Lá fora chove e o vento faz abanar os ramos e as folhas das árvores. O céu está cinzento, bem da cor da nossa tristeza e da nossa desilusão. O país esgota-se. O governo geme e titubeia nos conselhos de ministros. O primeiro-ministro carpe razões e desilusões.
Eu fecho os olhos e na minha memória surge, repentina e dolorosamente, a imagem de Pedro Passos Coelho a declarar ao país mais medidas de austeridade, como quem se vinga do Estado, dos portugueses e, muito especialmente, dos funcionários públicos.
É já público e notório que o nosso primeiro-ministro gosta tanto dos trabalhadores do Estado como Hitler simpatizava com os judeus, os ciganos e os homossexuais. E isso nota-se quando fala deles, quando os acusa de todos os males do país. Quando os persegue com impostos e mais impostos e desemprego e ameaças de despedimentos e de cortes e mais cortes.
E corta nos salários, aumenta o IRS, o IVA, o IMI, e mais IRS, mais IMI e mais IRS. E ainda mais IRS e mais um corte nos salários e outro nos subsídios. E mais uma taxa moderadora na Saúde.
E mais um aumento dos combustíveis. E da eletricidade. E mais um imposto de selo. E mais um ajuste no IRS e mais uma diminuição dos salários e mais um corte nas despesas com a Saúde e mais outro corte nas despesas com a Educação e outro corte nos subsídios. E nova subida no IRS.
E depois diz-nos, com um ar entre o vingativo e o gozador, que tanto corte e tanto imposto ainda não chegam. Há que fazer mais cortes. Há que cortar mais qualquer coisinha nos salários e nos subsídios. E ainda é necessário aumentar novamente a taxa do IRS.
E o homem não se cansa de cortar e de aumentar os impostos enquanto reduz tudo a zero, até a esperança dos portugueses. E promete, com cara de sádico, que ainda vão ser necessários mais cortes nos salários, nos subsídios e mais uma subida das taxas de IRS. Nunca sabe quando deve parar.
Passos Coelho não sabe gerir, não sabe administrar, não sabe governar. Apenas sabe cortar os salários e aumentar os impostos, até não haver mais salários, emprego e riqueza disponível para ninguém. E lá vai mais um aumento das taxas do IRS.
Mas uma coisa temos de lhe reconhecer, nunca nenhum governo em Portugal conseguiu unir contra a sua política todos os setores políticos e sociais.
O executivo de Passos Coelho tem contra si a maior parte do PSD, o CDS, o PS, o PCP, o BE, os sindicatos, os patrões, os médicos, os professores, os trabalhadores do setor privado, os trabalhadores do setor público, o presidente da República, o Conselho de Estado, os comerciantes, os capitalistas, os proletários e mesmo os bispos e os padres. E até o professor Marcelo Rebelo de Sousa e Marques Mendes. Acho que melhor é impossível.
A tentativa da subida da TSU foi óbvia, quis colocar patrões contra empregados e o povo em geral contra os funcionários públicos. Mas a porca sai-lhe mal capada. Afinal o país levantou-se contra a sua prepotência pueril e contra a sua arrogância neoliberal.
As pessoas estão indignadas, frustradas, ou, como diz o nosso povo, fodidas da vida, desesperadas, claro que pelos sacrifícios que lhe são pedidos, mas, sobretudo, e acima de tudo, pela falta de consideração com que têm sido tratadas pelo bando de néscios que nos governa.
O povo português detesta este governo porque abomina os chicos espertos que dele fazem parte, porque detesta que se façam de parvos como quando o Tribunal Constitucional disse para distribuir os sacrifícios equitativamente pelos portugueses e o governo atacou com mais cortes nos pensionistas e na função pública e resolveu mesmo ceifar um subsídio aos trabalhadores do setor privado.
Além disso, este novo Pinóquio de ferro oxidável que chefia o governo português prometeu, sorrindo como as hienas, que 2013 era já um ano de recuperação quando, pelos números já divulgados, é mais um ano de desastre e afundamento do país.
O governo de Pedro Passos Coelho propagandeou aos sete ventos que a sua tarefa primordial era atacar o défice, pôr as contas em dia e as finanças em ordem. Daí o perfil exclusivamente técnico do seu ministro Vítor Gaspar. Mas a primeira conclusão a tirar deste ano e meio de governação é que a competência técnica foi para o galheiro, resultando apenas da sua política o afundamento da economia e o aumento assustador do défice.
Afinal as contas continuam como dantes. Exatamente como dantes. E para onde foi o dinheiro dos cortes? Onde foram metidos os impostos conseguidos com o suor e o trabalho dos portugueses? Para quê tantos sacrifícios se sem eles estaríamos na mesma, ou mesmo um pouco melhor?
De facto, o governo de Pedro Passos Coelho tecnicamente é um verdadeiro desastre e a nível político é uma ignomínia, muito próxima da ideologia conservadora e protofascista.
O país desmorona-se e Pedro Passos Coelho só nos consegue irritar ainda mais. Será isto loucura? Ele continua a dizer que apenas tenta equilibrar as contas públicas. E até admite que o está a fazer à custa do sacrifício de milhões de portugueses. E até se cala quando o acusam de insensibilidade e ineficácia. E sorri sibilinamente quando lhe lembram que todas as medidas de austeridade são de uma ineficácia de bradar aos céus.
Mas tornamos a perguntar incrédulos: Será isto loucura ou desvario? Não, não o é. Pedro Passos Coelho pretende vingar-se do Estado, sobretudo do Estado Social, que detesta e pretende destroçar a todo o custo. O primeiro-ministro está bem mais à direita do que o CDS. Paulo Portas comparado com ele parece o Francisco Louçã ao pé do José Sócrates.
Passos Coelho, em conjunto com Merkel e toda a elite neoliberal, pretendem alterar os valores cívicos e civilizacionais com que foi criada a Europa do pós-guerra e na qual nos integramos depois do 25 de Abril.
Não, desiludamo-nos, o homem não age desta forma apenas por ignorância, impreparação ou incapacidade. Ele e todos os seus cobradores do fraque querem alterar o paradigma económico e social português. A economia acima de tudo. E com esse fim não se coíbem de destruir o país.
Por isso falam no “processo de ajustamento em curso” da nossa economia, baseado em emprego precário e mal pago, em trabalho sem direitos, em pequenas empresas falidas e na destruição da nossa periclitante classe média.
O objetivo é, finalizado o “ajustamento”, qual bomba de neutrões económica, restarem em Portugal apenas as grandes empresas financeiras e os antigos e diversos monopólios de má memória, lucrando com os baixos salários praticados, com uma bolsa enorme de emigrantes ou desempregados prontos a trabalhar por umas cascas de alho e sem nenhuns direitos ou condições.
Por isso é que, estranhamente ou não, Pedro Passos Coelho não ligou patavina ao artigo da revista britânica conservadora “The Economist” onde se diz que Portugal passou de “aluno modelo” a “exemplo dos perigos” do excesso de austeridade.
O artigo intitulado “Quanta austeridade é demasiada austeridade?” frisa que Pedro Passos Coelho “parece ter levado as reformas além do limite considerado aceitável por larga parte do eleitorado”.
Agora todos sabemos que o homem só descansa quando entregar isto aos brita-ossos do capital. Pedro Passos Coelho acredita que Portugal só tem futuro como um país do terceiro mundo. Ora esse não é futuro nenhum.
O governo de Passos Coelho não é um grupo de pessoas competentes e sérias. É, e por muito que nos custe dizê-lo, um atraso de vida. E já todos o pressentimos: o nosso futuro não passa por aí. Urge arranjar uma alternativa válida e consistente. É que Portugal apaga-se como uma vela na corrente de ar. Temos de conseguir fechar a porta por onde nos invade a desgraça.