Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

11
Mai12

O Homem Sem Memória - 114

João Madureira

 

114 – O José saiu dos Pintassilgos com os olhos a brilhar. Era o que mais tarde denominou como o Efeito Alberto Punhal, que era do tipo Efeito Borboleta, pois aquele bater de asas demagógico e alucinatório iria provocar o tufão que pôs a sua vida num caos.


Entendamo-nos, o camarada de Cristal tinha fama de santo, coisa que não era; tinha fama de filho, mesmo que adotivo, da classe operária, coisa que não era; tinha fama de visionário, coisa que não era mas gostava de ter sido; tinha fama de democrata, coisa que definitivamente não era; tinha fama de tolerante, coisa que não era nem nunca seria; tinha fama de intelectual culto e liberal, coisa que não era mas gostaria de ter sido; tinha fama de comunista, coisa que efetivamente era até às últimas consequências. Mas, bem vistas as coisas, os ditadores atraem sempre as criaturas mais dinâmicas e as mais voluntariosas. E não as atraem por causa da verdade, que eles transformam em ficção, mas sim por causa da ficção, que eles metamorfoseiam em verdade.


Dizem por aí que os ditadores atraem as pessoas por causa do carisma, pelo poder de persuasão, pela chama. Pelo que agora sabemos, isso acontece por causa do sentido de posse, do domínio, da busca do poder. Todos os seres humanos aspiram a mandar uns nos outros, a subjugá-los, de uma forma ou de outra. Então quando se juntam em grupo são piores do que lobos esfomeados. São hienas sôfregas.


Hitler, Estaline, Mussolini, Mao, apenas para falar nos mais famosos, dominaram e subjugaram milhões de pessoas não unicamente devido à repressão. Os seus sonhos loucos de poder só triunfaram porque o povo aderiu em massa. E quantas mais pessoas aderiam mais vontade tinham outras de aderir. Foi assim que nasceram os paraísos socialistas (nacionais ou internacionalistas) no mundo e logo a seguir os gulagues comunistas e os campos de extermínio nazi.


Não pretendemos ser excessivamente provocadores, pois não está na nossa maneira de ser, como os estimados leitores sabem, mas estamos mesmo inclinados a afirmar que todos transportamos dentro de nós um ditadorzinho, ou um ditardozão, em potência. Depois é a ocasião que faz o ladrão. E tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta. E quem não quer ser ditador não lhe veste a cor, não lhe bebe as palavras, não lhes imita a fraseologia e a pose. Mas deixemo-nos de filosofias e vamos mas é ao que verdadeiramente interessa.


Fora do salão juntou-se um grupinho de camaradas, mais ou menos conhecidos uns dos outros, que resolveu aguardar pelo camarada esclarecedor para, à boa maneira transmontana, ir com ele confraternizar.


Lá dentro o camarada esclarecedor e mais dois elementos do secretariado regional do partido iam colocando as fichas de adesão dos novos militantes numa malinha especial, bem junto ao dinheiro angariado na cobrança das quotas aos militantes, da venda de autocolantes e pines, livros e distinto material de propaganda, como emblemas com a foice e o martelo abençoadas pelo camarada Brejnev e pelo camarada Punhal em plena Praça Vermelha no dia do desfile de mais um aniversário da Revolução de Outubro. A bandeira, qual santo sudário, foi dobrada com mil cuidados e enfiada numa caixinha de madeira preciosa, a modos como um sacrário ambulante, religiosamente manufaturada por um camarada marceneiro.


O José tentou meter conversa com os seus já quase camaradas, mas eles, os camaradas, limitaram-se a olhar para ele, o José, como se fosse invisível. Nem ao Graça ligaram muito. Ser camarada é uma coisa, acamaradar é outra bem distinta. Vendo o ambiente frio e separatista que por ali se vivia, o José disse ao Graça que se ia embora para casa. É que no reino dos camaradas há camaradas mais camaradas que os restantes camaradas. Mas o Graça pediu-lhe para ter paciência e aguentar os cavalos. O Graça disse-lhe que a camaradagem é como o óleo de fígado de bacalhau, sabe mal como o caralho mas cura o raquitismo.


Minutos mais tarde encontravam-se num dos carros que rumavam ao bar, situado fora de portas do burgo, propriedade de um outro velho camarada. O camarada esclarecedor foi recebido, por parte do camarada anfitrião, com um enorme e fraterno abraço. Avançaram de imediato para uma pequena sala onde os esperava uma mesa posta com vários detalhes revolucionários. O mais evidente eram os pratos artesanais com fundo vermelho onde era visível a foice e o martelo proletários e a respetiva estrela amarela internacionalista.


Enquanto esperavam pela comida encomendada discutiram vários e interessantes assuntos, pois os comunistas nem por um momento se distraíam da sua tarefa revolucionária. Até quando confraternizavam o faziam militantemente. O comunismo era a sua estrela polar. Aprenderam, os que não sabiam, que tudo na vida é política. Até comer, conviver, ler, estudar, vestir e mesmo ver televisão ou ouvir a rádio. Pretendíamos ser mesmo ainda mais rigorosos, mas não conseguimos, pois não tirámos a limpo se urinar e defecar também são tarefas políticas ou tarefas revolucionárias, ou ambas, ou até nenhuma. Talvez o sejam do ponto de vista que sem elas devidamente executadas, os revolucionários morrem. Mas isso são suposições nossas. Já fornicar, segundo apuramos, é uma tarefa eminentemente revolucionária, quando devidamente enquadrada.


O camarada esclarecedor lembrou aos presentes que, por exemplo, estava aí a chegar o campeonato mundial de futebol e a tarefa de todos os comunistas era aproveitá-lo para esclarecer o povo. “Como?”, Perguntou o Graça. “Porquê?”, perguntou o José. “É que Portugal nem sequer participa”, lembraram ambos ao mesmo tempo. “Nem sequer a União Soviética! Como foi isso possível?” perguntaram juntos, todos os atónitos camaradas militantes comunistas presentes. Como o camarada esclarecedor os mirou com o mesmo olhar com que Estaline examinou Leon Trotsky antes de o enviar para o exílio, os restantes camaradas observaram-se uns aos outros como se fossem desconhecidos.


Foi também dessa forma que o camarada esclarecedor os encarou. E durante breves instantes instalou-se um silêncio arreliador. Por fim, o camarada esclarecedor esclareceu: “Isso foi boicote do imperialismo e manobra da CIA. E mais não digo porque não posso e não devo.” Posto perante esta verdade, o José ainda perguntou com a sua habilidade usual: “Mas então por que razão o imperialismo permitiu a ida de outros países socialistas?”


Nesse momento, como se estivesse combinado, apareceu em cena o camarada dono do bar com as garrafas de vinho tinto a postos e pôs-se a abri-las com algum rigor, lembrando aos presentes que a pinga que iam beber era fruto de muito trabalho seu e de vários camaradas agricultores e que por isso devia ser respeitado e bebido com arte.


O camarada esclarecedor provou-o quase como se fosse um escanção, mas em vez de o deitar fora engoliu-o com prazer evidente. E aproveitou a deixa para contestar ao José: “Para nos dividir.” E de seguida aproveitou a ocasião para responder às restantes questões colocadas pelos dois verdes camaradas.


De facto iam estar presentes no campeonato do mundo várias equipas do campo socialista, nomeadamente a Alemanha Oriental. E também a Jugoslávia, a Polónia e a Bulgária. E como Portugal estava ausente, a nossa tarefa revolucionária era apoiar esses países e aproveitar o evento para enaltecer o desporto praticado nos países socialistas. Tudo devia ser aproveitado para esclarecer o nosso povo da superioridade da organização social e política dos países governados pelos partidos comunistas. “Então no desporto, bem, no desporto, no desporto, é bom nem falar da superioridade do campo socialista em relação ao campo capitalista”, esclareceu o camarada esclarecedor com toda a pertinência revolucionária. E concluiu: “Nós encontramo-nos a anos-luz.”


Novamente o José questionou o camarada esclarecedor: “Visto que Portugal não está presente, mas está o Brasil, que é um país irmão, não é mais sensato apoiar o Brasil? Além disso, o futebol é extraordinariamente aplaudido pelo povo brasileiro e, que eu saiba, também lá existe um partido comunista irmão, forte e combativo que, com toda a certeza, apoia a sua seleção. Além disso, os brasileiros praticam o melhor futebol do mundo. E é crime apoiar uns cepos que mal sabem dar um pontapé na bola sem a magoarem, apenas porque são cidadãos de um país que se afirma socialista. Além disso, os brasileiros falam a nossa língua. E como muito bem diz Fernando Pessoa, “a minha Pátria é a língua portuguesa”. Ora, seguindo esta linha de pensamento, devemos apoiar a seleção do Brasil, porque, bem vistas as coisas, somos povos irmãos. E…”


Bem, se não tivesse entrado o camarada dono do bar, a sua esposa e a sua filha transportando as vitualhadas, tinha-se dado ali algum incidente politico-ideológico que talvez tivesse determinado um outro final para esta história e para o destino do José. Mas são estes pequenos incidentes que da ordem fazem o caos.


Um camarada do secretariado local do Partido aproveitou a vinda da comida para inserir uma lasca de presunto na boca, uma azeitona verde, um pedaço de pão, um golo de vinho e de seguida introduzir na conversa o tema quente do parlamentarismo e, por conseguinte, das eleições.


“É mesmo certo que o Partido vai defender o adiamento das eleições legislativas?” Ao que o camarada esclarecedor respondeu afirmativamente argumentando que o povo ainda não estava preparado para esse ato. “Além disso, o Partido defende que as eleições não resolvem nada, antes pelo contrário, podem dar azo a uma ofensiva dos partidos da burguesia, que ao elegerem os seus deputados tagarelas vão fazer do parlamento português aquilo que sempre foi: um circo de vaidades e uma tribuna de palavras vãs. Os comunistas defendem o povo, defendem a revolução. E a revolução faz-se nas ruas, faz-se com greves, com manifestações, com ocupações de terras, fábricas e casas, faz-se com a nacionalização dos grandes monopólios e dos latifúndios. A revolução não se faz nas cadeiras do parlamento burguês discutindo e votando leis inócuas, que apenas servem para perpetuar o estado capitalista e a exploração do homem pelo homem. As eleições apenas servem para legitimar um regime socialista, não para o construir. Nós somos ainda uma sociedade burguesa. Quando a revolução socialista estiver feita, então sim deve haver eleições. Mas atenção, muita atenção, não eleições onde todos os partidos possam concorrer, mas eleições onde concorrem apenas os legítimos filhos do povo. Senão são apenas uma farsa burguesa. Ao parlamento popular devem apenas poder concorrer os revolucionários com provas dadas e os seus legítimos representantes…”


“Mas”, interrompeu-o o José, “se só os comunistas forem autorizados a concorrer às eleições, apenas eles podem ganhá-las e assim tornam-se desnecessárias, pois estão logo ganhas à partida. E isso é o contrário da democracia.”


“Da democracia burguesa, quer o camarada dizer”, disse com os olhos em forma de foice e martelo o camarada esclarecedor.


“Não, da democracia. Da verdadeira democracia. A democracia é a aceitação da diferença. É a possibilidade de alguém governar o seu povo através do sufrágio universal e direto. E isso só é possível se todos os partidos puderem concorrer às eleições. A democracia não admite tutelas nem exclusões. A democracia é a legitimidade absoluta do voto popular. O contrário é a ditadura.”


Bem, com esta provocação, mesmo que inocente, como todos sabemos, ao camarada esclarecedor até o bocado de moela que meteu à boca lhe entrou para a goela do vento e ficou quase tão vermelho como a bandeira do seu partido. Valeu-lhe o Graça que lhe deu um estaladão nas costas que o fez projetar o cibalho inteiro para o chão.


De novo entrou na sala o camarada dono do bar com mais duas garrafas de tinto e o José aproveitou a ocasião para ir à casa de banho. A partir dali não mais se falou de política nacional, mas apenas das qualidades do povo transmontano, do nosso vinho, da nossa carne e do nosso pão. 

09
Mai12

O Poema Infinito (99): as mulheres almificadas

João Madureira

 

Fora da casa vazia, os pátios de laje soerguem-se de abandono e choram desesperados com o esforço das ervas que agora cobrem o castelo, as escadas, os muros, as paredes das fontes de mergulho, a praça, a eira do fundo do povo e sobre tudo isso flutua um mar denso de nuvens carregadas de cinzento e chuva grossa. E eu começo a ficar sem ar e com as memórias tristes. E debaixo das lajes e da água dos montes gritam os mortos. Todas as pedras se abrem perante a fala da água nos buracos. Essas palavras são pronunciadas com medo e falam da história longínqua e seca de Pedro Páramo e ficam com medo de pousar nos livros e por isso entardecem como bailarinas dançando na ponta dos pés num palco abandonado. Cantam as almas das mulheres vestidas de negro uma canção lavrada pelo arado de cavalos que são agora estátuas aladas. E essas mulheres almificadas falam das suas primaveras extasiadas de espaços negros e espaços brancos e criam palavras terríveis que veem o seu significado alumiado com candeias de petróleo. E por isso olham para as suas mãos antigas de sangue e por isso tocam nas árvores da sua floresta interior e por isso morrem remexendo novamente no seu silêncio. As mulheres almificadas atravessam invernos e calam a sua dor eterna numa imagem enorme de um Deus sacrílego que as carregou de dor e de sofrimento e de desejos vegetativos. Depois põem-se a caminho da noite e remexem os túmulos e levantam as pedras que aguentam os vivos e crescem dentro da sua loucura de vento e desespero. São agora almas embrionadas de um tempo tão antigo como as pirâmides acrescentando pórticos aos pórticos e dor à dor e esquecimento ao esquecimento. Também elas ouvem os gritos dos seus mortos e farejam a angústia dos que ainda estão vivos. E choram. O seu tempo é criptogâmico e circular, de uma densidade imóvel que se limita a criar o espaço dentro de um outro espaço. Árvores aflitas deixam-se inundar de flores elétricas que gritam dentro da sua artificialidade. Tudo agora é confusão. O meu sonho. As fotografias pálidas abandonadas nas gavetas. A luz confusa do amanhecer. Os diálogos tristes da penumbra. As mulheres almificadas pousam suavemente sobre a luz simétrica dos candeeiros. O mundo denso da noite acaricia-me os olhos e eu torno a olhá-las como se fossem borboletas feitas de buracos negros. O silêncio que nos engole também é negro e denso. Dentro da minha memória devastada pela insónia alojam-se agora o deslumbramento, a lentidão, a resignação e a crueldade. Por isso a minha escuridão interior se tornou viva. E de novo a água volta a falar dentro dos seus buracos. E as lagartixas nascem belas e os escorpiões surgem sábios e as aranhas brotam fluídas dentro das suas teias. O mundo das pequenas coisas expande-se. E o mundo das grandes coisas engole-o sem ambos darem por isso. E as mulheres almificadas deixam-se impregnar desse resplendor de voragem, nessa paixão do tempo em passar, em passar. Em passar. E os mortos deixam os seus sonhos de Pedro Páramo e voltam à sua condição de pó. Continuo a escutar os seus gritos que arrancam da vida a sua profundidade sem sentido. Nos campos da aldeia surgem repentinamente, em vez de nossas senhoras, aparições de macieiras febris que devoram os seus próprios frutos e que consomem todos os sonhos sonhados pelas mulheres almificadas que gesticulam palavras de medo e morte e as suas sombras caminham por dentro da ternura que foi engolida pelos buracos negros que criaram borboletas negras. Acordo e pergunto pelas palavras e elas ali estão bem juntinhas mostrando-me todo o assombro, todo o esplendor e todo o êxtase de estar vivo. Tu dizes: é uma catástrofe essa tua fascinação pelo delírio. Eu digo: são apenas as minhas raízes. Ainda não me apetece enlouquecer. 

07
Mai12

Da expetativa ao imobilismo (XIV): a lógica do entretenimento

João Madureira

 

Vivemos tempos estranhos. Apesar de habitarmos no mesmo país, na mesma região e na mesma cidade, parece que cada vez conhecemos menos as pessoas.

 

A urgência do poder, da manutenção do poder, da autoafirmação do prestígio saloio, vão minando as amizades, as afinidades institucionais e as relações humanas entre amigos, conhecidos e vizinhos.

 

Já ninguém acredita em ninguém, nem em nada. Impôs-se a desconfiança como método, a indiferença como forma de vida e de relação social e a hipocrisia como alimento espiritual.

 

Vivemos tempos estranhos, mas, apesar disso, é neles que temos de arranjar força para acreditar em alguma coisa.

 

Até porque não somos todos iguais, não somos todos indiferentes, não somos todos irresponsáveis, não somos todos mentirosos, não somos todos arrogantes. Nem somos todos parvos.

 

A nossa terra tem de ter futuro, os nossos jovens têm de ter futuro, as nossas gentes têm de ter futuro. E o futuro constrói-se no presente com a vontade e com a coragem dos resistentes, dos lutadores, dos perseverantes.

 

Eu quando digo que acredito no futuro sei porque o digo. Porque conheço gente que não desiste, que se esforça por lutar, que se empenha em construir uma ideia de progresso, uma luz ao fundo do túnel. Uma alternativa.

 

Parece que tudo anda a encolher. Os sentimentos, a liberdade, os direitos e os deveres. E também o país. E ainda os lares da terceira idade e as nossas escolas, pois os senhores ministros, escudando-se na crise económica, resolveram pôr mais gente nos quartos dos lares e mais jovens nas salas de aula.

 

Entretanto o governo, por determinação europeia, resolveu aprovar legislação que determina que tem de aumentar o espaço a ocupar por cada galinha poedeira, bem assim como melhorar o arejamento das gaiolas.

 

Ou seja, os idosos, as nossas crianças e jovens podem enfiar-se nos quatros e nas salas como as sardinhas na lata, enquanto as galinhas ganham espaço e arejamento.

 

Por isso é que eu digo que vivemos tempos estranhos.

 

Posso mesmo adiantar que até na área da saúde a esquizofrenia tomou conta da lógica. Penso que estou em condições de explicar a razão deste governo se ter empenhado tanto no incremento do desemprego. Pois porque, segundo um estudo recente, trabalhar engorda. E a gordura faz tão mal às pessoas como o tabaco. Ou seja, as pessoas com problemas sérios de obesidade, à semelhança dos fumadores, vivem em média menos oito a dez anos que as de peso normal. Por isso o governo, para poupar na saúde, investe no desemprego.

 

Como estamos em crise, o governo, não podendo atalhar aos dois problemas, pelo menos minora um deles. O que pode não ser a solução perfeita mas, temos de admitir, é uma solução curiosa.

 

E por falar em saúde, não quero deixar passar em claro o facto de os deputados do PSD pelo distrito de Vila Real terem mostrado a coragem, e o arrojo, sejamos sinceros e verdadeiros, de questionaram o senhor ministro da Saúde. E não o fizeram de ânimo leve. Qual quê! “Questionaram-no formalmente”.

 

Sim, transcrevi corretamente, para que conste, “questionaram-no formalmente” sobre “os fundamentos invocados pelo Conselho de Administração do CHTMAD para proceder ao encerramento do serviço de urgência da especialidade de cardiologia da unidade hospitalar”.

 

Uma nossa conterrânea morre tragicamente entre a ineficácia e a inoperância dos serviços e a estupefação dos familiares e amigos, e os senhores deputados do PSD de Vila Real questionam formalmente o senhor ministro sobre se a “unidade hospitalar de Vila Real tem efetiva capacidade de resposta para todas as ocorrências do foro cardiológico do distrito”.

 

Repito: Uma senhora morre às portas de um hospital por indefinição dos serviços e por teimosia das leis e dos enquadramentos e de outras balelas do estilo, e os senhores deputados do PSD pelo distrito de Vila Real fazem perguntas formais ao senhor ministro.

 

E foi para isto que os transmontanos votaram nesta gente? Pelos vistos foi. Pois! Por isso é que o prestígio dos políticos anda pelas ruas da amargura.

 

Torno a repetir: Uma senhora morre tragicamente e os senhores deputados escrevem perguntas numa folha.

 

Bonito serviço. Até parece uma piada de mau gosto. Será para isto que servem os nossos políticos? Será para isto que serve a democracia? Será para isto que serve o parlamento? Será para isto que servem os deputados? Pois, pelos vistos, é sim senhor.

 

Num texto lamechas e torturado, uma senhora deputada, que faz parte do grupo, resolveu escrever o seu ato de contrição afirmando que sente a perda de valências do hospital de Chaves. Fala ainda de alarmismo, de insegurança, de indignação e de ocorrências trágicas. De seguida comenta pieguices, escreve banalidades, lugares comuns e incongruências.

 

Um pouco mais à frente afirma que há necessidade de agir, no sentido de reverter decisões, em diálogo com as populações, os autarcas e as estruturas vivas da comunidade.

 

Estruturas “vivas” da comunidade? Conhece outras? Ou estará a referir-se ao seu próprio partido que depois de ir para o governo engoliu os apitos laranjas e escondeu as vuvuzelas no sótão com que se manifestava ao lado dos comunistas, dos bloquistas e da CGTP?

 

Seguem-se-lhe ainda mais uns quantos lugares comuns e outras tretas do género e que lhe fica bem entender ser seu “dever denunciar os constrangimentos que se colocam aos cidadãos dos nossos concelhos.”

 

“Denunciar os constrangimentos?” Então uma senhora morre por falta de atendimento médico e a senhora deputada pretende denunciar os constrangimentos?

 

Denunciar os constrangimentos? Olhe que estamos a falar de soluções, e situações, que podem fazer a diferença entre a vida e da morte dos nossos concidadãos. Porra! Isto não é nenhum concurso epistolar.

 

E para denunciar os constrangimentos estou cá eu. A senhora tem por missão fazer mais e melhor, muito melhor, senão corre o sério risco de ser apenas um verbo-de-encher. Tem de lutar, tem de propor e votar leis sérias e realistas, tem de intervir na assembleia, tem que propor regras e soluções alternativas.

 

Em suma, tem de agir de acordo com o que se exige a um deputado da Nação: atuar, lutar, esgrimir argumentos, fazer política, incomodar, denunciar. Não vir para os jornais da terra dizer que fez uma pergunta formal ao senhor ministro.

 

Uma pergunta formal? Mas isso serve para quê? Quais os seus efeitos práticos? Estou em crer que a vossa pergunta vai ter o destino do caixote do lixo.

 

Na parte final diz que espera “as respostas a estas questões”. Olhe, eu dou-lhe um conselho de amigo: Espere sentada, como é seu timbre. Pois a resposta é bem capaz de não vir. E se vier, com toda a certeza que não será resposta nenhuma, pois a pergunta é uma espécie de atitude do tipo “agarrai-me senão eu bato-lhe”.

 

Atos deste tipo não servem nada nem ninguém. São uma pura perda de tempo. São uma incongruência política. Ou melhor, nem sequer isso são. Este tipo de procedimento é a política da subserviência. E por isso nada vale, nada adianta e de nada serve. Palavras leva-as o vento. E pensar que o país paga bons ordenados a quem tão pouco faz!

 

Alguns deputados fazem-me lembrar o capitão Flume, uma personagem do comicamente genial romance de Joseph Heller, Catch-22, que “dormia como um cepo todas as noites e limitava-se a sonhar que se conservava acordado. E os sonhos eram tão convincentes, que despertava deles todas as manhãs totalmente exausto e voltava em seguida a adormecer”.

04
Mai12

O Homem Sem Memória - 113

João Madureira

 

113 – Depois do enquadramento teórico, e logo após o exemplo prático, o camarada esclarecedor decidiu, na segunda parte do seu douto esclarecimento, reportar-se ao Partido, à história do Partido, à luta do Partido, à organização do Partido, ao Comité Central do Partido, e, novamente, ao Secretário-Geral do Partido, o Camarada de Cristal Alberto Punhal, a quem o glorioso Partido glorioso devia a sua força telúrica, a sua organização exemplar e a sua pureza ideológica.


Durante o tempo que demorou a referir-se ao Camarada de Cristal, os luzeiros do camarada esclarecedor brilharam como duas estrelas cadentes, como as que indicaram a corte onde o menino Jesus, Maria, a sua mãe, e José, o seu putativo pai terreno, aguardaram durante algum tempo a visita dos Reis Magos.


 A boca do camarada era como a bandeira vermelha desfraldada a adejar e a adejar ao vento, sempre com a nítida intenção de apontar a revolução proletária e a vitória final do comunismo. A vitória final.


Alberto Punhal tinha esse efeito catártico e redentor nos comunistas, era como um profeta venerável e venerado. Era até mais do que um Profeta, era um vidente, um homem que redimia os outros homens, e, claro está, as mulheres e os jovens, pela sua coragem, pela sua razão e pelo seu exemplo. Ele prometia-lhes (e havia de cumprir, sim havia de cumprir, havia de cumprir com toda a certeza), o céu na terra, o esplendor do comunismo, os amanhãs que haviam de cantar como o galo mais atrevido da capoeira da Dona Rosa o fazia todas as manhãs para acordar a capoeira, os da casa e o resto do bairro. Não antes do galo cantar três vezes, como o outro fez a Cristo para cumprir com o plano divino. Não sei se ainda me estão a seguir.


Portanto, ele, o Camarada de Cristal, não se limitava a ser um Cristo redentor, era um Deus triunfador. Um Deus objetivável e objetivado. Um deus quase humano. Um ser humano quase divino.


Relativamente à história do Partido, o camarada esclarecedor tagarelou que se fartou. Todos ficaram com a nítida sensação de que a verdadeira História de Portugal apenas principiou quando o glorioso Partido foi fundado.


A partir daqui talvez seja aconselhável dar a palavra em direto ao camarada esclarecedor. Assim evito más, ou desviantes, interpretações, juízos de valor arreliadores e ainda outro tipo de complicações abstrusas.


Ei-lo, o discurso: “A História. Falam da História de Portugal como se fosse verdadeira. Tudo o que lá vem escrito não passa de uma patranha, de uma falsificação, de uma história muito mal contada, relatada pelos vencedores, narrada pelas classes altas, ou pelos seus lacaios, pois a maioria da realeza era de um analfabetismo atroz e a burguesia não se lhes ficava atrás. E, para mal dos nossos pecados, os traidores sempre existiram ao longo da história, sempre prontos a servir quem os escravizava, os explorava, os ridicularizava. Os lacaios sempre foram piores dos que os seus amos.


A História de Portugal junguiu a luminosidade frenética, e enganadora, da exaltação da realeza com o desengano e as trevas da pobreza, da ignorância e da escravidão. Uma pequena minoria rebentava de fartura enquanto a imensa maioria do nosso querido e estimado povo definhava na mais impúdica miséria. Os ricos apenas serviam para folgar e mandar, enquanto os pobres aprendiam a matar e a morrer em nome de uma pátria que não os amava, de uma realeza que os desprezava, de um clero que os amaldiçoava e os condenava a viver no inferno antes de para lá irem, de um monarca que os detestava e de uma burguesia que os explorava até ao tutano. E isto foi assim durante séculos e séculos, até aos nossos dias.


O obeso D. Carlos teve mesmo o atrevimento de chamar ao seu próprio país piolheira. Ele é que era um pilho loiro e gordo que se alimentava da pobreza da plebe. Por isso, um filho do povo o abateu com um tiro certeiro.


Depois veio esse filho das trevas provincianas que governou este país sem sair de casa, a comer o seu caldinho à braseira e a beber o seu copinho de vinho fino que a empregada doméstica lhe servia. Antes lhe tivesse servido cicuta e tínhamos poupado imenso em vidas humanas.


O povo podia andar cheio de piolhos, passar uma lazeira de meter dó, mas tinha dignidade. Amava, e ama como nenhum outro, o seu país, a sua terra, os seus valores, as suas tradições. Os reis podiam comer do bom e do melhor e viver em palácios esplendorosos que não passavam de uns ignorantes pançudos. Quanto mais ignorantes mais pançudos e quanto mais pançudos mais ignorantes. Era este o círculo vicioso da monarquia e mais tarde do fascismo.


Enquanto a grande maioria do povo português morria à fome, os homens e as mulheres da realeza rebentavam de fartura. Morriam, com vossa licença, a arrotar por cima e por baixo. (Ah, ah, ah!, riu a plateia com ar sério.) Isso acontecia porque o povo, o nosso querido e estimado povo, não tinha consciência de classe, não tinha a perceção da sua força, não dava valor à sua genuína importância. Não se unia, não se organizava, não tinha ainda um partido que o defendesse. Todos sabemos que um país não existe sem o povo. Sem o seu povo. Mas o povo pode muito bem passar sem os poderosos. O que não pode passar é sem o seu glorioso Partido. E é aí que bate o ponto.


Depois de séculos e séculos de trevas, de outros tantos de enganos, e de décadas de ilusões e desilusões, eis que surge uma organização de novo tipo, fruto da luta tenaz e da afirmação intrínseca dos explorados que, já fartos de tanta exploração, tanta miséria e tanta palavra gasta em seu favor, se organizaram e criaram o nosso glorioso Partido.


Um partido marxista-leninista, um partido que nasceu com a intenção suprema de conquistar o poder para o povo. Não em nome do povo, mas com o povo e para o povo. Ali de braço dado com ele, o povo, numa aliança sagrada entre os operários, os camponeses e os verdadeiros intelectuais, aqueles que se aliviaram da sua carga libertina, titubeante e questionadora para abraçarem a verdadeira luta de classes em defesa da sua pátria e do seu povo. Não em seu nome, mas com ele, o povo, o nosso querido e estimado povo, o heroico povo português, ali lado a lado com o glorioso Partido, como uma muralha de aço. Nessa vontade libertadora, nesse fervor revolucionário que inflama a Europa e o mundo, que põe de joelhos a burguesia e que atemoriza o grande capital e os interesses financeiros.


Antigamente os filósofos tentavam compreender o mundo, mas, como muito bem disse Marx, o que urge fazer é modificá-lo. Já basta de tanta compreensão, de tanto estudo, de tanta palavra, de tanta argumentação. É chegada a hora de fazermos a revolução. É chegado o momento de os escravos se libertarem das grilhetas da opressão, da exploração e da subjugação. Não em nome do povo, mas com o povo. Com o heroico povo português. Esse povo que deu novos mundos ao mundo.


Quando o glorioso Partido Comunista foi fundado, com ele nasceu um mundo distinto, um mundo com diferentes possibilidades. É como se Portugal tivesse sido criado de novo. De certa maneira foi isso que aconteceu, pois já nada será como dantes.


Por isso é que o Partido é um coletivo combativo, com uma ideia bem definida daquilo que pretende, do caminho que tem de trilhar, das armas que vai ter de utilizar, das alianças que vai ter de fazer e das lutas que vai ter de travar. Não em nome do povo, mas com o povo. Sempre, sempre ao lado do povo.


Para isso é preciso ganhar corpo, conquistar militantes, convencer cada vez mais e mais pessoas da nossa verdade, da nossa determinação, da nossa coragem, da nossa frontalidade, da razão que nos assiste e da nossa fé inabalável no futuro, no marxismo-leninismo, no comunismo.  


Mas uma revolução não se faz sem revolucionários. Sem verdadeiros revolucionários. E os verdadeiros revolucionários só podem surgir dentro do Partido. É certo e sabido que os verdadeiros revolucionários apenas podem ser comunistas. E vice-versa. Para isso necessitam de esclarecimento, informação, enquadramento, estudo. Enfim, carecem de trabalho revolucionário. Não em nome do povo, mas com o povo. Sempre, sempre ao lado do povo.


Não é apenas a leitura dos clássicos marxistas que faz um verdadeiro revolucionário. Se fosse apenas isso a revolução podia fazer-se já amanhã de manhã. Não. Um revolucionário é aquele que junta a teoria à prática, é aquele que não se limita a compreender e a explicar o mundo. É todo aquele que o quer modificar e que para isso não se coíbe de pegar em armas, se necessário for, para fazer triunfar a revolução. Não em nome do povo, mas com o povo.


Por isso é que o Partido faz estas sessões de esclarecimento, para trazer para o seu seio os melhores filhos do nosso povo. É com eles que o partido da classe operária vai chegar ao poder. Não em nome do povo, mas com o povo. Sempre, sempre ao lado do povo. Com o povo e com mais ninguém. Disso o Partido não abdica. Apenas a vitória da classe operária, em sagrada união com os camponeses, é que libertará Portugal do jugo do capitalismo e do imperialismo. Não existe outra forma. O marxismo-leninismo nisso é clarinho como água: para a classe operária triunfar é preciso derrotar a burguesia e os capitalistas. Eliminá-los definitivamente até deles nada restar, a não ser os seus restos expostos no museu da exploração. (Ah, ah, ah!, sorriu, como quem tosse, o camarada esclarecedor.)


Aderir ao Partido é um ato de coragem, um ato de fé revolucionária, um ato apenas ao alcance dos mais corajosos, dos mais altruístas, dos mais inteligentes. Aderir ao Partido é entrar no comboio da nova História, no comboio do futuro, no comboio do comunismo. O comunismo é o futuro da Humanidade. E quem disser o contrário mente. Os outros que se dizem socialistas, sociais-democratas, liberais, democratas-cristãos, ou maoístas, pois para o caso tanto dá, apenas são um carrossel que anda às voltas, às voltas, mas não sai do sítio.


O Partido só é grande porque foi forjado na luta contra o fascismo, na luta em defesa dos operários, dos camponeses e dos estudantes. O Partido só é grande e glorioso porque é filho de um grande e heroico povo: o português.”


No final, o camarada esclarecedor apelou mais uma vez à adesão ao Partido, e, na companhia da mesa e de toda a plateia, pôs-se a gritar repetidas vezes, como um possesso, de punho direito erguido, a sigla do Partido, (pois com a esquerda não podia ser, dado que era dessa forma que os socialistas de Mário Soares se manifestavam), cantou a Internacional e no final escutou as palmas da assistência com ar circunspecto, imitando na perfeição a pose de Alberto Punhal.


Apenas o José se inibiu, na hora de gritar a sigla partidária, de levantar o punho, pois era canhoto, e de cantar a Internacional. O Graça bem olhou para ele com cara de Estaline, mas o José nisso era intransigente, ninguém o conseguia pôr a cantar uma canção que não sabia e não compreendida, a gritar três letras que nada queriam significar e a dar murros no ar como se quisesse intimidar alguém. Além disso era canhoto.


O José era homem de outras guerras. As missas coletivas provocavam-lhe urticária. Tinha todas as razões e mais algumas para se afastar do Partido, mas parece que o destino marca a hora, ou pelo menos coloca o timbre no lugar-comum, e, em vez de se afastar, como lhe recomendava a razão, ou pelo menos o seu sexto sentido, aproximou-se. Se tivesse rasgado a ficha e queimado o livrinho teria sido bem melhor. Evitava dessa forma ser o mártir que mais à frente reconheceremos. 

02
Mai12

O Poema Infinito (98): recomeço

João Madureira

 

Hoje o silêncio das minhas palavras interiores preencheu-se de fábulas instantâneas. Depois desfiz-me desse assédio de ausência e da sua incessante procura circular. Cá fora as mesmas marcas coloridas do tédio e da afeição procuram defender-me do mundo. As pessoas passam inscritas nos passeios e nas janelas e nas portas das casas. E as estradas perseguem o céu oblíquo e os homens e as mulheres continuam a perseguir o seu destino que não é destino nenhum. Por isso eu escrevo nos jardins aproveitando a tinta da sua água, do seu verde e do fogo da luz do seu sol. E escrevo palavras de sossego inscritas nas suas folhas e nas sombras dos seus muros. E escrevo-te, e escrevo-me, com o sabor da surpresa. Escrevo por dentro das formas perfeitas e suaves dos frutos. Escrevo em arabescos de uma leveza mágica. Escrevo em sulcos que se inclinam para a embriaguez húmida da terra. Escrevo nas árvores que se incendeiam. Escrevo sussurrando primaveras e soprando invernos e moldando pequenos planetas de açúcar. E a tarde encanta-se agora com as nuvens que são calmas e que deslizam em silêncio sopradas pelo nosso desejo e pela nossa ilusão. Uma princesa ilimitada abre-se no espaço subtil de uma ideia e luta contra a violência espantada da infância. E ilumina e inunda os sonhos dos livros que pesam as suas sílabas de sombra. E os duendes descem pelos bosques à procura de meninas descalças e das formas da água do orvalho e dos pássaros suspensos e da sede da terra e das palavras que fazem histórias verticais. E a água move-se e os duendes tremem e a princesa ri-se como se fosse uma possibilidade de bruxa má. Agora as nuvens germinam nas suas esferas translúcidas e nos seus anéis de água. Num banco de jardim, duas bocas descobrem-se no seu veludo incandescente e saboreiam o perfeito sabor dos frutos lisos e do seu sumo fresco. E os dois corpos encerrados nas suas superfícies delicadas abrem-se como círios vermelhos e brilham por dentro do seu calor, da sua volúpia, do seu desejo. Os seus olhos embriagam-se e absorvem toda a luz do arco-íris onde agora dormem as nuvens. Uma brisa fresca expande-lhes o odor da sua orgia verde. São agora um corpo duplo e uno. E criam a origem do mundo e escutam as palavras em festa dentro do seu princípio de aprendizes de amantes. Eu decido parar tudo para escutar a sua festa de silêncio. Distintas coisas vacilam e concentram-se e dilatam-se por cima deste jardim de espuma. Mais ao longe uma criança brinca na relva acariciando o tempo que tão mal lhe há de fazer. O ar prolonga-se no entardecer. Nada se cria. O vazio concentra-se. Sinto a minha respiração aflita. Olho o par aninhado no banco de jardim. Algo me inunda. Reconheço-me. Reconheço-nos. Algo se incendeia. Tudo recomeça. 

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

blog-logo

Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

A Li(n)gar