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Este sistema de austeridade económica, financeira e democrática é tão paradoxal, e contraditório, que pode perfeitamente ter sido copiado da sebenta de qualquer filósofo do absurdo, explicando que até confia a liberdade aos portugueses na condição de não a usarem, tendo eles, no entanto, de garantir este compromisso com a sua pronta mansidão.
Estes liberais do ancien regime arriscaram ir demasiado longe tentando com isso descobrir até onde podem esticar a corda. Ou seja, a política, que dizem tudo explicar, afinal não explica nada.
Mas, para mal da sua prepotência, “nenhuma autoridade está fora do alcance da crítica”, como afirmou Karl Popper.
As notícias sobre as prescrições dos casos em julgamento indiciam que continuámos a ser um país subdesenvolvido onde os poderosos não são tocados.
Apesar disso, muitos de nós continuam a não pronunciar em voz alta aquilo que pensam. E por medo. Outra vez por medo.
A passividade do nosso povo é sinónimo de indolência, de conformismo e de abdicação. Muitos creem que as coisas lá se arranjarão por si. Esse estádio é o da infância.
Tal aceitação é a que promove a prepotência das elites, a prepotência dos governos e a prepotência dos políticos sobre o povo.
Anda por aí muito aldrabão a dizer que o homem é por natureza bom, para com isso justificar um Estado mínimo. Os cidadãos mais informados sabem bem que a bondade não está na natureza humana, mas sim na educação.
E por natureza também não somos maus, senão esta rapaziada que agora nos governa já tinha sido corrida a varapau.
Mark Twain dizia que a história não se repete mas rima.
Quem leu um pouco da História de Portugal reparou, com toda a certeza, de que estivemos, e continuamos a estar, sempre à beira de um conflito e também sempre à beira de o evitar.
Agora o papão dos portugueses chama-se troika. E é com ele que o governo de Passos Coelho e Portas nos ameaça. Uma e outra vez. Mas eles também sabem que, mesmo justificando-se com o papão, não podem fazer tudo aquilo que pretendem. Persentem que não podem fazer tudo o que têm em mente. O medo também os atinge.
O princípio, erradamente identificado como cristão, de que devemos ser bons para quem nos faz mal é o que nos leva à passividade. Não nos devemos esquecer que Jesus expulsou os vendilhões do templo à paulada e sem contemplações.
O estado contemplativo é o que noz faz mal. Esse é o lado mau, o lado subserviente, o lado atávico, que é o oposto da dignidade que a democracia promove: o direito à expressão, o direito a uma existência digna, o direito à cidadania plena, o direito ao amor-próprio.
Nós hoje somos as cobaias da Europa rica. Inocularam-nos esta vacina da reestruturação para ver como reagimos ao vírus. E nós como se nada fosse. Limitamo-nos a emitir alguns gemidos de dor, para que tenham pena de nós.
Disseram-nos que tínhamos gasto o que não devíamos e que estava na hora de cada um de nós o assumir e pagar por isso.
Mas eu não gastei o que não devia, cá em casa ninguém gastou o que não devia, na restante família aconteceu o mesmo. Afinal quem é que gastou aquilo que não devia e não pagou?
Pergunto-me por que razão é que o primeiro-ministro me quer inculcar esse complexo de culpa? A mim e a todos os que não gastaram aquilo que não deviam, porque, pura e simplesmente, não o tinham.
Por vezes sentimo-nos sós. Mas já Camus dizia que podemos estar sozinhos mas temo-nos uns aos outros.
O homem pôs Deus no seu silêncio. O poeta ficou calado. O homem ficou sozinho. O poeta não disse nada, apenas a sua mão apanhou uma maçã e escreveu uma promessa antiga. O homem não esperou nem o amor de um, nem a glória do outro. Alguém lhe trouxe terra, água e indiferença. O homem começou a transportar consigo as coisas simples, como os sonhos e a certeza da morte. E a imagem do menino que foi fixada nos seus olhos. E a memória da sua mãe presa no coração. Os seus filhos avulsos nasceram já velhos e graves e com bocados de pão presos nas suas bocas famintas. As suas memórias estavam sempre a arder e não se consumiam. As suas lágrimas eram fracas e silenciosas. Vestia-se com a cor dos rios e alimentava-se com peixes coloridos e perigosos. Fez uma única promessa, a de morrer com o seu pecado capital redimido. Os seus dias queimavam-se até ao fim. Não sentia saudades, nem desejos. O seu amor era frio como o aço e inteiro como os números. A sua raiva germinava e crescia no escuro. As flores, ao pé de si, sentiam-se neutras e divididas. A sua vida era distância. Os seus beijos eram cegos. As suas memórias choravam quando adormecia. Lembrou-se que aprendeu tudo o que sabia com o inverno. Por isso perdeu o tempo das flores. Por isso era perseguido pela maldição das coisas mal começadas. Para si, todos os aromas eram antigos, as rosas eram frias e as horas vazias. Por isso, as suas mãos eram violentas. No entanto chorava quando a sua mãe o chamava do lado escuro da memória. E calava sempre as respostas às suas perguntas. Quando levantava o coração do peito, ele pesava-lhe como uma pedra. Gastava as noites a arder no seu silêncio. Por vezes agradecia ao vento trazer-lhe o aroma dos bichos. Então sossegava e sonhava que o seu tempo era uma flor pura. Deus disse-lhe que a sua mãe lhe lavou os sonhos quando lhe deu banho pela primeira vez. Ele não acreditou. Deus, para ele, era uma ilha, a sua mãe era o mar. Vestiu-se de dor quando a sua mãe morreu. Vestiu-se dela. E os seus olhos encheram-se de mágoa. Por isso se negou ao desejo de ser. Foi quando o amor o começou queimar vivo. Tudo era luz e fogo. Tudo ficou pesado como a dor da morte. Os seus olhos ficaram carregados de vento. Nem as aves voavam porque estavam cobertas com o pó dos caminhos e das casas abandonadas. As pessoas passaram a gemer lentidões. As janelas começaram a arder por dentro da sua utilidade. Todos os países passaram a ser distantes. O seu coração começou a predizer as catástrofes. A sua sombra passou a caminhar sempre curvada, como se o levasse às costas. A sua vida atingiu a espiral vertiginosa do nada absoluto. As palavras deixaram de nomear as coisas. O seu corpo começou a escorregar para os abismos, a absorver as horas. A sua cabeça transformou-se num lugar branco onde se instalou permanentemente a solidão. Os dias ficaram desertos e sem luz. As palavras dentro de si começaram a ficar geométricas e densas. Os seus cabelos encheram-se de sombras. Quando beijava uma mulher a sua língua era como uma lâmina. Todos os olhares eram riscos de luz e ecos de segredos. Prometia voltar sempre àquilo que sabia que nunca mais voltaria. Sentiu que ia morrer quando as suas mãos começaram a tremer como insetos, quando as estrelas no céu começaram a ficar secretas, quando a Lua se incendiou, quando as paisagens começaram a ficar irreconhecíveis, quando Deus ceifou os bosques, quando as palavras ficaram inúteis. Morreu enquanto a manhã expirava mesmo junto à sua boca no exato momento em que terminou de pronunciar, pela derradeira vez, a palavra Mãe.
Por muito que nos custe, os velhos anátemas continuam vivos em Portugal. E são eles quem nos diminui a capacidade de procurar uma saída de qualidade para a grave crise que atravessamos.
Os velhos mitos provincianos persistem revelando o quanto somos ainda paroquiais em termos políticos.
O arcaísmo mais persistente, e resistente, qual vírus infecioso, está associado às lideranças partidárias, que, apesar de se pretenderem hodiernas e desenvolvidas, interditam o debate aberto, limitando a discussão política ao espaço estritamente interno, disciplinado e obediente, quando não subserviente.
Tudo deriva da falta de consistência política e ideológica dos partidos, circunstância que os converte cada vez mais em coletividades de acesso ao poder e às suas benesses.
Por isso é que a diferença é vista como uma quebra de eficácia na aproximação ao poder e nunca como a manifestação de uma opinião legítima.
Quer isto dizer que o aparelhismo trinfou em toda a linha. Os partidos apenas refletem a escassa mobilidade social existente em Portugal. Quem governa conserva.
O sistema político português, quer queiramos, quer não, favorece os carreiristas e os bajuladores. Todos sabemos que são as direções partidárias que fazem as escolhas principais de acesso aos lugares elegíveis.
O debate livre, tanto dentro como fora dos partidos, que é a norma principal das democracias desenvolvidas, obrigaria, necessariamente, a uma elevação do nível, tanto das propostas, como das lideranças. Afastando as pessoas da conspiração, da intriga, do clubismo e do amiguismo, aproximando-as das regras exigentes e clarificadoras do espaço público.
Mas isto é o que todos os aparelhos partidários temem e abominam, dado que necessitam de manter as velhas regras de acesso ao poder e fechar as estruturas à influência libertadora da opinião livre e democrática.
Atualmente, todos os partidos do apelidado arco da governação são clubes oligárquicos sem visão de futuro. São estruturas reacionárias e persecutórias.
Por isso é que na maioria das vezes, para não dizer sempre, no momento de votar não podemos escolher entre o que é melhor, mas sim entre o menos mau.
E isto é válido para todos os partidos representados na Assembleia da República. Convém não esquecer, aquando do PEC 4, que a sua reprovação provocou a chamada da troika. E isso não é só responsabilidade de Passos Coelho e Paulo Portas. Francisco Louça e Jerónimo de Sousa são igualmente culpados.
Por alguma coisa é que a velha direita, agora liderada pelo atual primeiro-ministro, é tão desapiedada e vingativa.
Todos nos lembramos que Pedro Passos Coelho rejeitou o PEC 4 com o peregrino argumento de que ele trazia atrás de si mais austeridade.
Há, de facto, um grave problema na nossa democracia proveniente da forma como os partidos violam as suas obrigações políticas perante os eleitores.
Os deputados eleitos não assumem nenhum compromisso com os eleitores, apenas o fazem com as direções partidárias que os preferiram como candidatos e não com os cidadãos que os elegeram. Por isso é que alguns, ou algumas, votam contra os interesses dos cidadãos da sua região, quer eles sejam relativos à Saúde, à Educação ou à Justiça, pretextando a “sagrada” disciplina partidária. Isto é um vício grave da nossa democracia que tem de acabar.
Os partidos não definem como sua principal prioridade a defesa dos interesses dos portugueses. E não há forma de os punir.
É habitual, durante a campanha eleitoral, travarem guerras entre si, fazerem um enorme teatro sobres as suas diferenças, chegando mesmo a insultar-se uns aos outros. No dia seguinte às eleições lá estão eles em bonitas coligações, esquecendo os reais problemas de quem os elegeu.
Por isso é que a democracia portuguesa está como está, moribunda. A atuação dos principais partidos a isso a conduziram.
Em Portugal há pessoas que enquanto ministros negociaram com empresas, em nome do Estado. A seguir vemo-los como administradores dessas mesmas empresas. A maioria deles sem possuírem qualquer tipo de experiência em gestão nas áreas para que foram contratados. Afinal qual foi o interesse que eles defenderam? Qual a razão que levou as tais empresas a contratá-los? Para lhes pagar o quê?
Também não é de admirar. Foram os jotas aqueles que triunfaram. São os jotas que fazem carreira. São os ex-jotas que estão no governo a aquecer as cadeiras para que os jotinhas de hoje sejam os ineptos governantes de amanhã.
Foi nessa escola de virtudes que aprenderam a dar facadas nas costas, a chegarem aos lugares de topo através de artimanhas e manigâncias, através de malabarismos, maquinações, intrigas e traições.
Por isso é que os nossos dirigentes partidários não têm cultura. Acham isso até despiciendo. Um luxo. Quiçá, uma mania. Ou, o que é ainda mais grave, um óbice à arte de governar.
Temos de passar, como defende Marinho Pinto, da democracia representativa para a democracia participativa. Está na hora dos partidos políticos deixarem de ter o monopólio da luta política. Está na altura dos cidadãos independentes poderem concorrer à Assembleia da República.
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