148 – Como uma aparição virginal, vaginal e demoníaca, uma camarada entrou-lhe pela portas dos Canários dentro pronta a fazer das suas. Camarada é uma maneira de dizer, pois a verdade é que era assim considerada por ser sobrinha de um camarada angolano que estava de férias em Névoa. Mas nem tudo o que parece é. Mesmo entre camaradas.
Com idade para ainda ser considerada menina, mas com corpo para já ser observada como moçoila, esta angolana roliça com cheiro a frutas tropicais e com sabor a gindungo, era conhecida no grupo de amigos e camaradas do seu tio como uma fêmea quente como a terra onde nasceu e foi criada. Os seus pais, angolanos de nascimento, ao contrário de muito outros descendentes de portugueses da metrópole, tendo aderido há muito tempo ao MPLA e sendo seus dirigentes intermédios, com algum prestígio e certo proveito, resolveram adotar a nacionalidade angolana e ficar a construir um país novo, sem racismo, livre do colonialismo e da exploração do homem pelo homem. Em suma, eram comunistas convictos e de princípios sãos, predicados que lhes viriam a ser fatais nas diversas lutas que se travaram dentro do MPLA na luta pelo poder. A sua adesão ao Nitismo encostou-os à parede, encheu-os de chumbo e seguidamente depositou-os numa vala comum. Malhas que a revolução tece. Mas, nesta altura, ainda a procissão ia no adro e todos os militantes nitistas, chipendistas, pintistas, netistas ou de outro género semelhante, eram um por todos e todos por um no combate à UNITA e à FNLA.
Mal a fêmea entrou, sentiu o cheiro da excitação do José, e enganchou-se nele como se fosse a Jane do Tarzan. O nosso herói vacilou, mas não caiu. Isto apesar do fator surpresa, do forte impulso da arremetida e, ainda, devido ao facto da angolana ser avantajada de carnes, particularidade que ao José até lhe caía bem, pelo menos naquela altura.
Filada nele ao estilo do alien no filme que viria a ser realizado alguns anos mais tarde, Madalena, pois assim era a sua graça, chupou-lhe a boca com a mesma intensidade dos aspiradores de saliva dos odontologistas. Passado um minuto, as pernas começaram a fraquejar-lhe. Mas ele, sabendo bem onde estava, deu um passo atrás e encostou-se à parede, no espaço justo e disponível que sobejava entre dois quadros da exposição. Aquilo foi ereção para uma dezena de minutos, ou mais.
A Madalena porfiou no linguado ainda durante bastante tempo. Mas dali não passava. Era mais fogo de vista do que outra coisa qualquer. Para ela, tal acontecimento não passava de uma brincadeira, como quem vê uma atriz famosa num filme a beijar o namorado e depois a quer imitar. Já para o José, como todos sabemos, mas não contamos a ninguém como mandam as regras da boa educação, a excitação punha-o a arfar e com uma vontade louca de consumar o ato. Mas teve de se contentar com uma masturbação displicente e até custosa. A angolana era mesmo má de mãos. Para sexo explícito, dizia ela com um sorriso cândido nos lábios, ainda era muito nova.
Dois atos não consumados deixaram o José muito desanimado, sobretudo porque não conseguia convencer as suas parceiras para o ato final. Se fosse assim em relação às massas proletárias, a revolução nunca chegaria a ter sucesso, nunca chegaria a consumar-se, nunca chegaria a triunfar. E isso punha-o à beira de uma crise de confiança. Abalou-lhe profundamente a autoestima.
O José, cansado e desiludido, sentou-se numa cadeira e pôs-se a observar os quadros. A Madalena fez o mesmo, mastigando um chiclete com a mesma intensidade com que há momentos lhe enrolava a língua na boca. Ele nem queria acreditar, gozado por uma garota e desprezado por uma estudante do Liceu armada em dirigente associativa zeladora da sua virgindade. Era mau de mais para ser verdade.
“Para o que olhas tu?”, perguntou-lhe a angolana, versão república popular. “Para nada”, respondeu-lhe ele com a fadiga e a deceção estampadas no rosto e refletidas na voz. “A mim parece-me que estás a olhar para essa ginasta loira que tem as pernas demasiado abertas. Ou melhor, parece-me que estás a olhar para o meio das pernas dela. Não te chegou?”, disse ela. E ele, cansado, retorquiu: “Praticar a sexualidade da maneira como nós o fizemos parece coisa de crianças quando brincam aos médicos ou aos namorados.”
Ela não disse nada, limitou-se a sorrir e a avisá-lo que lhe desse espaço para poder mostrar tudo aquilo de que era capaz enquanto ginasta. Como as calças lhe eram apertadas, despiu-as, despiu também a blusa, descalçou os sapatos e em cuecas e sutiã começou para ali a cabriolar em posições tão estranhas e arrojadas que o José chegou a temer pela sua integridade física. Ela só dizia: “Olha para mim. Olha para mim. Não te excito. Vês como sou boa. Eu também sou capaz de abrir as pernas tanto como a russa. Ou ainda mais.”
O José, tonto por ver a rapariga a rodopiar, a fazer a espargata, glosas e flique-flaques, mandou-a parar, antes que fosse tarde de mais, partisse algum membro e tivesse de a levar ao hospital.
Ela obedeceu. Foi sentar-se a seu lado e estabeleceram o seguinte diálogo: “Queres que te beije de novo?” “Não.” “Queres que te… como se diz em português de cá?” “Que te masturbe…” “Não, eu não estou habituada a chamar-lhe assim. Os meus colegas chamam-lhe outra coisa…” “Não.” “Mesmo.” “Sim.” “Sim, o quê? Que te mas…” “Não.” “Porquê?” “És má de mãos.” “O quê?” “Estou a brincar. Mais a mais, estamos aqui na presença dos maiores comunistas do mundo. Estão a olhar para nós. O Brejnev e o Alberto Punhal estão a olhar para nós.” “Sim, estão, mas não nos veem. Os dirigentes só veem o que lhes interessa.” “Não digas isso.”
Ela então levantou-se, deu mais uns quantos pulos e vestiu-se. O José também se levantou para a observar melhor. Ela então preparou-se para mais um assalto, pelo menos foi isso o que o José pensou. Pelo sim, pelo não, sentou-se de imediato. Ela sentou-se a seu lado. O José então contou-lhe que a sua excitação lhe tinha vindo diretamente da observação da real beleza do socialismo que as fotografias mostravam.
Ela riu-se e disse: “Excitas-te com pouco. E com mentiras.” “Como assim?” “Tudo o que aí vês é mentira. Ou melhor, todo o ar de felicidade que as fotografias espelham é falso. Eu já lá estive e vi. Os russos são um povo triste e desalentado. Vestem mal, comem mal, não têm roupa digna, não têm papel higiénico, nem sabão. Achas que uma sociedade avançada não é capaz de produzir papel suficiente para os seus cidadãos limparem o cu? Achas que uma sociedade desenvolvida não é capaz de fabricar sabão para o seu povo tomar banho? Os soviéticos estão tão contentes com o socialismo que se emborracham com vodka até caírem para o lado. Eu vi como muitos deles eram encontrados pela manhã mortos e enregelados, como as pescadas que vemos nos frigoríficos. Isto apesar das bebidas alcoólicas estarem praticamente proibidas. Bem, lá quase tudo está proibido. O que vês nas fotos é uma realidade fabricada. É tudo montagem. Eu vi o Brejnev na Praça Vermelha. Em relação ao que aí vês, o real tem mais cem anos. O Palácio de Inverno, o Bolshoi e alguns edifícios são idênticos, mas o resto é fabricado. É apenas um filme onde só passam as cenas bonitas. A grande maioria dos apartamentos é miserável, além de pequenos. A maioria deles são habitados por várias famílias. Os hotéis são miseráveis. As lojas não têm o que vender, quase não há carros. Lá é tudo frio…”
“Então como explicas as viagens espaciais, os mísseis, as bombas atómicas, os navios de guerra, as…”
“Pois, é isso mesmo: o comunismo soviético é apenas uma máquina de guerra. Para que ela exista o seu povo morre à míngua de pão, de liberdade, sabão e papel higiénico. O socialismo colocou um homem, uma mulher e uma cadela no espaço, fabricou bombas nucleares para destruir o mundo inteiro, mas foi incapaz de produzir máquinas de calcular para que os funcionários das lojas façam as contas. Na URSS usa-se ainda o ábaco.”
“Não acredito”, disse o José. “Nem eu quero que acredites tão depressa”, avisou-o a Madalena. “Senão eras bem capaz de pegares fogo a isto tudo. Leva-me a casa que estou cansada.”
“Queres que te leve às carrachulas?” “Às quê?” “Às costas.” “Não é preciso.”