento da nossa conterrânea tem de ser apurada. Que vai haver inquéritos.

 

Pois é, inquéritos. Todos nós sabemos para o que servem os inquéritos no nosso país. Servem para serem deitados ao lixo. E a morte é uma situação irremediável. No entanto o nosso presidente queixa-se aos jornais e sorri. Fala de igualdade de direitos, de repensar e ponderar a reabertura dos serviços e sorri. Fala e nada diz. Sorri. Não age. Reage, queixa-se e sorri.

 

Mas o que já todos sabemos é que mais serviços vão encerrar, mais valências vão ser desativadas, mais dinheiro vai ser poupado nos serviços de saúde, justiça e educação para ser injetado nos bancos e para pagar os juros astronómicos à troika. É para o que serve o nosso Governo e, pelos vistos, a nossa Câmara, pois para pagar e calar. Para engordar as contas chorudas dos especuladores financeiros. O povo que se lixe. O povo que morra nas urgências, enquanto os políticos tentam definir onde uma pessoa com um ataque cardíaco deve ir morrer, se em Chaves a andar de ambulância ou em Vila Real às portas do hospital.

 

O senhor ministro da Saúde, colocado perante os graves acontecimentos, diz que vai apurar responsabilidades. Por seu lado, o nosso presidente da Câmara convoca os jornais e diz que vai fazer diligências. Diz que vai sentar-se em frente de algum funcionário menor de um ministério qualquer e queixar-se, lamentar-se e pedir desculpa por ser chato, mas tem de se queixar, pois é o que sabe fazer e o partido não o autoriza a mais. Reivindicar fica para mais tarde. A reivindicação não está posta de lado, diz ele, mas há que esperar. Esperar por quê e para quê? Pois para nada. O Governo manda, o partido assume e a Câmara aguarda. E aguarda sentada, que é ao que nos habituou.

 

O tribunal fecha, o senhor presidente sorri e queixa-se aos jornais, para lembrar que existe e que se queixa.

 

O Gabinete de Medicina Legal de Chaves encerra, e o senhor presidente convoca os órgãos de comunicação, sorri e queixa-se aos jornais, para lembrar que existe e que se queixa. Sim, está provado, os flavienses têm à frente do município um homem que se queixa, sorri, lamenta-se, sorri e torna a queixar-se.

 

As escolas fecham e os agrupamentos de escolas também, o senhor presidente sorri e queixa-se aos jornais, para lembrar que existe e que se queixa. Sim, está provado, os flavienses têm à frente do município um homem que se queixa, sorri, lamenta-se, sorri e torna a queixar-se. Fala e nada diz. Sorri.

 

Vinte e cinco juntas de freguesia vão ser extintas, o senhor presidente sorri e queixa-se aos jornais, para lembrar que existe e que se queixa. Sim, está provado, os flavienses têm à frente do município um homem que se queixa, sorri, lamenta-se, sorri e torna a queixar-se. Fala e nada diz. Sorri. Não age.

 

Pagamos no troço de autoestrada que nos serve as mais caras portagens a nível nacional, o senhor presidente sorri e queixa-se aos jornais, para lembrar que existe e que se queixa. Sim, está provado, os flavienses têm à frente do município um homem que se queixa, sorri, lamenta-se, sorri e torna a queixar-se. Fala e nada diz. Sorri. Não age. Reage, queixa-se e sorri.

 

E António Cabeleira, por onde anda o vice camarário de JB e putativo candidato do PSD à autarquia flaviense. Pois anda escondido. Quando as coisas aquecem o homem some-se. Ele apenas fala dos projetos, das obras, do faz de conta. O desistente João Batista tem agora o ónus das más notícias. Dando como certo que os flavienses ligarão as más notícias ao mensageiro que as dá. Mas talvez se enganem.

 

O Presidente e o seu vice agem como o polícia bom e o polícia mau nos interrogatórios. Ao João Batista toca-lhe vir para os jornais queixar-se, lamentar-se e desistir. E o António calado que nem um rato fica encafuado na cadeira do seu gabinete. A ver se ninguém dá por ele, se ninguém o questiona, se ninguém lhe pede uma palavra, uma tomada de posição. Afinal ele é que é o presidente do PSD em Chaves. E o António, calado que nem um rato, escondido atrás dos ofícios, das canetas, dos lápis e do candeeiro da secretária, pede a Deus que a borrasca passe. Só que a borrasca teima em não passar. A borrasca ainda está no início. Só que ele não a quer ver, não a quer ouvir. E ele lá continua escondido no seu gabinete, com o ouvido atento às queixas do seu presidente.

 

E lá me volta à ideia a frase antiga e cheia de simbolismo: um rei fraco faz fraca a forte gente. Raios partam a sorte. Esta impotência tem de acabar. Os flavienses não podem desistir. O senhor presidente da Câmara pode desistir, o seu vice pode desistir, os vereadores podem também desistir de lutar, de trabalhar, de reivindicar, de defender o bem-estar da nossa população. O PSD pode desistir, ou meter a cabeça na areia como a avestruz. Todos eles podem desistir da razão que nos assiste. Mas quem não pode desistir são os flavienses.

 

Todos sabemos, as nossas gentes não desistem quando são colocados perante as adversidades.

 

Perante a adversidade ganhamos coragem, ganhamos ânimo, força e razão. Contra a razão da força do Governo central, temos de contrapor a força da razão. E dos cobardes não reza a História. 

06
Abr12

O Homem Sem Memória - 109

João Madureira

 

109 – O pai do Fernando, já bem feitinho, mal chegou à porta de entrada e deu de caras com o José, perguntou-lhe: “O que te traz cá por casa, José? Já te zangaste com os teus amigos democratas-cristãos.”


“Olhe senhor Carvalho, não encontrei nenhum. E fartei-me de procurar”, admitiu o José. “Por isso vim jogar xadrez com o Fernando.” “Jogar xadrez com revolução na rua e a liberdade a passar por aqui? Deves estar é louco!”, disse o senhor Carvalho enquanto se ria ainda com mais prazer. Entretanto começou a assobiar a Internacional.


“Que música é essa, senhor Carvalho?”, perguntou o José a fazer-se de curioso. Ao que o senhor Carvalho respondeu com dois sorrisos, um nos lábios e outro nos olhos: “É o hino dos socialistas.” “Dos socialistas?”, surpreendeu-se o José. “Sim, dos socialistas. E até dos comunistas e dos anarquistas. É o hino de todos os revolucionários”, respondeu entusiasmado o pai do Fernando. “Então o hino dos comunistas não é A Verdade?”, perguntou de novo o José. Ao que o senhor Carvalho respondeu: “Sim e não. É verdade que A Verdade é o hino dos comunistas, mas unicamente dos portugueses. Já a Internacional é o hino de todos os revolucionários do mundo. Durante muito tempo foi até o hino da União Soviética. Por isso é que os comunistas se dizem seus proprietários, mas quem escreveu os versos que lhe dão corpo foi o anarquista francês Eugène Pottier, que havia sido um dos membros da Comuna de Paris. Em 1888, Pierre De Geyter transformou o poema em música. Contudo, na versão do PS, Mário Soares alterou alguns versos, e assim a letra é diferente entre as versões de A Internacional dos comunistas e a do PS. Mas mesmo sendo eu socialista, aprecio mais os versos da versão comunista. Ó Fernando pega aí na viola e toca a Internacional. Ó mulher vem aqui para ao pé de nós cantar A Internacional. Ó Abel, junta-te a nós e vem cantar A Internacional. Ó Angelina, vem daí cantar A Internacional connosco. Ó Celestino, chega-te para cá e vem cantar A Internacional…”


Mas o filho emigrante do senhor Carvalho perguntou antes de se juntar ao coro: “Qual versão, pai?” “Ora a versão original, a de Eugène Pottier”, informou o pai. Ao que o filho respondeu, meio a sério, meio a brincar: “A versão soviética não canto. Para mim a que vale é a de Mário Soares.” E começou a trautear: “Nem capital nem ditaduras, nem monopólios nem torturas, a vitória é de uma vontade, socialismo em liberdade…”


Então do outro lado da mesa, o coro começou a entoar A Internacional com tanto esmero que a todos, menos ao Celestino, pôs pele de galinha: De pé, ó vítimas da fome / De pé, famélicos da terra / Da ideia a chama já consome / A crosta bruta que a soterra… etc. e Bem unidos façamos / Nesta luta final / Uma terra sem amos / A Internacional.


Quando terminaram de cantar a cantiga mais em voga nos comícios dos diversos partidos marxistas e afins, ouviram debaixo dos seus pés o forte matraquear do cabo da vassoura do ex-bufo que, no andar de baixo, se indignava com o hino do partido que aprendeu a odiar como se fosse o domicílio de uma matilha de assassinos e ladrões.


Mas os revolucionários do andar superior não se deixaram intimidar pelas pancadas, pois o fascismo tinha morrido a 25 de Abril, e entoaram novamente A Internacional como se estivessem a marchar na Praça Vermelha caras ao inimigo, caras ao Palácio de Inverno, preparando-se para enfrentar a neve gelada e as hostes reacionárias do czar e dos seus lacaios: Cortai o mal bem pelo fundo / De pé, de pé, não mais senhores / Se nada somos neste mundo / Sejamos tudo, ó produtores…


Pelo meio da investida canora, o Celestino tentou ainda apaziguar os ânimos: “Deixem lá o homem em paz e sossego. A democracia é tolerância. De que vos adianta provocar o engraxador? Não será ele também uma vítima da fome?”


Mas o coro revolucionário nem sequer escutou o aviso e entoou ainda mais alto o refrão: Bem unidos façamos / Nesta luta final / Uma terra sem amos / A Internacional.


Vendo que o ânimo do seu dono estava à beira da catástrofe, o cão do engraxador, a expensas próprias, resolveu subir as escadas com a nítida intenção de vir ladrar e, provavelmente, ferrar aquela horda de mafarricos que punham a alma do seu proprietário no inferno. Só que a meio do caminho foi intercetado pelo cão da família Carvalho que, apesar de mais calmo e um pouco mais pequeno, não era cachorro para se deixar intimidar pela pretensa valentia do cão do ex-bufo. Ainda A Internacional ia a meio e já o cão do engraxador tinha metido o rabo entre as pernas e descido as escadas a ganir tão alto que até a nós, que não somos muito sensíveis ao sofrimento animal, nos meteu pena.


Enquanto no andar de cima a luta continuava, o engraxador disse para a mulher: “Vou à missa das seis senão hoje ainda faço uma desgraça.” À saída, vendo o seu cão a sangrar, foi-se a ele e encheu-o de porrada. “Deixa o pobre do animal, que não tem culpa nenhuma. Afinal apenas tentou defender-te”, disse-lhe a mulher. Ao que ele respondeu com um ódio supostamente fascista estampado no rosto: “Este cão só tem corpo. Até aquele merdas lá de cima pode com ele. Mais valia tê-lo afogado quando a puta da cadela o pariu.


No primeiro andar a luta tinha acabado com o triunfo das forças progressistas. As forças da reação tinham mais uma vez sido esmagadas com todo o ímpeto, com todo o vigor, com toda a pujança, com todo o ardor. Enfim, com toda a determinação. A Internacional tem destas virtudes, quando é cantada com chama faz sempre triunfar quem a entoa.


Finda a cantilena, a brigada revolucionária teve direito a um repasto condigno: presunto, azeitonas, pão e vinho. Vinho tinto, pois os revolucionários não bebem vinho branco. Especialmente quando é chegada a sagrada hora de manjarem a sua merecida refeição depois da luta.


O Abel, o fiel pioneiro da família, já um dedicado amigo e defensor dos direitos dos animais, foi à varanda e trouxe para dentro o cão. Todos lhe fizeram uma festa. O senhor Carvalho, alegre pela cantilena, e sobretudo entusiasmado pelo tinto, pegou no cão e sentou-o à mesa. O Abel, para não se ficar atrás do pai na homenagem ao valoroso cachorro revolucionário, pegou no seu lenço de pioneiro do Partido, autografado pelo camarada Punhal, que lhe foi oferecido pelo seu irmão mais velho, e colocou-o no pescoço do Retintim vermelho.


No meio da conversa, ao José deu-lhe para desconversar, como era seu timbre e feitio: “Não consigo perceber porque os autores dos versos dos hinos teimam em escrever coisas tais como: A crosta bruta que a soterra; ou, no nosso hino nacional: Dos teus egrégios avós. Deve ser para arreliar. É que além de pouco ou nada quererem significar, ninguém consegue cantar tais versos sem se entaramelar todo.”


“Ó José, porque é que és sempre do contra. A ti nada te serve. Que mania. Questionas sempre tudo”, disse-lhe o Fernando meio a sério, meio a brincar. “Ando a aprender a ser revolucionário. Já que por cá não existem democratas-cristãos e os socialistas não me querem. Só me resta o caminho do comunismo”, respondeu o José.


“Não andes tão depressa senão ainda podes cair. De democrata-cristão a comunista vai uma grande distância. E tu ainda não tens pernas para a caminhada. Deixa-te ficar pelo socialismo. Vai com calma”, avisou-o o pai do Fernando.


“Pois sim, senhor Carvalho. Se faz questão, vou voltar a insistir com os socialistas a ver se me aceitam”, contemporizou o José. 


Enquanto comiam e bebiam, acompanhados à viola pelo Celestino e pelo Fernando, atreveram-se mesmo a cantar muitas e variadas cantigas de intervenção. A que mais caiu no goto do José foi uma do Zeca Afonso onde se dizia: “Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já / Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá / Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-no a andar / De espada à cinta, já crê que é rei d'aquém e além-mar.


Pelo meio tornou a desconversar: “Não percebo nada do que ele quer dizer, mas lá que tem graça tem.” Então quando começaram a cantar: Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie, Tiiiiiiiiiiiiii paraburibaie… Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie, só não mijou nas calças com o riso porque foi rápido à casa de banho.


Quando cá fora fumava um cigarro na companhia do Celestino, lá em baixo na rua passou o Graça que o convidou para acompanhá-lo a uma sessão de esclarecimento dos comunistas. Virando-se para o amigo de fumo, disse-lhe se também queria ir. Ele respondeu-lhe que quanto aos comunistas já estava esclarecido de todo. E concluiu: “Esses a mim já não me enganam.”

04
Abr12

O Poema Infinito (94): a memória das mulheres inclinadas

João Madureira

 

As mulheres inclinadas lavam a roupa na pedra polida do tanque com as mãos enrugadas enquanto os seus seios soltos abanam dentro das blusas pretas. E ensaboam a roupa e gritam para os filhos e choram quando falam e riem quando falam e torcem-se quando torcem a roupa e suspiram e lançam imensas gargalhadas quando lembram os tempos da sua meninice. Mais logo as mulheres porão a roupa a corar enquanto os homens que vêm dos campos atrás dos carros, dos arados e do gado, fumam vagarosos cigarros feitos com as suas mãos grossas cheias de calos da enxada e com os dedos amarelos pelo fumo do tabaco. Nas poças dos caminhos, os girinos de caudas minúsculas perseguem a forma seguinte e no riacho as rãs esverdeadas lançam-se à água perante os gritos da criançada. Mais ao longe, cabras e ovelhas levantam o pó denso dos caminhos e fazem tinir as suas campainhas lembrando que o Natal já passou há muito e que outro virá em breve. E o calor começa a apertar e os patos debicam a lama à procura de alimento. Depois do jantar as mulheres falam muito. É quando falam mais. E os homens acabam de beber o vinho acre com muita lentidão enquanto enrolam mais um cigarro. Os homens calam a sua atenção. Baixam os olhos e calam a sua má sorte. E perseguem as suas mulheres com olhares ternos e disfarçados. E envolvem-nas com a intenção do desejo. E elas riem mesmo de costas voltadas. E bebem uma lágrima de licor. E voltam a rir, agora para os filhos que adormeceram no escano encostados uns aos outros. E outras mulheres, sentadas à porta de suas casas, envelhecem mais um pouco dentro dos seus escuros vestidos e por baixo dos seus lenços atados atrás da cabeça. E olham para longe, para muito longe, para onde não está ninguém, para onde começam a cintilar as estrelas que lhe fazem companhia nas noites de insónia enquanto os seus maridos tossem e ressonam e curam mais uma bebedeira azeda e rancorosa. E nos seus rostos sulcados por regos de assombro, as lágrimas escondidas começam a rolar como chuva ácida. E adivinham medos. E monologam abrindo ligeiramente as bocas desdentadas e lamentam-se e suspiram. E lembram-se sempre dos crisântemos de novembro. Sempre dos crisântemos de novembro que lhes cheiram a dor e a morte. Nas cortes por vezes tilintam os guizos das cabras e das vacas. As aves imobilizam-se nas árvores. Os corpos cansados procuram outros corpos cansados para se amarem dentro das suas possibilidades animais. Dentro do seu cio suspenso pela oportunidade. E os dedos de pele dura encontram pele mais mole. E os lábios acendem-se de calor e os sexos desejam-se e lutam. Depois do cruzamento, os casais falam baixinho, como quem reza a oração mais bonita do mundo. Por fim, os filhos de uma divindade que os atemoriza adormecem para mais um dia de trabalho. A mulher sonha com borboletas filiformes que sobrevoam os frescos regatos da sua infância. Os homens sonham com os torrões frescos da terra lavrada pelo pai enquanto sorri para o ruço. Noite dentro, nas gretas das pedras dormem os lagartos fascinados pelo frio. A paisagem fragmenta-se em cintilações de luar. O silêncio adquire a espessura do mistério da vida. Mais ao longe o moinho continua a moer o centeio na sua velocidade de água. Depois ladra o último cão e a aldeia adormece definitivamente. Não, não tenho medo de morrer aqui. Tenho é medo da memória.  

02
Abr12

Da expetativa ao imobilismo (IX): insensibilidade e mau senso

João Madureira

 

Eu começo logo o dia da pior maneira possível: lendo as capas dos jornais na banca do SAPO. E não há dia em que o Correio da Manhã não ressuscite uma velha notícia onde o engenheiro Sócrates não apareça referenciado. De facto parece que o bombo da festa de Vilar de Maçada tem o condão de tudo explicar, tudo justificar e tudo desculpabilizar a este novo Governo e a esta nova maioria.

 

É o desporto do momento: o tiro ao alvo chamado Sócrates. Falam da enorme dívida. Mas manda a verdade que se diga que a oposição da altura nunca exigiu menos investimento na educação, na saúde, na economia, na cultura, nas reformas ou nas autarquias. A maioria das vezes até dizia que o dinheiro era pouco.

 

Atualmente o nome do ex-primeiro-ministro é o íman que atrai todos os males do país, toda a sujidade, toda a adversidade. Sócrates explica tudo. Depois da desgraça da manhã, aí por volta das treze horas, outra começa quando se assiste ao telejornal. Desgraça que se prolonga para a edição da noite nos vários canais generalistas, nomeadamente a RTP, que aqui cito porque é paga com o dinheiro dos nossos impostos e por isso tem a obrigação de prestar serviço público de qualidade. Mas é o prestas. Ali as notícias preferenciais são os homicídios, acidentes e assaltos. Então se incluir mortos o espetáculo está servido.

 

Isto acontece durante a semana. Ao sábado o desperdício é ainda maior, pois compro vários jornais e revistas que servem, sobretudo, para aumentar a minha angústia existencial, como se ela não fosse já enorme. Por isso tento sorrir por cima da desgraça.

 

No Expresso vem a notícia de que são preciosos três juízes para julgar um roubo de um euro e sessenta cêntimos. Ainda na capa do mesmo semanário, Álvaro Santos Pereira pergunta: “Se eu fosse um ministro fraco, incomodaria tanto?”. Ora isto nem sequer é patético. É, sobretudo, anedótico.

 

Fico ainda a saber que o inenarrável Santana Lopes, sentado ao piano, “rejeita Lisboa mas está à espreita de Belém”, por isso já anunciou que vai escrever um livro sobre as eleições presidenciais. Para que não haja surpresas de última hora, o homem que já foi tudo dentro do PSD, diz-se admirador de… Mário Soares. Mas passo a citar, por causa das dúvidas: “A minha inspiração é o dr. Mário Soares.” Tento sorrir, mas como não tenho espelho por perto, não sei como é que me sai a tentativa.

 

Parece que quando o correram do Governo, foi aprender piano. Dizem na minha terra que burro velho não aprende línguas, mas pelos vistos pode aprender a tocar piano. Tento sorrir de novo, mas não sei como me sai esta segunda tentativa, pela mesma razão apresentada anteriormente. Concluo que tenho de rir para não chorar.

 

Já cansado do esforço, viro-me para os jornais regionais, mas ó desgraça das desgraças, desta vez nem uma única notícia trazem sobre a câmara de Chaves. Parece que os seus principais líderes se esgotaram por dentro da propaganda manca e atabalhoada das últimas semanas. Mas não é por causa disso que os estimados leitores ficarão em branco acerca do município e da sua atividade frenética. Era o que mais faltava. Por isso peguei em dois ou três jornais das semanas anteriores e fui respigar mais algumas notícias, ou pseudonotícias, relacionados com o nosso querido e estimado município. E fez-se logo luz.

 

Leio que a câmara flaviense substituiu cerca de 70 candeeiros no Centro Histórico. Parece que tiveram o condão de não agradarem nem a gregos nem a troianos, mas também a quem é que isso interessa. À Câmara desde logo que não.

 

O presidente da Câmara, posto perante o problema, explicou que se “aproveitou para substituir os candeeiros na totalidade porque economicamente é extremamente favorável à Câmara”, por causa dos subsídios. Parece que o regabofe continua. Gasta-se dinheiro para substituir uns candeeiros em muito bom estado por uns novos apenas porque há subsídios. E quem dá os subsídios? É a história da pescadinha de rabo na boca.

 

O dinheiro para estes projetos, com ou sem subsídios, vem sempre de algum lado, alguém paga a fatura. Ora adivinhem lá quem é? Por isso é que nos cortaram nos ordenados, nos subsídios de férias e de Natal, nos aumentaram os impostos diretos e indiretos, o IVA, a água, a luz, o pão, a carne, o peixe, o leite, a fruta, a eletricidade, a gasolina, etc. No entanto as autarquias portuguesas decidem continuar a deitar dinheiro à rua, continuam a gastar como ricos, quando estamos na penúria.

 

É a mesma coisa que quando queremos substituir uma lâmpada de um candeeiro lá de casa, mesmo que das económicas, e em vez de comprar apenas a lâmpada, compramos também o candeeiro com a desculpa de que temos desconto em cartão se o adquirirmos porque está em promoção. Mas se apenas necessitamos de uma lâmpada por que razão compramos o candeeiro? É apenas uma questão de economia. São os pequenos gestos que definem as grandes decisões.

 

E querem ver como estas coisas estão sempre ligadas umas com as outras. Leio também nos jornais que a dívida total da Câmara Municipal de Chaves, em 2010, era de 45 milhões de euros. Uma pipa de massa. Ou seja, o nosso município está atolado em dívidas. E a gastar dinheiro desta forma, caminha a passos largos para a insolvência. Além disso tem-se mostrado incapaz de executar receita cobrada que a aproxime do previsto no orçamento.

 

Segundo João Batista, estes enormes e preocupantes valores da dívida resultam de um forte investimento em obras no concelho onde se “deu prioridade às obras comparticipadas no sentido de aproveitar os fundos que estavam disponíveis, o que exigiu da autarquia um avolumado investimento”.

 

Pois é, vai-se atrás das obras comparticipadas e acabamos todos ainda pior do que estávamos, mais endividados e com os espaços intervencionados com qualidade inferior ao que eram. Para isso o melhor era terem ficados quietos. Para que raio gastaram rios de dinheiro a destruir o Jardim das Freiras e o Jardim Público, se esses espaços públicos ficaram pior? Porque levantaram o empedrado a Rua de Santo António para ficar substancialmente na mesma? Porque compraram aquelas feiíssimas cestas de plástico que resolveram despejar em cima dos passeios da mesma rua? Pois porque não sabem o que fazem. Não sabem o que fazem nem sabem o que dizem.

 

Senão vejamos. O senhor presidente da autarquia flaviense diz na mesma notícia, com o seu sorriso característico, que a dívida em 2011 até desceu cerca de 5 milhões de euros. E diz ainda mais, “que a realidade atual é diferente”. Mas com a dívida a cair, paradoxalmente, a Câmara por si gerida, para encontrar disponibilidade financeira, vai vender os ativos que detém na empresa Empreendimentos Hidroelétricos do Alto Tâmega. Então agora que começa a baixar a dívida é que vai vender os anéis.

 

João Batista justifica-se com esta operação “por ser, do ponto de vista económico, a melhor opção”, pois permite não parar as obras em curso. Ora aí é que bate o ponto. Vende a joia da coroa, a HEATB, para preparar as eleições para o António Cabeleira. Ou seja, a propaganda eleitoral do vice camarário vai custar aos munícipes flavienses a alienação dos pouquíssimos ativos que davam dinheiro à autarquia. Com a desculpa das obras, das tais obras que não adiantam rigorosamente nada para o nosso futuro, vão gastar 7 milhões de euros para encher ainda mais a cidade de betão armado e alumínio.

 

O senhor presidente refere que a outra opção seria o recurso à banca. Só que com os níveis de endividamento da autarquia flaviense não existe nenhum banco no mercado que lhe empreste dinheiro a juros comportáveis.

 

A mim ninguém me tira da cabeça que as obras que a Câmara vai executar até às eleições autárquicas são única e exclusivamente de fachada. O problema é que a campanha autárquica de António Cabeleira não vale tanto dinheiro, tanto sacrifício, tanto equívoco.

 

Os flavienses têm que começar a indignar-se. Campanhas políticas pagas com o dinheiro de todos nós são um atentado à democracia, ao bom senso e à liberdade. A cidadania tem de dar uma resposta adequada aos protagonistas de mais esta monumental asneira.

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