Pérolas e diamantes (54): temos de nos levantar
Foi quando o ar me faltou por causa dos incêndios que me apercebi da importância de respirar.
E ele faltou-me segunda vez quando li as declarações de António Cabeleira e de João Batista sobre o seu suposto altruísmo. O dele e o dos seus correligionários. De facto, o altruísmo que eles defendem é do género individualista, do que se diz pôr ao serviço da comunidade, ou seja, deles próprios.
Em ata de Câmara de 16 de julho de 2013, relativa à audiência realizada com a senhora Ministra da Justiça, a 9 de Julho, o senhor presidente em exercício, e putativo candidato a presidente da Assembleia Municipal, João Batista, fez saber que, nomeadamente na alínea c, “irão continuar a ser realizados em Chaves julgamentos cujos valores envolvidos sejam superiores a 50 mil euros”.
Mas, contrariando as suas palavras demagógicas e falazes, e também a encenação lacrimejante de algumas figuras femininas das listas do PSD local às autárquicas, o Tribunal foi mesmo desqualificado e de forma ainda mais gravosa do que a prevista. A lei nº 62/2013, de 26 de agosto, denominada “Lei de Organização do Sistema Judiciário”, define que o Tribunal de Chaves nem sequer fica com os julgamentos até 50 mil euros, como o senhor João Batista apregoou aos sete ventos, pois apenas pode vir a julgar causas cíveis que não ultrapassem os 30 mil euros.
E desta maneira se destrói uma cidade, uma região e um país. No nosso céu começam a voar pássaros negros à velocidade do desespero. Eu ri-me para não chorar. Mas fi-lo a modinho. Com esta câmara, e este governo, qualquer dia, rir passa a ser crime e lá vou eu a Vila Real para ser julgado.
E assim vai a nossa cidade e o nosso país carregadinhos de dívidas e de dúvidas a caminho do abismo.
Portugal continua a ser um país para quem tem olho e não é cego. Mas tem de ser aldrabão. Portugal é só para alguns. Para os partidos e para as suas clientelas.
Depois do 25 de Abril começaram a aparecer rapidamente as oportunidades para os oportunistas. Os corruptos, disfarçados de democratas, começaram a circular nos bastidores do poder. Muitos vigaristas tomaram conta dos partidos políticos e também das empresas nacionalizadas. Os profetas do novo mundo e do progresso social enriqueceram com os dinheiros públicos. Entretanto, as empresas nacionalizadas foram privatizadas pelos que as passaram a gerir em nome do interesse público e de economia de mercado. A finança assenhoreou-se dos cofres do estado.
Houve décadas de democracia participativa. As eleições sucederam-se. Houve governos de direita e de esquerda. Portugal, diziam eles, desenvolveu-se a um ritmo excecional.
As pessoas sentiram esse desenvolvimento, pois cada vez tinham mais dívidas e os bancos mais dinheiro. Pelo meio, os Governos pragmáticos e desenvolvimentistas começaram a destruir os serviços públicos, pretextando estar a salvá-los. As empresas privadas construíram monopólios intocáveis. Os velhos senhores de antigamente voltaram a mandar na economia e no aparelho do Estado.
Os partidos políticos passaram a financiar as suas campanhas eleitorais com dinheiro saído dos cofres públicos e também do que foi escorrendo como prémio pelas obras faraónicas construídas pelos senhores e as empresas financiadas pelo Estado e com ele se pagam os cartazes, as festas, os almoços, os lanches e os jantares e a propaganda balofa e demagógica que metamorfoseou a nossa democracia numa frivolidade.
De eleição para eleição, os números da abstenção aumentam, bem assim como a distância entre quem vota e quem vai ocupar as cadeiras do poder. A democracia representativa é cada vez mais uma farsa, na qual os partidos políticos representam, não o povo, mas a si próprios, os seus interesses e os das suas clientelas. A classe política tomou definitivamente de assalto as instituições públicas e privadas.
As promessas eleitorais já não estabelecem compromissos entre ninguém. A seguir às eleições transformam-se em mentiras do tamanho da percentagem obtida, pois a “situação real do país” assim o determina. É desta forma que se legitima a impunidade dos poderosos, a “palavra” perde o seu valor ancestral, a honra é considerada uma subterfúgio linguístico e a seriedade uma futilidade fora de moda. Os interesses públicos e privados misturam-se de tal maneira que já ninguém sabe onde fica a zona de fronteira. A promiscuidade é agora uma licitude e a corrupção um lóbi democrático.
Depois da entrada na comunidade europeia tudo foi subsidiado. As empresas engordaram como porcos na ceva. As desigualdades sociais aumentaram. E o trabalho é agora encarado como um privilégio dos pobres. O dinheiro a fundo perdido perdeu-se em carros, jipes e tratores ou barcos de recreio. As fábricas desapareceram, os barcos de pesca foram abatidos, as vinhas arrancadas, os eucaliptos plantados. Os agricultores foram pagos para não trabalharem. O crédito ao consumo foi incrementado como o direito a ficar endividado sem dor. Todos passámos a ter cartões de crédito de todas as cores. Começou a trocar-se de carro de três em três anos. Construíram-se casas e mais casas. Rotundas e mais rotundas. Os construtores civis passaram a ser os novos deuses para as câmaras municipais.
Agora até o trabalho precário é um avanço civilizacional e uma melhoria da qualidade de vida da comunidade e da solvência das empresas e do Estado, que já não é social, mas mínimo.
Em vez de cidadãos, agora somos contribuintes e consumidores. Em vez de seres humanos, somos números. E em vez de indivíduos, somos estatísticas numa folha Excel.
Fomos atirados ao chão. Mas já a minha avó me dizia: Se queres ver alguém como realmente é, vê-o a erguer-se.