Aos portugueses, e em dose dupla aos flavienses, aconteceu-lhes como aos burros dos pobres, tocou-lhes carregar com uma carga muito superior à que podem suportar.
Ao nível autárquico, as novas folhas que surgiram, apesar de terem nascido na primavera, já cheiravam a outono.
Alguma razão têm os ladrões filósofos quando afirmam que nada no mundo se faz sem roubar. Ou seja, para se conseguir alguma coisa temos de privar alguém dessa mesma coisa.
A mim já me avisaram que devo proceder como o mudo Badini e por isso tomar cuidado com aquilo que digo.
Mas eu não aprendo. A minha avó dizia-me que os seres humanos que se dedicam à política são como as serpentes venenosas. Há as que nos matam com um beijo e as que nos aniquilam com um abraço. E também existem as que reúnem as duas qualidades. Essas são as que chegam ao topo do poder.
Sabem qual é a diferença entre um político e um sábio? O político, num naufrágio, salva o seu cartão partidário e a sua lista de contactos. O sábio salva o homem que se afoga.
Os políticos, neste caso, os autárquicos, apesar de nos dizerem que traçam o seu caminho com uma régua, nós sabemos que andam sempre às voltas, dando voltas a si mesmos e a todos nós.
Tudo isto vem a propósito de uma nova instituição pública que surgiu em Chaves quase no segredo dos deuses e que tem o nome pomposo de Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega. Os seus estatutos ocupam 25 páginas e teimam em criar a ilusão de que a citada “Comunidade” serve para alguma coisa de útil.
Se lhes disser que o pai da criança é o inenarrável Miguel Relvas, no tempo da sua passagem pelo Governo, talvez se faça mais luz sobre esta farsa.
As suas atribuições são, sem tirar nem pôr, as de qualquer autarquia local.
Um artigo desde logo me chamou a atenção, o 45º, que diz, e passo a citar, que “a Comunidade Intermunicipal pode contrair empréstimos, a curto, médio e a longo prazo junto de qualquer instituição autorizada por lei a conceder crédito, em termos idênticos aos dos Municípios”.
Dito desta forma até parece ser uma prerrogativa normal e corrente. Mas para nos apercebermos do alcance da coisa podemos, e devemos, dar uma vista de olhos ao seu plano de atividades e orçamento.
A CIM-AT é composta de pelos Municípios de Boticas, Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca.
Tem como objetivo, dizem os pais desta misteriosa instituição, garantir a articulação dos Municípios na materialização de um Planeamento Estratégico, aproveitar sinergias existentes, otimizar recursos, procurando atrair investimento. Ou seja, é mais uma instituição cheia de boas intenções, das muitas que abundam pelo país fora e que não servem para nada de útil e de concreto.
Lá pelo meio, o documento refere vacuidades e subtilezas disfarçadas de estudos sob nomes pomposos tais como “Avaliação da Subvenção Global e do Programa Territorial de Desenvolvimento de Trás-os-Montes”, “Estudo de Sustentabilidade das Estruturas de Proteção Civil”, “Estudo de Valorização do Potencial Cinegético e Piscícola” e “Plano de Ação da Rede Viária Municipal”.
Mas a coisa começa a fazer sentido quando chegamos à parte dos Recursos Humanos e ao Mapa de Pessoal. A proposta traduz a composição do Secretariado Executivo Intermunicipal, com um Primeiro Secretário e dois Secretários Intermunicipais. Dos três, apenas dois são remunerados. O Primeiro Secretário e um dos Secretários.
Agora adivinhem lá quem é o Primeiro Secretário? Ora pois, só podia ser um ex-presidente da Câmara. E do PSD. Efetivamente é João Batista. E isto já se sabia mesmo antes das eleições autárquicas. Daí o ex-autarca flaviense ter decidido apoiar António Cabeleira, pois os cargos já estavam destinados e com nome, remuneração e tudo. Quem está no poder sabe sempre o passo que se segue e a cadeira que está vaga.
O Governo do PSD criou as CIM para distribuir tachos pelos seus apaniguados. Mandou-os primeiro explicar e executar a extinção das juntas de freguesia para depois, com o dinheiro assim poupado, criar os tais cargos de Primeiros Secretários e Secretários remunerados.
Ou seja, retirou o dinheiro a quem necessitava, a quem fazia política de proximidade, para o entregar de mão beijada aos baronetes dos partidos do poder que a mais não aspiram do que ter uma secretária, um computador e uma cadeira de couro que os faça sentir-se importantes.
Mas vamos aos números. A dita Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega, que não faz falta para rigorosamente nada, tem um orçamento de 651 000 €. As receitas correntes, procedem de, e passo a citar, “Bancos e outras instituições financeiras (100 459 €); Outros (?) (142 184 €), DGAL (142 174 €); FEDER (310 877 €); Receitas de capital – FEDER (96 473 €).
Agora reparem como o dinheiro de todos nós vai ser desperdiçado: despesas correntes - 8000 €; ajudas de custo - 3000 € (ora…?); despesas de representação - 16 679 € (adivinhem…?); outros suplementos e prémios – 5000 € (lá…?); subsídio de refeição - 16 679 €; subsídio de férias e Natal – 10 879 € (para…?); Caixa Geral de Aposentações – 8 613 € (quem?); Segurança Social – 8 039 €; gasóleo – 2 500 € (ora adivinhem lá para quem?); comunicações – 2 500 € (ora adivinhem lá…?); representação dos serviços – 5 000 € (ora adivinhem lá para quem?); estudos, pareceres, etc. – 128 000 €; outros bens (?) – 187 000 €; outros trabalhos especializados (?) – 80 000 €; equipamentos informáticos, etc. – 110 951 €.
Podemos informar os estimados leitores que o tacho de Primeiro Secretário da CIM é remunerado com 45% do vencimento do Presidente da República, cerca de 4 000 € mês. E que o cargo de Secretário (neste caso Secretária e militante do PSD de Vila Pouca) recebe cerca de metade, aproximadamente 2 000 € mensais.
Ou seja, apenas em ordenados, ajudas de custo e outros gastos com os senhores secretários e de funcionamento, a citada CIM – AT gasta por ano, cerca 150 000 €. O que corresponde a cerca de um quarto do citado orçamento.
Além disso, a CIM é um órgão não democrático, porque não foi sufragado pelos cidadãos. E, estou em crer, é um balão de ensaio para criar uma estrutura que a médio prazo poderá vir a substituir os municípios, com o mesmo argumento que foi utilizado para extinguir as freguesias, os hospitais e os tribunais: a desertificação do Interior.
Esta é a grande reforma do Estado feita pelo PSD.
PS – Ironicamente, ou não, o PS votou favoravelmente o orçamento. Não fosse o representante do MAI, esta farsa orçamental tinha sido aprovada por unanimidade.
Está visto, e confirmado, que a política dos interesses, nesta partidocracia, invoca, e sobrepesa, sempre, os interesses individuais em desfavor dos direitos coletivos.