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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

19
Nov12

Pérolas e diamantes (12): o sorriso do ex-putativo… candidato

João Madureira


Slothrop, ou melhor, o tenente Tyrone Slothrop (cujo nome é um anagrama de «sloth or entropia», que é igual a “preguiça ou entropia”), um dos personagens do livro Arco-Íris da Gravidade, do enigmático escritor norte-americano Thomas Pynchon, querendo fazer ver que a paranoia tem a utilidade teológica de tornar a Criação inteligível, reflete a determinado momento: “Se há algo de consolador – de religioso, se quisermos – na paranoia, também há a antiparanoia, onde nada se liga a nada, uma condição que poucos de nós conseguem suportar… por muito tempo.”

 

Confusos? Pois vão deixar de o estar daqui a alguns momentos. Por enquanto tenham paciência e deixem-me, das duas uma, ou arriscar tentar ser famoso, ou fazer famoso alguém, pois essa é a forma que nós temos de reconhecer na rua as pessoas célebres. E há na política muita gente ansiosa por não se conseguir imaginar ver fora do poder sem entrar em depressão. No entanto, começam já a sentir falta de alguma coisa, pois sabem que apenas reparamos no poder quando ele nos falta. Ou melhor, nós humanos sentimos mais a sua falta quando nos abandona. Ou está prestes a abandonar-nos. De certa maneira comportamo-nos como felinos que sonham em voar com a simples ação de… comer aves.

 

Os dirigentes que atualmente nos governam querem fazê-lo sacrificando a população portuguesa, mas é caso para perguntar, que pai faria isso aos seus filhos? Um verdadeiro líder sacrifica-se, não sacrifica o seu povo. Os líderes que atualmente por aí andam apenas se comportam como malfeitores vestidos de… fato e gravata.

 

Os romanos consideravam que a fama era um monstro repleto de olhos e de bocas com asas. Também estes governantes e autarcas que nos calharam em sorte andam sempre acompanhados pelos boatos que eles próprios criam, difundem e ampliam. E apelam sempre à credulidade. Isto para espanto e incredulidade dos eleitores. Os romanos tinham razão, estes senhores dizem a verdade com umas bocas ao mesmo tempo que mentem com… as outras.

 

É ver o caso do Tribunal de Chaves, onde o PSD flaviense faz oposição ao PSD nacional, porque lhe vê fugir o chão eleitoral debaixo dos pés. E o mesmo se aplica ao Hospital de Chaves. Mas por muito que estrebuchem, o garrote ideológico do seu líder máximo vai definitivamente levá-los ao desespero e à abdicação. Bem podem balbuciar desculpas em comunicados inócuos, que a realidade neo-liberal lhes fará o que é inevitável, desmascará-los como demagogos e… picuinhas.

 

São homens e mulheres de um pensamento só: conservar o poder a todo o custo. Mesmo que este seja conquistado à base da mentira, da abdicação e… do improviso.

 

A experiência diz-nos que se um desconhecido disser uma verdade, logo lhe dirão que é uma idiotice. Mas se alguém famoso disser uma palermice, ela passará ser encarada como… a verdade.

 

Os atuais dirigentes do PSD dizem cobras e lagartos do PS e das suas antigas políticas suicidas de despesismo e de reformas milionárias adquiridas numa dúzia de anos. E até têm razão. Mas é essa mesma razão a que destrói o argumento pela… base.

 

Todos sabemos que, segundo o semanário Sol, a atual segunda figura de Estado, a senhora presidente do Parlamento, recebe uma pensão de 7255 euros por dez anos de trabalho como… juíza do Tribunal Constitucional.

 

Por não poder acumular esse valor com o ordenado de Presidente do Parlamento (também uma lei de José Sócrates), Assunção Esteves abdicou de receber pelo exercício do seu atual cargo, cujo salário é de 5219 euros. No entanto mantém o direito a ajudas de custo no valor de 2133 euros. Ora, no total, a senhora aufere mensalmente 9388 euros. Uma pensão de miséria, conquistada numa vida inteira de… trabalho e canseiras.

 

Repito: É a segunda figura do Estado, estamos em crise e, além disso, é militante de topo do… PSD.

 

Volto a repetir: É militante do PSD e a segunda figura de Estado, de um Estado em crise profunda onde a classe média está a ser vergonhosamente espezinhada por… impostos estratosféricos.

 

Mas voltemos aos laranjinhas cá do burgo. Parece que há no PSD gente que não consegue senão pensar em ocupar a cadeira de presidente da autarquia flaviense. Apesar de já entradotes na idade, assemelham-se aos jovens, pois não conseguem ver as coisas para além… das coisas.

 

A circunstância de Fernando Campos querer vir invadir o terreno político autárquico que por princípio pertence a António Cabeleira, permanece um mistério cuja resolução só poderá ser o próprio mistério. Mas todos sabemos que o autarca barrosão não dá ponto… sem nó.

 

Uma coisa já conseguiu, fazer com que António Cabeleira metesse pés a caminho até Vila Real para fazer aprovar a sua candidatura à Câmara de Chaves e logo de seguida rumasse caras a Lisboa para que a Comissão Nacional do PSD a ratificasse em… tempo recorde.

 

Isto depois de ter convocado um plenário concelhio do PSD flaviense, onde apenas compareceram os apaniguados do ex-putativo candidato. Os opositores de António Cabeleira, sabendo como são estas coisas, sabendo como se arregimentam apoios, e para não parecer mal, resolveram ir fazer a oposição ao vice-camarário em reuniões informais, em contactos pessoais e em… grupos de amigos.

 

Que me lembre, e eu tenho alguma memória, apenas uma vez se soube de tanta animosidade e tanta conspiração dentro do PSD, foi no tempo do último mandato de Branco Teixeira. E o homem acabou por… perder.

 

Pensando que afastou definitivamente a potencial, e incómoda, candidatura de Fernando Campos à Câmara de Chaves, António Cabeleira apareceu pela primeira vez a esboçar um sorriso nas capas dos jornais. Claro que ainda tímido e envergonhado, pois só dele, do sorriso, claro está, nos apercebemos pelo estender dos lábios e pelo brilhozinho nos olhos, já que os dentes ainda ninguém lhos conseguiu ver. Mas mesmo assim… um sorriso.

 

Finalmente sorri. E nós também. E com ele. E por ele. E dele. A amizade isso nos impõe e a isso nos obriga. Mais a mais, um sorriso do “oficialmente candidato pelo PSD à Camara Municipal de Chaves”, como veio escarrapachado nos jornais da terra, enche-nos de… felicidade.

 

Nós somos assim, solidários. E a felicidade dos nossos conterrâneos é como seja a nossa própria felicidade, pois sentimos que o seu sorriso vale mais do que mil palavras. E nós tocados por um sorriso daqueles, pela sua espontaneidade, pelo seu arreganho, pelo seu engenho, pela sua eloquente arte, como diz um spot publicitário da TSF, vamos ao fim da rua, vamos ao… fim do mundo.

 

Mas no nosso último escrito, prometemos que iríamos dedicar algumas palavras à candidatura independente do militante do histórico do PSD flaviense, e atual presidente da Junta de Santa Maria Maior… João Neves.

 

Na verdade, vou pegar na carta de João Neves ao “Notícias de Chaves” porque me parece honesta, genuína, desassombrada, até talvez ingénua, mas… verdadeira.

 

Logo de início pergunta, como quem responde a insinuações malévolas, se o artigo “A Política Será Assim?, visando a sua pessoa, foi escrito porque João Neves incomoda… alguém?

 

Sobre a organização de um almoço de apoio ao “senhor Cabeleira”, confirma que sim o fez “mas a mando deste” (e nós, ingénuos, a pensar que tinha sido espontâneo!) “pois andava assustado com a ameaça de um outro candidato… à Câmara”.

 

Caro amigo João Neves, aqui permita-nos discordar, mas o ex-putativo candidato António não se assusta com ameaças dessas. Ele é daqueles que dá o corpo às balas. Além disso, é um militante partidário que não conspira, só inspira e expira, como todos… nós.

 

Mais adiante refere que “desde então o putativo candidato” (permitam-nos que retifiquemos, o ex-putativo candidato) “tomou a peito alguns dossiês que, não só redundaram em fracasso, como, através deles, hostilizou por completo a maioria dos… Presidentes de Junta.”

 

De seguida coloca uma questão: Será que os presentes nesse almoço ainda estão com o ex-putativo candidato? A seguir lança um desafio. E que desafio: “Que faça outro almoço para saber a… verdade!”

 

Sobre a agregação das freguesias, pergunta se será “algum crime defender a restauração da antiga freguesia de Chaves? Não sou carneiro, logo não tenho que seguir o pensamento… do «chefe»”.

 

A terminar, João Neves pergunta, e nós com ele: “Vozes de burro algum dia chegarão ao céu?” Cá ficamos à espera… da resposta.

 

Numa nota final, João Neves acusa o autor do artigo “A Política Será Assim?” de ser um encapotado que mais não pretende do que assustá-lo e demovê-lo das suas intenções. Por isso lhe manda um recado: “Nada nem ninguém me arredará do meu percurso. Aos que andam atrapalhados e com medo, dou uma sugestão: comprem… um cão.”

 

Pois é caro ex-putativo candidato António, quem semeia ventos colhe… tempestades.

 

PS – Novo apelo: Caro senhor presidente João Batista, os flavienses já desesperam com a sua prolongada ausência das cerimónias camarárias e outras análogas, e por consequência dos seus sempre bem-dispostos retratos nos jornais. Apareça, caro senhor presidente. Por favor, apareça mesmo que seja por um momento ou dois, pois sentimos a falta da sua serena e simpática postura. A presença useira e vezeira do seu vice já nos começa a inquietar um pouco. Vá lá senhor presidente, não nos abandone antes mesmo de abandonar definitivamente o cargo para que foi eleito. Por favor! O povo que em si votou reclama-o. Por isso faça-lhes, faça-nos, a vontade. Por favor, por favor senhor presidente. Olhe que nós sentimos a sua falta. Não permita que façam de si um fantasma. Vá lá, senhor presidente. Não nos obrigue a fazer uma petição pública ou um abaixo-assinado. Vá lá, faça-nos a vontade, nem que seja só por uma única vez. Vá… lá.  

16
Nov12

O Homem Sem Memória - 134

João Madureira

 

134 – Depois do triunfo da razão em Ribeira de Pena, o Partido a nível regional ganhou nova alma. Os comunistas em Trás-os-Montes podiam até ser poucos, mas eram bons, corajosos e íntegros. Embora em vilas como Ribeira de Pena se pudessem contar pelos dedos de uma mão, isso não queria significar que não constituíssem uma força política emergente, digna de crédito, disciplinada, respeitada e respeitadora das mais amplas liberdades. Isto apesar de os reacionários na nossa província serem como as moscas da, com vossa licença, merda, muitos e incómodos como o carvalho. Isto para não dizer outra coisa.


Vai daí, entre namoricos com a independente Isabel, entre infiltrações nos movimentos autónomos e alternativos, entre a militância clandestina no Partido, e o estudo nos dias ímpares da semana, o José foi distinguido com a subida honra de organizar, dirigir e orientar uma escola de pioneiros comunistas que iria funcionar na garagem de uma camarada professora primária, para não dar nas vistas e para dessa forma poder manter o seu estatuto de independente.


A escola de pioneiros era, aos olhos do Partido, a única tarefa revolucionária compatível com a sua militância clandestina. Claro que ainda pensaram em libertá-lo de todas as tarefas relacionadas diretamente com a ação partidária, mas em Névoa os camaradas com qualidades eram tão poucos que até os clandestinos tinham de ajudar nas tarefas planeadas pela direção regional. Ou era isso ou então tornava-se impossível cumprir com o programado. E os comunistas são políticos que cumprem sempre os seus planos, sejam eles mensais, trimestrais, semestrais, anuais ou quinquenais.


Quando o Graça lhe deu tão boa notícia, o José limitou-se a ficar desiludido, muito desiludido mesmo. Para garotos já lhe chegava aturar os irmãos que eram muitos e com feitios diversos e pouco abrangentes. O Graça, vendo-o remexer-se como se tivesse sido tocado por um ramo de urtigas, levou-o ao bar do Aníbal e tratou de lhe levantar o ânimo.


Ainda antes de sorver o primeiro golo da sua espumante imperial tirada pelo próprio “Goela Grande” – que além de ingerir canecas de cerveja como o fazem os camelos quando encontram um poço de água barrenta no meio do deserto, sacava finos com subida arte –, disse-lhe com voz de verdadeiro dirigente do partido da classe operária: “Educar comunistas desde a mais tenra idade é uma das tarefas mais delicadas e nobres que um marxista-leninista pode exercer. Por isso só te podes sentir honrado com tão subida distinção.” Ao que ele respondeu: “Não me fodas a paciência.” E o Graça: “Vá lá, não precisas de ser indelicado.” E o José: “Para mim estão guardados todos os papéis de parvo.”


Embezerrados como estavam, entretiveram-se a beber as imperiais, a debicar os tremoços, a cuspir os caroços das azeitonas e a sacudir das calças os pedaços das cascas torradas dos amendoins.


Vendo-os amuados como dois asnos acorrentados ao mesmo madeiro, o Aníbal pediu licença e sentou-se à mesa pousando lá uma segunda caneca a transbordar de espuma, enquanto escorropichava a primeira que trazia na outra mão. Ato contínuo arrotou, peidou-se com graça e de seguida fumou um cigarro. Logo após, bebeu a segunda caneca de cerveja de uma assentada, arrotou, deu novo peido e fumou outro cigarro.


Vendo que na mesa os copos estavam vazios e os dois camaradas e amigos continuavam a emburrar na sua calada teimosia, levantou-se e foi fazer aquilo que lhe competia. Tirou mais dois finos e outra caneca de cerveja com a devida arte revolucionária que já todos lhe reconhecemos e, enquanto assobiava A Internacional, serviu os amigos com toda a delicadeza de que foi capaz. Eles continuavam calados a ruminar os tremoços, as azeitonas e os amendoins. De seguida serviu-se e engorgitou a caneca de cerveja ainda com mais rapidez do que era normal.


Os camaradas desavindos continuavam desavindos. De novo arrotou, fumou o seu terceiro cigarro e peidou-se tão artisticamente como era habitual. À terceira vez, o Graça e o José acusaram-no em simultâneo: “Porco.” “São gases, camaradas. E os gases oprimidos necessitam de liberdade”, contrapôs o Aníbal com o seu arzinho engraçado. Então os camaradas e amigos riram-se como se tivessem ouvido uma piada do Grouxo Marx. “Vão uns camarõezinhos?” Eles limitaram-se a acenar com a cabeça, pois reconheceram a proposta do “Goela Grande” como exequível.

 

Já em ambiente de descontração, e depois de beberem uma dúzia de finos, seis canecas de cerveja, comerem um quilo de camarão e o Aníbal ter fumado mais três cigarros e dado três peidos muito a modinho, apenas para manter o estilo e a tradição, o anfitrião perguntou qual era afinal o problema. O Graça contou-lhe o que todos já nós sabemos e o José fez o mesmo.


Foi então quando o Aníbal veio em socorro do José para contento do Graça. E disse: “Afinal é uma forma de utilizares as capacidades que desenvolveste no seminário. No fundo, a escola de pioneiros comunistas é a modos como a catequese para os católicos. É uma forma de moldar o saber e a personalidade dos mais jovens dos nossos camaradas. É a maneira de os doutrinar, possibilitando-lhes uma formação sólida e de qualidade, fornecendo-lhes ferramentas que lhes abrirão as portas ao conhecimento do marxismo-leninismo de forma cuidada e permanente.”


“É isso mesmo, camarada Goe… Aníbal. É isso mesmo. Imagina José, o avanço que podes permitir a todos esses pequenos camaradas para que possam vir a ser verdadeiros revolucionários. E sem hesitações. E sem dúvidas. É de pequenino que se torce o pepino”, adiantou o Graça. Ao que o camarada José contrapôs: “Mas não vos ouvi dizer que a catequese e o batismo definiam cedo de mais a orientação religiosa de uma criança, pois, enquanto pequenos, não possuíam capacidade crítica, nem conseguiam compreender, quanto mais optar, em assuntos desta natureza? Deus para elas é uma abstração…” “Também para os adultos Deus é uma abstração”, contrapôs o Graça. Esta frase teve a concordância do Aníbal que aproveitou a deixa para ir buscar mais dois finos e outra caneca.


Ainda antes do “Goela Grande” arrotar e etc., o José teve oportunidade para insistir que uma escola de pioneiros comunistas era bem capaz de ser uma violência para a pequenada. E confessou: “Sim, Deus é uma abstração para as crianças e até para os adultos. Mas temos de reconhecer que o marxismo-leninismo não o é menos. Estou mesmo em crer que a teoria comunista é até bem mais abstrata para as crianças do que o catolicismo. Explorados e exploradores, lutas de classes, meios de produção, ditadura do proletariado, o próprio proletariado, a pequena, a média e a grande burguesia, o processo histórico, a dialética e outros conceitos, são coisas que não desenvolvem a imaginação. São conceitos tão rebuscados, são preconceitos tão arreigados que…”


“Alto e para o baile. Lá estás tu com os teus desvios ideológicos. Ai José, José, nunca mais te emendas. Num país socialista estavas na prisão a aprender a não ter dúvidas. Mas ainda bem que vivemos numa democracia burguesa e és meu amigo, senão…”


“Com a verdade me enganas, meu Judas traiçoeiro. Preferia dar catequese às crianças, pois elas até podem achar o conceito de Deus abstrato, mas consideram a ressurreição e os milagres histórias de encantar. Agora falar-lhes de pobreza, de lutas de classes, de sacrifícios, de violência e de morte aos reacionários, parece-me excessivo. Deixem as crianças ser crianças.”


“Mas essas crianças são filhas de comunistas. E os seus pais querem educá-los sob os princípios do materialismo dialético, do marxismo-leninismo, do comunismo.”


“Razão tem o Aníbal, a escola de pioneiros é a catequese dos comunistas. Quando é que lhes pode ser ministrada a primeira comunhão? Será que o camarada Alberto Punhal vem cá para os crismar?”, provocou o José.


“Crismar não sei, mas com toda a certeza que lhes distribuirá um lenço com a foice e o martelo para eles colocarem ao pescoço.”


“Pagam?”, perguntou o José. “É que preciso de dinheiro para comprar as obras completas de Brejnev.” “Não me provoques. Ouviste?” “Ao menos perdoem-me as cotas. Ou paguem-me a assinatura d’A Verdade ou da Vida Soviética.” “O único que prometemos é arranjar material e deixarmos-te levar para casa o volume encadernado de O Militante.” “Ah, vão comprar baldes de praia e cromos de futebol para os ensinarmos a colar cartazes?” “Não, vamos comprar metralhadoras e granadas de plástico para os treinares na nobre arte da guerrilha revolucionária.” “Também tenho de lhes ensinar a cantar os hinos do partido?” “Sim, tens. E também a gritar PC, e a pôr o punho no ar com toda a força e toda a convicção do camarada Punhal.” “Só aceito se me for permitido fazer parte da lista da Isabel e não tiver de relatar nada do que de mais íntimo possa acontecer entre nós.”“Sendo assim, podes amanhã mesmo iniciar as aulas na nossa escola de pioneiros. E que Deus Marx e Cristo Lenine estejam contigo.” E o Aníbal, vendo que as negociações tinham chegado a bom termo, finalizou dizendo: “Ide em paz e que o comunismo vos acompanhe.” “Falta-nos pagar a conta.” “A conta já está paga. Faço questão.”

14
Nov12

O Poema Infinito (120): orientação mortal

João Madureira


Fiquei parado na tua extraordinária insinuação gestual. Nela observei o símbolo de toda a inflexão do esforço e da desordem que preside a todo o pensamento coerente. Toda a ideia pré-existente já foi organizada pelo cânone ocidental das imagens que respiram e se dilatam e se movimentam. E as palavras confessam amor e trazem consigo a perigosa e enigmática pergunta dos amantes. Os campos são percorridos por olhares arbitrários e neles nasce o espírito do destino. As palavras são novas oportunidades para o desastre. E respiram desespero e dilatam-se enquanto se movimentam. Experimentamos de novo o “era uma vez” e a pequena possibilidade de encontrar a verdade em algum deus que exclame oblíquas partículas de tempo e espaço noutra dimensão. Os atores invadem o cinema e destroem todas as imagens. E os realizadores fabricam estios e sussurros e inclinações graves e planos ambíguos e instantes luminosos. E o “the end” vem tão depressa que não possibilita a surpresa da sacralidade das posições sexuais. Só conseguimos observar a pressa da luz e a vivacidade do “pb” e a turbulência íntima dos planos falhados. Por isso o tempo se acautela e desce por nós com a serena destreza do desejo. Os planos multiplicam razões e submissão permitindo que os atores principais se consumam no seu sorriso ingénuo de videntes sem sítio e sem ocasião. Sobre o teu rosto deito o meu rosto. Dentro do teu olhar combinam-se as trevas e o fogo. Por cima das minhas mãos abertas expande-se a energia positiva da luz. E a luz estende-se. Afinal, a ideia é sempre fixa. Imaginamos uma ventania que varre o espaço e que se define dentro da geometria dos sexos. Enchemos o tempo de vazio. E o tempo torna-se ainda mais rápido. E exalta-se. E cai. Umas coisas caem por causa de ver cair as outras. E os nossos olhos enchem-se de mapas abertos que não levam a lado nenhum nem explicam nada. Unicamente sentimos os nossos corpos moldar-se com o ritmo aceso dos relevos. E as linhas de água gravam fendas nos nossos sentimentos repentinos. Uma exaltação táctil expõe-nos à leitura do medo e à ortografia da angústia. Vejo o teu sorriso liso e sinto o frio a bater na orientação mortal da suavidade da noite. Uma sonolência explosiva toma conta de mim. O espaço transforma-se em energia e a energia em delicadeza inútil. As mãos contornam de novo o espaço dos nossos corpos que se agitam na veloz delicadeza dos orgasmos. Continuo a sentir a tua viva ausência mesmo quando estás na minha companhia. A devassidão torna-se um querer que não pretende sair do silêncio. Sempre assim foi. O prazer guardado na arca da mudez. Vou de novo ter medo de adormecer porque me sinto transformar em fotografia incendiada. A verdade queima, o silêncio queima, a leveza pesa e a leviandade examina tudo na sua pose de coração longínquo. As perguntas eternas brilham no entendimento dos olhares. Tu dizes: O amor é uma energia bruta. Eu digo: O amor é uma curva fulminante. Eu penso: Tu és a aplicação determinada de uma dança. Tu pensas: Tu és um pretexto espácio-temporal. Todo o amor aguarda a sua vez na sagrada suspensão do desejo. E o prazer envolve-se em si mesmo. E o universo organiza-se. E os corpos nus transferem-se de imagem para imagem. E bebem-se demonstrando a sua grandeza descontinuada. 

12
Nov12

Pérolas e diamantes (11): António Cabeleira versus Fernando Campos, ou o problema em busca de solução, ou a solução em busca do problema, ou vice-versa

João Madureira


José Eduardo Martins, ex-deputado e dirigente do PSD disse ao Jornal de Negócios que “os partidos vivem hoje de diretas. E Portugal sempre foi um país de grande caciquismo. Na prática, quem tem força e disponibilidade para organizar o caciquismo acaba por ganhar”.

 

Mas não é sobre isto que hoje vos quero falar, por isso esqueçam o que anteriormente ficou escrito. Desta vez o que me traz à liça são os sabores de outono, ou melhor, o workshop promovido pelas Termas de Chaves – Spa do Imperador.

 

De facto, com a chegada do frio temos a nefasta tendência de preferir alimentos mais “aconchegantes”, mas também mais fortes e pesados “abandonando assim algumas das boas práticas adquiridas no verão”, como muito bem nos lembram os simpáticos organizadores do gracioso workshop.

 

Para evitar ganhar peso torna-se necessário “aprender a preparar refeições equilibradas, saciantes, com recurso aos produtos da época”. Ora, vai daí, preparei-me para ir aos tortulhos. Mas começou a chover tanto, mas tanto, mas mesmo tanto, que não me restou outra hipótese a não ser ficar em casa a ler os jornais da terra. 

 

E pus-me a pensar que cá no nosso torrão nascem candidatos do PSD à câmara como cogumelos. Mas, como todos sabemos, nisto dos cogumelos, os mais coloridos e vistosos são sempre venenosos.

 

Mas também não é sobre míscaros tóxicos que hoje vos pretendo falar. Mas de coisas bem mais prosaicas. Fernando Campos, presidente da Câmara de Boticas, e dirigente nacional do PSD, depois de ter feito, através de uma sondagem presumivelmente encomendada a uma empresa especializada do Porto, uma primeira investida tentando insinuar-se como suposto candidato à autarquia flaviense, e após ter ensaiado nas redes sociais apresentar-se como candidato efetivo do PSD ao mesmo concelho, já com cartaz e propostas prontas a servir e carregadinhas de demagogia e promessas tipo banha da cobra, resolveu intentar uma terceira investida fazendo-se ao lugar para ver se a ideia pegava, ou se alguém lhe pega. Ou ambas as coisas.

 

No seu jeito humilde e modesto de barrosão, revelou que tem sido muito pressionado a avançar com a sua candidatura à Câmara de Chaves. Só não disse “quão” muito, nem “quais” os distintos “pressionadores”. Desde logo para não nos impressionar com o seu valor endógeno e exógeno, antropológico, sociológico e ideológico. Sobre isso, apenas reafirmou à “Voz de Chaves” que tem recebido diversas mensagens de apoio encorajando-o a avançar com a candidatura ao município flaviense. E confessou, não os pecados, porque não os tem, mas sim sentir-se “honrado com o desafio”. Estamos em crer que este seu repto tem muito a ver com aquela atitude, agarrai-me se não vou-me ao Cabeleira que o destrono. Mas, enfim, na política o que parece é.

 

Não se esqueceu de dizer que Chaves é a sua cidade, é o local onde estudou, passou grande parte da sua vida e onde tem os seus melhores amigos. Ora, segundo o “Dicionário dos mais Ilustres Transmontanos”, Fernando Campos nasceu na freguesia de Salto, concelho de Montalegre, e passou a maior parte da sua vida em Boticas. Afirmar que Chaves é a sua cidade pode ser muito simpático para os flavienses, e sentimentalmente verdadeiro para o próprio, mas também é muito capaz de ser uma “boutade” dita para se enfiar no fato curto e apertado de uma candidatura autárquica a uma terra onde  a maior parte da população tem dificuldade em aceitar essas suas afirmações como autênticas. E admitir que é em Chaves que tem os seus melhores amigos pode ser uma confissão que muitos dos cidadãos do concelho a que atualmente preside recebam não sem alguma acrimónia. Viver em Boticas, presidir à Câmara de Boticas e ter os seus melhores amigos em Chaves é, muito provavelmente, manifestamente exagerado.

 

Na sua reconhecida modéstia, e humildade, acredita que a sua experiência autárquica “poderá ser uma mais-valia para dar continuidade ao bom trabalho que tem vindo a ser feito em Chaves”. Ora, deixem lá ver se entendi direito. Afinal Fernando Campos quer vir dar continuidade ao “trabalho que está a ser bem feito”, mandando borda fora um dos obreiros de mais uma “boutade” ficcional, sendo, ainda por cima, seu companheiro de partido. Essa hipótese não lembrava ao demónio, se ainda existisse. Mas lembrou ao senhor autarca. Lá pelo meio da declaração pôs-se com mais uns blablás da defesa dos interesses da região, de reforço de luta e etecetera e tal a que só faltou, para rematar, citar Sá Carneiro. Pois é, até os mais avisados por vezes se olvidam da cartilha.  

 

No final, talvez na sua tirada mais honesta e sentida, disse, e, pensamos nós, sem se rir, que a sua declaração de disponibilidade “não é mais do que isso”, pois quer “apenas fazer parte da solução e nunca parte do problema”. Avisando que só avançará com uma candidatura “se for legitimada pelos órgãos próprios e se reunir um consenso alargado”.

 

Do que fica dito pelo senhor autarca de Boticas, uma coisa continuamos a não entender. Afinal qual é o problema a que quer dar solução? Se o seu partido tem candidato, se até pertence à concelhia local, se, nas suas próprias palavras, está mesmo a realizar um bom trabalho, quem lhe foi meter na cabeça a ideia peregrina de que por aqui estávamos à espera de um salvador chamado Fernando Campos?

 

Agora fica visível para todos os flavienses, especialmente para a maioria dos militantes e simpatizantes do PSD, que Fernando Campos não é parte da solução, mas sim parte do problema, pois o que conseguiu foi incendiar as hostes e pôr a correr António Cabeleira caras a Lisboa para, nos órgãos nacionais, ver aprovada oficialmente a sua candidatura à autarquia flaviense.

 

Mas uma coisa também nós sabemos, Fernando Campos anda nestas coisas da política há muito, mas mesmo muito tempo, por isso não o vemos a protagonizar dois ensaios encapotados e, após esses balões de ensaio, fazer um terceiro intento declarando oficialmente a um jornal cá da terra a sua disponibilidade de concorrer à Câmara de Chaves e, daqui a alguns meses, ir para casa calçar as pantufas e beber vinho dos mortos. Algum trunfo guarda na manga.  Alguma intenção terá. E, todos o sabemos, não se fazem declarações tão explícitas sem um objetivo bem definido. Em política tudo o que parece é.

 

Não tirámos ainda a limpo se o senhor autarca de Boticas será solução para alguma coisa em Chaves. Mas o que sim sabemos, e categoricamente, é que passou a ser o maior problema para António Cabeleira. Daí os escrivas a mando do vice-presidente do PSD flaviense baterem no senhor com muita determinação e arreganho. E com razão, convenhamos, é que Fernando Campos pôs-se mesmo a jeito.

 

Outra coisa que podemos concluir é que o PSD, como não sente ainda, por parte da oposição, nenhum candidato forte e consistente, dá-se ao luxo de tentar ser ao mesmo tempo poder e oposição.

 

Também existe a possibilidade, talvez complementar, talvez autónoma, de que a presumível candidatura de Paula Barros pelo PS, esteja a ser encarada tão a sério pelo PSD local e nacional, que para aqui decidiu enviar os pesos pesados para lhe dar luta. A ser assim, tanta temeridade custa a acreditar. Mas em política, tudo o que parece é.

 

E por hoje é tudo. Para a semana há mais. João Neves aguarda também por umas palavrinhas depois da sua corajosa carta aberta publicada neste jornal. E olhem que bem as merece.

 

PS – Apelo: Ó senhor presidente, os flavienses já estranham a sua prolongada ausência das cerimónias camarárias e afins, e, por consequência, das fotografias nos jornais. Apareça. Caro presidente, por favor, apareça mesmo que seja muito de vez em quando, pois sentimos a falta do seu sereno e simpático sorriso. Vá lá senhor presidente, não nos abandone antes mesmo de desocupar definitivamente o cargo para que foi eleito. Por favor! O povo que em si votou reclama-o. Por isso faça-lhes, faça-nos, a vontade. Por favor. Por favor, senhor presidente. Olhe que nós sentimos a sua falta, apesar de não o parecer à primeira vista, pois somos homens e mulheres de sentimentos recatados. 

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