Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

05
Fev14

Poema Infinito (184): o desassossego da criação

João Madureira

 

Sinto agora o frio sossego da neve pisada por mim e o silêncio que cai como as folhas. Sou um homem exposto. Sou como um rio que se afoga nas suas próprias águas. A tua boca é uma rosa molhada pela chuva que o vento desprezou. O esquecimento e o abandono doem-nos. O sono corrompe os beijos. Fico de olhos parados observando um pianista entrar num velho bar logo pela manhã. E depois sair para a rua e passear nos jardins e falar com os pássaros e olhar as flores que sorriem dentro da sua perfeição. Sei que o céu está lá em cima porque sinto o seu azul perfeito. As pessoas riem-se dos namorados e os namorados riem-se das suas ilusões e das desilusões das pessoas que já gastaram as suas ilusões a desiludirem-se. As árvores descansam nas horas apagadas da tarde. É bom sentir ainda o segredo das coisas vivas e ignorar os caminhos concluídos. Os homens esquecem-se da vida e giram os braços e reparam em tudo à sua volta. Foi neste lugar que nasceu a inocência. É bom lembrar viagens que a gente gostaria de fazer e os amigos que se aproximam das nossas conversas. Os teus olhos estão cheios de riquezas íntimas e de emoções imaginadas. É bom pensarmos na alegria dos livros e nas horas passadas a lê-los. É bom pensar nos poetas com cara de anjos e nos anjos com cara de poetas e na sua admiração feliz e na sua ternura no momento da criação. É bom vê-los suspirar de alívio ao lembrarem-se que os olhos dos amantes são perfeitos e que por isso falam verdade. É bom esquecermo-nos do destino e da vontade irreprimível de escrever para contar tudo aquilo que a gente ainda não assinalou. Já não sei se é bom ter a saudade escondida no coração. O tempo agora está diferente e isso provoca-nos uma estranha impressão de atordoamento, como quando a dor consegue fugir das feridas. Quando fechamos os olhos conseguimos ver o tempo a ter tempo de abrir um buraco para a infância e outro para muito mais além. O vento liberta-se e fica com vontade de chorar. A Eva voltou a sentar-se no barro. E o Adão acompanhou-a. Ambos têm os olhos vazios. Ele não reparou nela, só lhe disse que era infeliz como todos os outros homens. Depois calou-se. E ali ficaram a escutar a noite e o campo e as árvores velhas e a música do silêncio. Desde o pecado original que carregam, como mendigos, as suas bocas mortais e os seus sexos pecaminosos. E o Diabo provoca-lhes sede e dá-lhes insónias em forma de comprimidos anticoncecionais. E carrega-os de pesadelos inférteis. Os seus cabelos negros ficam brilhantes. Falam pouco. Recordam-se do frio de Deus e das cicatrizes nos corpos macerados dos mártires. E de beberem água e de se banharem vestidos com as suas peles de serpente. E lembram-se também dos crepúsculos que ficam sempre cinzentos e dos seus desejos serem enfiados dentro da Arca da Aliança e de não precisarem da verdade para nada e de prometerem, por causa disso, honrar o nome do Senhor. E recordam-se de sentirem o vento trazer-lhes as palavras constrangidas da salvação. Adão e Eva são agora prisioneiros da sua solidão de amor e de pecado. Andam sempre a fugir dela e a ela regressar. E confessam ao seu Senhor que a sua vida é amarga e que continuam a sonhar com o paraíso de onde foram expulsos. Eles dizem amar o ideal que não conseguiram cumprir e por isso pedem a Deus que os vista de nuvens, ou que os transforme em peixes ou que lhes dê asas de avião. Lamentam-se de serem apenas sombras da tarde e de pensarem coisas leves e estúpidas. Deus, como sempre, apenas lhes responde, bastante constrangido, com palavras misteriosas. 

03
Fev14

Pérolas e diamantes (74): cavalos não identificados, segredos das grandes mentes e incumprimentos camarários

João Madureira

 

Afinal o cavalo que provocou, no dia de Natal, o trágico acidente de Évora, do qual resultaram quatro mortos e quatro feridos graves, não estava registado em Portugal. As autoridades nacionais já vieram esclarecer que têm o número do chip (identificador eletrónico) do equídeo e que ele não corresponde a Portugal. Ou seja, o cavalo não foi adquirido nem nasceu em terras lusitanas.  

 

Estou em crer que muito provavelmente o fatídico corcel foi o que participou no filme de Béla Tarr, “O Cavalo de Turim”, que se terá esgueirado da película da mesma forma que o “Exterminador Implacável”, viajando do futuro para o passado para eliminar a raça humana.

 

Rogério Copeto, o oficial de relações públicas da GNR de Évora, que está a compilar os dados relativos aos acidentes provocados por animais no ano passado, só na área de intervenção desta força de segurança, disse que, até outubro de 2013, aconteceram 1700 acidentes no país, com animais. E que destes, cerca de 50 envolveram cavalos. Mas o estranho é que apenas este não tem registo em Portugal.

 

O cão é o animal que mais acidentes provoca, mas normalmente os danos são apenas materiais, “enquanto que a colisão com um cavalo”, esclareceu o oficial Copeto, “é mais grave, devido ao porte”.

 

Mas estou em crer que não era bem disto que hoje vos queria falar. A minha intenção era partilhar convosco alguns dos segredos das grandes mentes, que fui buscar ao novo livro de Mason Currey, “Daily Rituals: How Great Minds Make Time, Find Inspiration, and Get to Work”.

 

O compositor e pianista Erik Satie, por exemplo, caminhava mais de 20 quilómetros por dia para ir e voltar de Paris e, pelo caminho, ia compondo música. Beethoven, por seu lado, levantava-se ao nascer do Sol, tomava café e a seguir trabalhava. Depois almoçava algo ligeiro e passeava durante toda a tarde. Ao início da noite jantava fora e ia ao teatro. Por volta das dez da noite, o mais tardar, ia para a cama. Pois sabia que deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer.

 

Por falar em crescer, foi ao ler a capa do jornal “Negócios” que me deparei, não com um cavalo surgido do nada, mas antes com uma notícia que me pôs à beira de um ataque de nervos. Não pela surpresa, mas antes pela confirmação de um roubo deliberado por parte do governo do PSD/CDS. Fiquei a saber que por ser funcionário público, por ano, Pedro Passos Coelho e o Paulinho das Feiras, me extorquem quatro salários. E que mesmo assim, a dívida pública vai subir cerca de 10 pontos percentuais, ultrapassando os 136% do PIB.

 

Se calhar é melhor voltarmos aos génios. Mozart, por volta dos seus 20 anos, era penteado às seis da manhã, vestido às sete e começava a compor às nove. Até à uma da tarde ainda arranjava tempo para dar lições de música. A seguir almoçava. À tarde ou dava concertos ou continuava a compor até às vinte e uma. Depois visitava a sua amada Stanze. Por volta das onze da noite regressava a casa. Compunha mais alguma coisa e ia para a cama por volta da uma da madrugada. Dormia apenas cinco horas e lá voltava ele ao seu penteado, etc. E seguia esta rotina religiosamente.

 

Por falar em religião, D. Januário Torgal Ferreira, em entrevista ao jornal i, disse que “os católicos deste governo não deviam comungar”, pois possuem “problemas de consciência gravíssimos. Gravíssimos.”

 

Por falar em rotina, o ex-bispo das Forças Armadas lembrou que os nossos atuais governantes estão rotinados, e até viciados, na perseguição aos mais idosos, aos funcionários públicos e aos pensionistas.

 

Mas voltemos às rotinas das grandes mentes. Mahler e Benjamim Britten também se fartavam de caminhar. Kierkegaard muitas vezes chegava a casa e começava logo a tomar notas ainda antes de tirar o casaco e o chapéu. Hemingway e Virginia Woolf escreviam de pé. Proust dormia todo o dia e escrevia toda a noite deitado apenas apoiado sobre um cotovelo. Já Nabokov começou por escrever de pé, depois progrediu para a posição sentada e, por fim, como o alentejano da anedota, resolveu experimentar deitado.

 

Descartes gostava de trabalhar deitado e detestava levantar-se cedo. Contra a sua vontade, aceitou a tarefa de ensinar filosofia à rainha Cristina, da Suécia. Para isso, recebeu ordens para começar as suas lições às cinco da manhã. No espaço de algumas semanas estava morto, vítima de pneumonia.

 

Definhada, e à beira da falência, também está a Câmara de Chaves. D. Januário Torgal Ferreira, na citada entrevista, afirmou que “as pessoas que têm vocação política têm de ter também uma vocação de competência”. O que, pelas provas dadas, não é manifestamente o caso dos autarcas do PSD que têm gerido os destinos da nossa autarquia.

 

De facto, a Câmara de Chaves vai receber menos 2,8 milhões de euros do FEF devido ao incumprimento dos limites de endividamento municipal. O despacho por incumprimento foi publicado em Diário da República. A nível nacional foram apenas oito as Câmaras incumpridoras. O que diz bem da competência técnica e política desta gente que teima em nos desgovernar.

 

Questionado sobre esta desautorização, e por este corte nas finanças da autarquia, António Cabeleira teve a desfaçatez de desvalorizar esta situação argumentando que não é grave, “pois como o dinheiro é retido e não retirado, o plano de pagamento das faturas em dívida passa a ser pago pela Direção Geral de Impostos e não pela Câmara de Chaves, como até aqui”.

 

Ou seja, o Estado Central, por causa do incumprimento da Câmara, vai passar a ser ele a pagar aos legítimos credores da nossa autarquia, para que o dinheiro transferido não seja gasto em propaganda política em vez de ser utilizado para honrar os compromissos assumidos por obras já realizadas e não pagas.

 

António Cabeleira, em vez de reconhecer que a gestão camarária do PSD local é incompetente e contraditória com os interesses dos flavienses, resolveu vir para os jornais afirmar que esta decisão do seu governo é “injusta”, argumentado que quem tem culpa é a legislação aprovada em novembro de 2011.

 

Na sua perspetiva a culpa é da lei e não dos incumpridores. É preciso ter lata. De facto, e estendendo o argumento de D. Januário, os católicos desta Câmara não deviam comungar, pois os seus problemas de consciência são gravíssimos. Gravíssimos.

 

Mas voltando às mentes brilhantes, sabiam que Balzac bebia 50 chávenas de café por dia e que… Bem vistas as coisas, a quem é que isso interessa?

Pág. 3/3

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

blog-logo

Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

A Li(n)gar